Sílvia Roque, coautora do livro ‘Me Too, um segredo muito público”, participou hoje na manifestação em Lisboa, que partiu do Largo do Intendente em direção ao Largo de São Domingos, levando um cartaz onde se lia, a propósito do movimento internacional com repercussões em Portugal, que “denunciar não é crime”.

O movimento que “deu ânimo” a que muitas pessoas avançassem com queixas não eliminou o receio de o fazer, até porque as vítimas se sentem desprotegidas para o fazer, apontou.

“As pessoas têm de ter muita coragem e têm de ser protegidas para poderem denunciar”, disse Sílvia Roque à Lusa.

No entanto, “quando se denuncia as pessoas duvidam das vítimas”, ou então os agressores põem as vítimas em tribunal por difamação, “tentando silenciar quem denuncia”.

“Denunciar não pode ser crime”, alertou Sílvia Roque, referindo a necessidade de uma criminalização mais abrangente do assédio sexual e uma maior aposta na prevenção.

Para a prevenção, é essencial apostar na educação, sobretudo das crianças, defendeu Mahara Damasceno, do coletivo Safo, uma associação lésbica que se juntou à organização da Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres.

A ativista disse à Lusa que é preciso quebrar o ensino de modelos de género que ainda pretendem fazer dos homens “o caçador” e das mulheres “a caça”, salientando que a diferença exacerbada de género e a violência levam “à destruição de muitas vidas”.

Para Mahara Damasceno, a realização da marcha continua a justificar-se enquanto houver sofrimento das mulheres: “A nossa realidade, historicamente, é a dor”.

João Pedro Melão não é um estreante na marcha do 25 de Novembro. À Lusa, contou que desde que é maior de idade e vive em Lisboa que participa sempre.

Este ano foi na companhia da namorada, mas desde sempre participou a sentir-se “um homem sozinho” na luta feminista.

Na sua própria geração encontra ainda muito desinteresse e muita falta de informação sobre a temática, algo que entende que pode ser explicado também com o contexto social e familiar de cada um e da influência que este tem na formatação do pensamento.

Disse que tem assistido ao crescimento da marcha de ano para ano na rua, mas sobre o interesse da sociedade no tema não tem dúvidas: “Ainda estamos muito verdinhos nestas matérias”.

A concentração marcada para as 18:00 só se transformou em marcha pelas 18:50, quando centenas de pessoas arrancaram ao som do já habitual coletivo feminino de percussão e de gritos de “Deixem passar, deixem passar, sou feminista e o mundo eu vou mudar”.

Bandeiras LGBTI+ e muitos cartazes com palavras de ordem como “Queremos viver, não sobreviver” ou “Na violência contra a mulher mete-se a colher” davam cor ao desfile de centenas de pessoas que na frente, ao megafone, tinha Dejanira Vidal, da organização da marcha e do coletivo “Por Todas Nós”.

Momentos antes, em declarações à Lusa, considerou “preocupantes e absolutamente assustadores” os números da femicídios e violência de género no país, numa altura em que os dados oficiais apontam para 25 mulheres assassinadas só este ano.

Dejanira Vidal apontou o dedo ao desinvestimento em políticas públicas e à ausência de medidas concretas que contribuam para combater esta realidade, apelando também ao Governo, aos partidos políticos e ao parlamento que ouçam os coletivos feministas e as medidas concretas que têm para propor.

O Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA) da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) contabilizou 25 mulheres assassinadas em Portugal entre o início do ano e 15 de novembro, das quais 20 femicídios (homicídios em que existe violência de género).

Entre esses 20 femicídios, 16 foram cometidos em relações de intimidade, três em contexto familiar não íntimo e um em contexto de violência sexual, disse o OMA na semana passada.

Segundo dados da Polícia Judiciária hoje divulgados, entre janeiro e setembro deste ano 344 mulheres foram violadas em Portugal.