Em 2021 havia 2811 casas dedicadas a Alojamento Local em Portugal. Passaram 13 anos desde que se legislou este tipo de oferta turística, à boleia do Simplex de José Sócrates aprovou-se o regime jurídico de instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos. Mas apenas em 2014 se criou um regime próprio para esta opção, que, em pouco mais de uma década, mudou a realidade do país. Agora, chegados a 2023, o Governo decide cortar pela raíz aquele que acredita ser um dos causadores da pouca oferta habitacional.
Duas das propostas do Programa Mais Habitação, em consulta pública até março, pretendem reavaliar licenças de alojamento local em 2030 e proibir a emissão de novas permissões para este tipo de serviço em zonas urbanas. Mas também pedir aos proprietários que tenham casas destinadas para este efeito uma contribuição extraordinária. As medidas têm dividido as águas no país, há quem acredite que se trata de um importante pilar da economia para se cortar tão drasticamente, outros acreditam ser um mal necessário.
"Estas medidas são mais do que um golpe, são uma sentença de morte a prazo para o Alojamento Local”ALEP
Ao SAPO24 a Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEP) confessa acreditar que isto poderá ser o princípio do fim: “Esta é a primeira vez que um setor assiste ao estabelecimento de um prazo de validade por decreto, neste caso 2030. Estas medidas são mais do que um golpe, são uma sentença de morte a prazo para o Alojamento Local.”
A associação lembra que esta tem sido uma grande alavanca do turismo, “representando mais de 40% das dormidas em todo o país, pelo que, sem Alojamento Local não há Turismo.” Alertando para uma dualidade sem grande sentido na proposta apresentada, “com a proibição de emissão de novas licenças a partir de 2030 o Governo empurra o problema para daqui a sete anos, sendo conveniente para o próprio Governo continuar a receber a receita e os impostos afetos ao Alojamento Local, que representam e contribuem em grande parte para a receita do Estado.” Conclui que o Alojamento Local é apenas um “bode expiatório” de um problema maior, mas cuja solução não se vislumbra neste pacote.
Foi já com o António Costa como primeiro ministro, em 2018, que se assistiu ao pico de licenças para Alojamento Local. 3534 em todo o país, embora nos últimos anos o número tenha diminuído, continua a ser um dos motivos de queixas dos habitantes das cidades que não encontram casas para viver. Contudo também há vantagens, um estudo do arquiteto Tomás Perloiro Côrte-Real Cruz analisa o fenómeno na Freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa e conclui que “mais de metade das frações convertidas em alojamento local estava devoluta antes do início desta atividade, sendo que 10% se encontrava em ruínas, o que revela a importância que este fenómeno tem para a reabilitação do parque edificado do centro histórico de Lisboa, que se encontra num estado de conservação precário - 67% das frações e quase 50% dos edifícios têm um estado de conservação descrito como mau ou muito mau, segundo o inquérito realizado.”
"O PS no governo revela uma vez mais que tem horror ao empreendedorismo e à livre iniciativa e combate todas as novas formas de criação de riqueza por puro preconceito ideológico."Nuno Melo, CDS-PP
Nuno Melo, presidente do CDS-PP, em conversa com o SAPO24 também referiu a mudança urbanística decorrente do Investimento em Alojamento Local. Critica a proposta do Governo socialista lembrando o investimento já feito. “Não é aceitável o ataque que o governo pretende fazer ao Alojamento Local, fundamental para acomodar o grande aumento do turismo em Portugal e potenciar a recuperação de algumas das zonas mais degradadas das nossas cidades, principalmente nos centros urbanos. O PS no governo revela uma vez mais que tem horror ao empreendedorismo e à livre iniciativa e combate todas as novas formas de criação de riqueza por puro preconceito ideológico. O AL foi o motivo de investimento de muitas pessoas e famílias, que dali retiram um justo proveito, ao mesmo tempo que criam riqueza e postos de trabalho, ajudando a dinamizar a economia"
Também o presidente da Câmara de Lisboa tem sido uma das vozes mais críticas. Carlos Moedas não percebe o facto de não ter sido auscultado numa medida que interfere tanto na gestão diária da sua cidade. O edil lisboeta lembrou, esta semana, na apresentação da Carta Municipal da cidade, que o período de suspensão de novos registos de alojamento local até à entrada em vigor da alteração ao regulamento municipal desta atividade, resultou numa corrida às licenças entre a apresentação na câmara, a votação na assembleia municipal e a entrada em vigor. Portanto questiona se este será o melhor caminho.
“Nós estávamos a fazer um regulamento para o alojamento local, de repente somos confrontados com uma decisão unilateral do Governo de acabar com o alojamento local. […] O Estado vem e diz: proibimos tudo."Carlos Moedas
A ALEP partilha a dor dos municípios, por também não ter sido contactada pelo Governo durante a preparação deste pacote legislativo, e avança estar a preparar-se para contestar legalmente as medidas propostas. Lembra ainda que os proprietários de Alojamento Local já têm agravamentos fiscais, tanto das mais-valias, como do IMI. Refere que esta medida generalista acaba por ser injusta para todos os Alojamentos do país, que também saem prejudicados, e não apenas os das grandes urbes.
A associação acrescenta ainda que “este tipo de medidas estrangula uma atividade e não tem efeitos práticos, porque asfixia uma atividade para forçá-la a ter um suposto beneficio, que vai acabar por não surgir. Outra questão importante prende-se com o perfil dos Alojamentos Locais, isto porque, a maior parte dos AL, pela sua tipologia e dimensão, não tem perfil para arrendamento, uma vez que nem sequer foi para isso que foram criados. A taxa força um setor a transitar para outro para evitar agravamentos fiscais, quando na verdade muitos AL não se enquadram nas necessidades de quem procura habitação permanente.”
Quinta-feira, nos Paços do Concelho, Carlos Moedas salientou o descontentamento com a ingerência do Governo em causa alheia e a unilateralidade da decisão. “Nós estávamos a fazer um regulamento para o alojamento local, de repente somos confrontados com uma decisão unilateral do Governo de acabar com o alojamento local. […] O Estado vem e diz: proibimos tudo. Ora, isso não faz qualquer sentido e é uma interferência naquilo que é o papel de gestão de território de um presidente da câmara e isso eu não posso admitir, esse tipo de interferências”
A ALEP queixa-se acima de tudo de ter sido colocado “um prazo de validade” ao seu setor de negócio, sem qualquer informação ou aviso. Mesmo depois de a associação sempre ter colaborado com o governo. E alerta para a perversão criada, que justifica apenas por haver preconceitos da parte do legislador. “Se há um prazo para encerrar a atividade, não é possível ter alguma estabilidade, oferecer contratos de trabalho estáveis, fazer investimento na qualificação do Turismo e investir em sustentabilidade. Mesmo que o Governo diga que não tem preconceitos contra a atividade e que não quer acabar com o AL, na prática, está a acabar com o setor e a criar uma instabilidade que não prejudica só o AL, mas toda a economia. A estabilidade laboral está claramente a ser posta em causa, uma vez que a atividade tem uma data de fim decretada.”
Até dia 16 de março, os proprietários, e quem o desejar, pode ter as suas ideias ouvidas no que concerne ao pacote de medidas mais habitação. As propostas que dizem respeito ao Alojamento Local estão a ser particularmente discutidas por o turismo representar 8% do PIB português, e o Alojamento Local 42% do turismo.
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