O Ministério da Educação tem um serviço onde 12 funcionários adaptam os manuais para que os alunos cegos possam acompanhar as aulas.

Este ano letivo, já foram transcritos para braille quase 400 livros para os 65 estudantes do ensino básico e secundário. No entanto, o trabalho continua.

Há livros que “ainda estão a chegar às escolas”, conta Maria Fernanda, uma das funcionárias da reprografia, enquanto imprime as últimas páginas de um manual de Matemática do 5.º ano.

Entre milhares de folhas brancas escritas a braille, Maria Fernanda move-se com a urgência de quem sabe que o material tem de chegar aos destinatários.

“Realmente gostaríamos que os alunos tivessem todos os manuais no início do ano, mas sabemos que não é possível porque este é um processo muito complexo”, reconhece Tomé Coelho, presidente da Associação dos Cegos e Ambliopes de Portugal (ACAPO), em declarações à Lusa.

No início do mês, dois transcritores ainda estavam a adaptar os últimos volumes de História e Matemática do ensino básico. Numa sala ao lado, os revisores andavam à caça de gralhas nos livros de Filosofia e Espanhol e, uns pisos abaixo, os funcionários do serviço de reprodução também não tinham mãos a medir.

Os 17 funcionários da Direção de Serviços de Educação Especial e Apoios Socioeducativos estão sempre numa luta contra o tempo. É que a equipa só pode começar a trabalhar quando os professores escolhem os manuais do ano seguinte.

Quando a informação chega, a operação arranca. A lista de manuais divide-se entre os que, em tempos, já foram adaptados e os que terão de ser produzidos pela primeira vez.

Os livros que existem em arquivo chegam às escolas antes das aulas começarem. Sempre que possível, opta-se por reciclar e só quando estão em mau estado é que se imprimem de novo.

Quando a escolha dos professores recai em livros novos, inicia-se um processo moroso que acontece quase em simultâneo com o arranque das aulas.

Para reduzir o impacto de os manuais chegarem tarde, os capítulos vão sendo adaptados à medida que as matérias são ensinadas.

“As escolas enviam a planificação e nós vamos tentando saltar volumes e dar a parte que está a ser dada nas aulas para minimizar os estragos de o livro chegar atrasado, porque está a ser feito dentro do próprio ano letivo”, explicou Cristina Miguel, coordenadora de produção dos manuais em formato adaptado.

Conforme o trabalho vai ficando pronto, os volumes vão sendo enviados para as escolas. “Os que já foram feitos noutros anos já estão todos nas escolinhas. Agora são os restos dos volumes que se estão a enviar”, conta Maria Fernanda, enquanto a impressora imprime os últimos capítulos de um manual do 5.º ano que deu origem a 14 volumes braille.

A funcionária lembra que os alunos nunca poderiam levar o livro completo para as aulas, sob pena “de irem muito carregados para a escolinha”. Na mochila também pesam as imagens dos manuais que ocupam ainda mais espaço quando passam de linhas a tinta para linhas a braille.

Dar relevo a figuras, gráficos e mapas é a tarefa mais difícil para os transcritores. Um gráfico pode demorar horas até ganhar a forma desejada.

Quando a imagem é muito complicada, os técnicos podem optar por descrever o que veem. No entanto, a solução não serve os alunos do 1.º ano que ainda não sabem ler. “Temos de fazer desenhos com as células braille”, recorda Cristina Miguel.

O trabalho exige experiência, conhecimentos, mas também muita concentração. Mas, por vezes, alguns transcritores mudam de sala e em vez do silêncio ouvem-se gritos de emoção que são gravados para serem ouvidos pelos alunos.

Isto porque aquele serviço também tem como missão gravar para áudio os manuais. Fernanda Borges, que faz a adaptação de manuais para braille, é a melhor voz da equipa e por isso faz a locução dos manuais escolares e de alguns livros do Plano Nacional de Leitura.

À Lusa explicou que adequa a forma de ler ao seu público-alvo: Os mais pequenos exigem maior cuidado com a pronúncia e os mais velhos “mais dinamismo e muita ação para os cativar”. No final, o objetivo é só um: “Motivar para a leitura e para saber mais”, resume Fernanda Borges.

O sentimento dos que diariamente trabalham naquele serviço discreto na Avenida 24 de Junho, em Lisboa, é condensado nas palavras de Fernanda Borges: “É muito gratificante saber que o nosso trabalho é utilizado e é mesmo necessário. Isso é muito bom”.

* Silvia Maia/LUSA