Nobre, que participa em cinco estudos sobre a Amazónia brasileira apresentados na 28.ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), que se realiza no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, até o próximo dia 12, explicou que o período de seca na Amazónia brasileira tem aumentado nas últimas décadas, num claro sinal de que o chamado ponto de não retorno, ou seja, a ‘savanização’ do bioma, está próximo.

“Nós estamos muito próximos desse ponto de não retorno porque em todo o sul da Amazónia a estação seca está muito mais longa. A estação seca era de três a quatro meses. Hoje, a estação seca está [com uma duração] de quatro a cinco meses. Se chegar de cinco a seis meses, em duas décadas, se continuarmos nessa direção, esse já é um clima da savana tropical, um clima do cerrado [bioma brasileiro], e não mais um clima [da floresta tropical] da Amazónia”, disse à Lusa.

O especialista mencionou como exemplo da perda de vitalidade do bioma, que é fundamental para deter o aquecimento global, o facto de que no sul do estado brasileiro do Pará e no norte do estado do Mato Grosso a floresta amazónica já se ter tornado uma fonte de carbono, ou seja, emite mais carbono na atmosfera do que absorve.

“Por que a estação seca [na Amazónia] está a ficar mais longa? É uma combinação complexa, sinergética, entre o aquecimento global que está fazendo os fenómenos extremos se tornarem mais extremos”, afirmou, mencionando o El Niño, um fenómeno climático natural que ocorre em média a cada dois a sete anos associado ao aumento das temperaturas da superfície no centro e leste do Oceano Pacífico tropical, mas que tem efeitos em todo o mundo.

“Por que os ‘el Niños’ fortes estão a ficar mais frequentes? Aquecimento global, oceanos mais quentes (…) O Oceano Pacífico Equatorial mais quente. O Oceano Atlântico ao norte do Equador está a bater recordes de temperatura e isso induz secas na Amazónia. Os ‘el Niños’ induzem secas na Amazónia”, acrescentou.

Além das alterações climáticas, o cientista brasileiro, que no ano passado foi eleito o membro estrangeiro da Royal Society, instituição britânica que promove o conhecimento científico no mundo, citou a desflorestação aliada À criação de gado no norte do Brasil, que aumentou muito nas últimas décadas.

“O lugar com pastagem é muito pouco eficiente para reciclar água. A pastagem não recicla água como a floresta recicla durante a estação seca (…) A floresta recicla a água de uma forma muito eficiente, então, é isso que está acontecendo. Essas são as razões. Secas frequentes como [as que aconteceram] em 2005, em 2010, entre 2015 e 2016 e [a seca recorde na Amazónia registada] agora em 2023, que vai até 2024”, apontou.

“Antes nós tínhamos uma seca mais pronunciada na Amazónia a cada duas décadas. Agora nós estamos a ter quatro secas em duas décadas, ou seja, três a quatro vezes mais frequentes […] e, isso, junto com a desflorestação, está a colocar a Amazónia num enorme risco [de chegar] ao ponto de não retorno”, concluiu.

A avaliação de Nobre vai ao encontro a dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o grupo de cientistas estabelecido pelas Nações Unidas para monitorizar e assessorar toda a ciência global relacionada com as alterações climáticas, do qual foi integrante, que apontam que a ‘savanização’ da Amazónia já é um fenómeno em curso.

A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e tem a maior biodiversidade registada numa área do planeta, com cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (pertencente à França).