“O problema para nós é que Belgrado está a pagar um elevado preço pelo que Pristina não está a fazer do seu lado, mas que concordaram em concretizar”, argumentou Ivica Dacic, que na sexta-feira efetuou uma vista oficial a Lisboa para um encontro com o seu homólogo Augusto Santos Silva e empresários e investidores portugueses na Sérvia.
Belgrado iniciou as negociações oficiais de adesão em janeiro de 2014. A assinatura em 2013 do acordo de Bruxelas sobre a normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo – a província autónoma do sul do país com capital em Pristina, maioria de população albanesa e que declarou unilateralmente a independência em 2008 –, concretizado sob os auspícios da União, foi decisivo para o início do processo.
“O problema para nós é que Belgrado está a pagar um elevado preço pelo que Pristina não está a fazer do seu lado, e que concordaram em concretizar”, considerou Dacic, 52 anos, que acumula a pasta de vice-primeiro-ministro no Governo de coligação liderado pelo Partido Progressista Sérvio (SNS) de Aleksandar Vucic, primeiro-ministro da Sérvia de 2014 a 2017 e Presidente desde maio de 2017.
Ivica Dacic, líder do Partido Socialista da Sérvia (SPS), fundado em 1990 na sequência do desmembramento da Jugoslávia federal em torno do ex-Presidente Slobodan Milosevic, assinala o impasse no acordo de Bruxelas – que assinou na qualidade de primeiro-ministro com o dirigente albanês kosovar Hashim Thaçi, atual Presidente do Kosovo e na presença da então alta representante para a diplomacia externa da UE, Catherine Ashton.
“Cinco anos após a sua assinatura, a maior parte do acordo ainda não foi aplicada, e que passa pelo estabelecimento da Associação das municipalidades sérvias”, refere, apesar de garantir um “sério empenhamento” numa solução de compromisso.
“Mas Pristina pensa que, na sua perspetiva, já está tudo decidido. E que aquilo que falta fazer é o reconhecimento pela Sérvia da independência do Kosovo. E esse é de facto o principal problema. A Sérvia não pode aceitar esse ato unilateral, como a Espanha não pode aceitar uma ação unilateral da Catalunha. Pensamos que é uma situação contrária à lei internacional, e que pode suscitar problemas semelhantes através do mundo”, disse.
Desde a declaração da independência em fevereiro de 2008, patrocinada pelos principais países ocidentais, o Kosovo já foi reconhecido por 113 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas. No entanto, cinco países da UE (Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre) continuam a recusar o reconhecimento, além de países com importante peso internacional, como Rússia e China, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e ainda a Índia, Brasil, México, Argentina ou África do Sul.
Nesta perspetiva, lançou um desafio: “Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), quantos reconhecem a independência do Kosovo?”. “Não é um grande número”, asseverou. Angola, Moçambique e Brasil estão entre os Estados da CPLP que recusaram essa decisão.
Perante a posição da liderança de Pristina, “que pensa que esta questão está encerrada”, o chefe da diplomacia sérvia assinala a disponibilidade em abordar “todas as propostas” que garantam uma solução conjunta e mutuamente aceite, apesar do contínuo bloqueio do diálogo.
“Sinceramente, o que sentimos é que a Sérvia deveria reconhecer a independência do Kosovo para garantir o sucesso do processo de adesão à UE. E para satisfazer as exigências de diversos países que de facto reconhecem o Kosovo. Mas essa é uma expectativa totalmente errada, a Sérvia não vai fazer isso”, disse.
E numa alusão a diversos países ocidentais, o ministro considera que as pressões para que Belgrado reconheça o Kosovo, em troca da adesão à UE, poderão ter consequências negativas no conjunto dos Balcãs.
“Não é apenas um problema da Sérvia, devemos entender a região no seu conjunto, e se pretendemos uma região estável a Sérvia desempenha uma função decisiva”, frisou.
Belgrado continua a argumentar que o Kosovo não tinha o estatuto de república na ex-Jugoslávia, que não tinha condições para proclamar a independência, nem invocar o direito dos povos à autodeterminação.
“O povo albanês já tem o seu Estado próprio. Os albaneses do Kosovo eram uma minoria nacional, e nesse sentido os princípios da lei internacional foram grosseiramente violados”, sustenta Dacic.
Mas apesar de admitir a necessidade em negociar, o responsável sérvio rejeita que um futuro acordo possa implicar uma nova alteração de fronteiras na região. “Para nós, o Kosovo é parte da Sérvia, discutir trocas territoriais é bizarro”.
Ivica Dacic reconhece que será longo o caminho para a adesão plena à UE, provavelmente nunca antes de 2025.
“Tendo sido eu quem iniciou as negociações de adesão da Sérvia com a UE, espero definitivamente que continue vivo para assistir ao fim do processo. O que é importante é a estrada que se percorre para atingir o objetivo, e decerto esperamos que a UE esteja lá, quando chegarmos lá”.
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