Em declarações à agência Lusa, Paulo Fontes, diretor de Comunicação e Campanhas da AI Portugal, notou que a alusão do relatório norte-americano à sobrelotação das cadeias portuguesas é “algo que tem sido referenciado há vários anos” pela AI Portugal, “pelo menos nos últimos 10 anos”.
A questão da sobrelotação “tornou-se mais visível em contexto de pandemia”, período em que houve a libertação antecipada de reclusos, aproveitando para referir que Portugal “tem de tomar as medidas para prevenir a sobrelotação das prisões e assegurar a plena implementação das regras da ONU para o tratamento dos reclusos”, ou seja, as chamadas “regras Nelson Mandela”.
O mesmo responsável da AI Portugal insistiu que Portugal tem ainda que garantir que haja uma “investigação imediata e imparcial” às alegações de violação dos direitos humanos dos detidos nas prisões portuguesas praticada pela guarda prisional ou por outros prisioneiros.
A necessidade de dotar os espaços prisionais de telefones suficientes que permitam a aproximação dos reclusos às suas famílias, fomentando a reinserção social, foi outro aspeto salientado por Paulo Fontes, que mencionou que AI Portugal recolheu também relatos de “insuficiência alimentar” nas cadeias e colocação de reclusos em camas de cimento, apesar de alguns destes presos sofrerem de problemas físicos e de saúde.
Quanto à violência policial contra detidos, um dos assuntos assinalados pelo relatório dos EUA, Paulo Fontes apontou que, a par da falta de condições nas prisões, trata-se de um problema recorrente que tem estado presente nos relatórios da AI Portugal desde há muitos anos, sendo por isso um “problema estrutural”.
No entender do responsável da AI Portugal, face às queixas relacionadas com violência policial sobre detidos seria necessário a criação de um “órgão independente” para analisar tais queixas, justificando que, embora exista a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), esta é um órgão sob a tutela daquele ministério governamental.
Em relação ao tráfico humano para trabalho agrícola, outro ponto que consta do relatório dos EUA, mencionou que a questão foi posta a descoberto por um surto de covid-19 na comunidade imigrante, sobretudo oriunda do sudoeste asiático, a qual tem sido vítima de exploração neste tipo de trabalho disponível.
A este propósito, referiu que este fenómeno surge por vezes associado a episódios de racismo e xenofobia, destacando o caso ocorrido no final de 2021 com as alegadas agressões a imigrantes por militares da GNR, em Odemira, situação que levou a AI Portugal a pedir esclarecimentos à Procuradoria-Geral da República.
Paulo Fontes sublinhou ainda o facto de o relatório dos EUA fazer referência a casos de discriminação, violência de género, violência doméstica (que diz ter-se agravado com a pandemia) e ao direito à habitação, realçando que esta última questão está a afetar não só a comunidade imigrante, mas também a chamada classe média nacional.
Por este motivo, urge, nas suas palavras, realizar a implementação prática da Lei de Bases da Habitação, cabendo ao novo governo dar resposta a este problema que aflige um número cada vez maior de pessoas.
O relatório do Departamento de Estado, que cobre Portugal bem como quase 200 Estados, foi apresentado na terça-feira pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.
Aí se lê que “existem relatórios credíveis” segundo os quais “membros das forças de segurança cometem alguns abusos”.
Entre estes estão o “uso excessivo de força” pela polícia e “maus-tratos e outras formas de abuso por guardas prisionais”.
O documento aponta também que alguns relatórios mencionam “condições de centros de detenção que levantam preocupações com os direitos humanos” dos detidos.
Desde logo, detalhou-se, em termos físicos, “várias prisões estão sobrelotadas, são inadequadas, têm condições sanitárias deficientes e há violência entre detidos”.
Outro ponto que mereceu destaque na análise foi o da entrega à embaixada russa, pelas autoridades municipais de Lisboa, da informação pessoal sobre os dissidentes que organizaram um protesto frente à representação diplomática. “Os oficiais de Lisboa pediram desculpa, depois de uma significativa indignação pública, e declararam que iam acabar com essa prática”, acrescentou-se.
O texto do Departamento de Estado detalhou ainda algumas questões significativas relativas aos direitos humanos, as quais incluem “relatos credíveis de crimes que envolvem ameaças de violência contra membros de minorias raciais/étnicas”.
O texto mencionou a situação no tráfico humano com destino à exploração económica.
A este propósito, contrastou a legislação que proíbe todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório com a debilidade das penalizações.
Depois de apontar a proveniência das vítimas deste tráfico, em particular de Índia, Paquistão, Ásia, Moldávia, Roménia, Europa de Leste, África Ocidental e Brasil, o Departamento de Estado considerou que “os recursos do governo para prevenir o trabalho forçado, incluindo inspeções e aplicação da lei, continuam inadequados”.
O Observatório do Tráfico de Seres Humanos é citado na denúncia de a exploração dos trabalhadores estrangeiros traficados ocorrer maioritariamente a agricultura, construção e serviço doméstico, enquanto as vítimas portuguesas estão mais na restauração, agricultura e serviço doméstico.
O caso específico de Odemira também está mencionado, com referência às notícias sobre as redes de imigração clandestina e o trabalho escravo.
FC (RN) // HB
Lusa/fim
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