O tempo não está a dar tréguas na ilha de São Jorge, com o vento a soprar forte e a chuva a cair com intensidade.

O casal Bianca e Cassiano, juntamente com o filho de dois meses, aguardam na gare marítima pelo barco que vai sair das Velas rumo à Madalena, na ilha do Pico, e à Horta, no Faial.

Olham para o mar e preveem uma viagem difícil: “O tempo não está a ajudar”, diz Bianca Pereira à agência Lusa.

Depois de uma reflexão nos últimos “dois dias”, o casal decidiu abandonar “por tempo indeterminado” a ilha que está a sofrer uma crise sismovulcânica. Vão por “prevenção”.

“Não acho que seja excesso de alarme. A população tem razão em estar assim. Estamos preocupados. Construímos uma vida aqui. Há quem lute a vida toda para arranjar casa e carro e se acontecer alguma coisa vão perder tudo pelo que lutaram até agora”, justifica Bianca.

Também o marido acredita que sair da ilha é a “melhor” decisão a tomar, nem que seja até as “coisas acalmarem”.

“Se 700 pessoas já tiverem saído são menos 700 pessoas para retirar em caso de qualquer coisa. É melhor prevenir do que depois, quando chegar à altura, e mesmo que tenham os meios necessários, a coisa complicar”, diz Cassiano Pereira.

Segundo informações recolhidas no local pela Lusa, na quarta e na quinta-feira saíram das Velas por via marítima cerca de 600 pessoas, sendo que só na quinta-feira embarcaram 389 pessoas.

Marisa Freitas também se prepara para embarcar. Tem 14 anos e vai para o Pico ter com uma amiga.

“Estou preocupada e só senti um sismo. A decisão de sair não foi fácil. Tive de deixar a família atrás porque eles não quiseram ir. Eu vou ter com uma amiga e com os pais dela para ficar numa zona segura”, explica.

Ao lado dela, Raíssa Raposo também vai para a ilha do Pico, onde tem o namorado. Diz que tem “sentido alguns sismos” e que a situação é “preocupante”.

“Vou abandonar por causa dos sismos. Estou preocupada com o que pode acontecer e eu prefiro prevenir do que remediar”, afirma, acrescentando que os seus pais, que moram nas Velas, também já rumaram à Calheta, o outro concelho da ilha.

A aguardar na sala de embarque está o professor da Universidade de Évora José Fernando Borges, especialista em geofísica. Rumou a São Jorge, juntamente com uma equipa de investigadores, aquando do início da crise no sábado para monitorizar a situação.

“Instalámos quatro sismógrafos. Três de banda larga. Só havia uma banda larga do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera], com quem estamos em conjugação. Instalámos um acelerómetro em tempo real, que não havia e agora está instalado na Urzelina”, explica.

A equipa vai continuar com investigadores no local para “estudar” a situação, uma vez que esta crise é “diferente porque tem a ver com a atividade vulcânica” localizada no meio de uma ilha.

“O fenómeno vulcânico manifesta-se com antecedência e as autoridades açorianas têm uma larga experiência em Proteção Civil, em conjugação com as entidades científica. É preciso não tomar decisões precipitadas e acompanhar bem a situação”, assinalou.

Nos últimos dois dias, e após o Governo Regional ter anunciado um reforço das ligações áreas e marítimas, Velas perdeu muito do seu movimento habitual.

Pelas ruas, é agora raro encontrar alguém e muitos dos estabelecimentos comerciais estão encerrados. António Sousa Teixeira, 72 anos, é uma exceção: diz que ainda “não ouviu” nenhum sismo, mas refere que o “ambiente” que se sente na ilha faz lembrar outros tempos.

“Já passei uma fase difícil. Eu e a ilha toda em 1964. A gente então teve de sair daqui. Todo o povo do concelho. Em Santo Amaro, a minha freguesia, foi uma desgraça e começou com vários sismos pequenos”, afirma, recordando a crise sísmica de 1964, que obrigou à retirada de cinco mil pessoas da ilha.

Agora, prossegue, acredita que “não vai acontecer nada disso”, mas nota que “muita gente já se foi embora”, lamentando o encerramento do único café da sua freguesia porque a gerente “foi para o Pico com a família toda”: “faz falta porque não há mais nada”.

Já ele, que vive sozinho, não pensa ainda em abandonar a vila: “Por enquanto estou bem assim. Se a coisa não piorar muito mais, eu vou ficar por cá. Se houver ordem para o pessoal sair todo, tenho de ir. Não sou melhor que ninguém”.

Mais em frente, mesmo diante da Igreja de São Jorge, no centro da vila, um casal, com uma carrinha repleta de caixotes, está atarefado a preparar a saída de casa.

João Paulo Roque tem 85 anos e vai com a mulher para a Calheta. “Isso pode ser tudo ou não pode ser nada. Não podemos facilitar”.

Apressado por causa da chuva, diz que não pode falar, mas faz questão de deixar uma palavra antes de entrar no carro, onde evoca a sua vida para evidenciar a particularidade do momento atual: “Andei uma vida toda pelo mundo. Desde a Polónia, ao Iraque, à Jordânia. Andei por todo a lado e nunca passei por um aperto desses”.

O Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) revelou hoje que, nas últimas horas, foram sentidos cinco sismos pela população da ilha de São Jorge, acrescentando que a atividade sísmica continua “acima do normal”.

A crise sismovulcânica em São Jorge iniciou-se às 16:05 de sábado, tendo o sismo mais energético ocorrido nesse dia às 18:41 com uma magnitude de 3,3, na escala de Richter.

Na quarta-feira, o CIVISA elevou o nível de alerta vulcânico na ilha de São Jorge para V4 (de um total de cinco), o que significa “possibilidade real de erupção”.

As ilhas do grupo central dos Açores, onde se inclui a ilha de São Jorge, estão sob aviso amarelo devido às previsões de chuva, entre hoje e sábado.

Segundo o presidente do CIVISA, Rui Marques, a precipitação, conjugada com a crise sísmica, pode provocar desabamentos em São Jorge.

O executivo açoriano decidiu, por isso, proibir o acesso às fajãs do concelho das Velas e retirar os habitantes que lá vivem.

Segundo os dados provisórios dos Censos 2021, a ilha de São Jorge tem 8.373 habitantes, dos quais 4.936 no concelho das Velas e 3.437 no concelho da Calheta.