"No caso do Rui Pinto, choca-me que, perante o óbvio interesse público das informações libertadas por Rui Pinto, as mesmas não tenham despertado o interesse das autoridades portuguesas", afirmou Ana Gomes, durante a conferência "O novo Regime da Proteção de Denunciantes (Whistleblowers)", promovida pela agência Lusa em Lisboa.
A eurodeputada realçou que, ao contrário do que acontece em Portugal, as informações lançadas por Rui Pinto foram valorizadas pela opinião pública e pelos jornalistas de todo o mundo, e pelas autoridades de outros países europeus, insistindo que, em Portugal, "ninguém se pôs a caminho para falar com ele [Rui Pinto] e pedir colaboração", apesar de conhecerem o seu paradeiro e saberem que estava a viver na Hungria.
"Rui Pinto está a ser tratado como um vulgar criminoso, enquanto as autoridades judiciais [portuguesas] atuam a pedido de um fundo de investimento, a Doyen, que nem sequer paga impostos em Portugal. Não há nenhuma razão de proteção de interesse público que explique porque é que as autoridades portuguesas não pediram a colaboração de Rui Pinto. Isto, independentemente de os crimes pelos quais ele é alegadamente acusado sejam julgados", assinalou.
Ana Gomes apontou para o exemplo das autoridades francesas, belgas, suíças e holandesas, que foram ter com o pirata informático português e solicitaram a sua ajuda para a investigação de vários casos relacionados com a corrupção no futebol, reforçando que é inaceitável que tal não aconteça em Portugal.
"As autoridades portuguesas têm-no preso e não lhe pediram colaboração, o que é extraordinário", vincou, já depois de ter realçado que o caso Rui Pinto não é o único em que há divulgação de informações relevantes para a opinião pública, mas que ganhou maior protagonismo porque mexe com o "ópio do povo", o futebol.
Segundo a eurodeputada, os vários escândalos que começaram a surgir após a crise financeira de 2008, que foram revelados por denunciantes, estiveram na base do trabalho desenvolvido pelas instituições comunitárias para reforçar o regime de proteção dos 'whistleblowers', ou lançadores de alertas, na expressão francesa.
Por seu turno, o advogado José António Barreira, que também participou na conferência, considerou que atualmente, face à evolução da legislação, há um "quadro mental a reconfigurar para toda a gente: denunciantes, autoridades e jornalistas".
E destacou: "Nós estamos aqui do lado de cá a negociar com os bandidos. Sim, para apanhar os bandidos maiores. Sim, é bandido. Mas, agora, tecnicamente, não é. Isto é um problema. Quem adormece com cães também acorda com pulgas".
Já o jornalista António Tadeia puxou pelo tema da divulgação das informações que são obtidas pelos 'hackers', mostrando-se favorável a que sejam os jornalistas a passar essas revelações para a opinião pública, dadas as suas obrigações profissionais e deontológicas, e alertando para o perigo de as mesmas serem espalhadas por outros meios.
"Eu não tenho nada contra as denúncias a jornalistas, e o denunciante fica protegido pelo direito de proteção das fontes. Tenho muito mais medo das denúncias através das redes sociais, já que a informação fica nas mãos de pessoas que não sabemos se são responsáveis ou não, e que não têm nenhuma limitação de foro ético e profissional. O interessse de quem denuncia não me importa, desde que seja verdade", sublinhou.
Ana Gomes também se focou na "dimensão das novas tecnologias que hoje permitem chegar à informação que de outro modo não se conseguia", salientando as "vulnerabilidades" ligadas às novas tecnologias.
"Como o Rui Pinto, pelo ódio e raiva por gostar de futebol e perceber que a verdade desportiva está em causa, não só a verdade desportiva como outros aspetos estão postos em causa, e decidir expôr tudo isso. É uma tese perfeitamente defensável", lançou a eurodeputada.
De resto, Ana Gomes revelou que recebe muitas denúncias de cidadãos e que, quando as acha pertinentes e credíveis, passa-as para as autoridades na esperança que as investigações dêem frutos.
"Dou comigo a aceder a informação altamente gravosa. O que é que eu faço? Fico calada? Chegam-me muitas coisas de muitos cidadãos. Se achar que têm fundamento - mandam-me muita coisa e também há maluquinhos -, passo às autoridades portuguesas ou europeias. Se se vê um padrão, como o próprio Rui Pinto disse, de autoridades que não ligam... De autoridades que têm gente lá infiltrada dentro. O Rui Pinto quando foi preso disse que havia elementos da PJ [Polícia Judiciária] que tinham ensinado a Doyen a fazer a queixa [contra o 'hacker' português]. Já alguém viu isso?", questionou.
E finalizou: "O que me deixa doente é as nossas autoridades até hoje não terem ido fazer isso. Até parece que não temos problemas nenhuns. Nem branqueamento de capitais, nem fuga de capitais. O fisco espanhol foi buscar uma pipa de massa devido às revelações de Rui Pinto. E o fisco português? O que estão a fazer as autoridades para proteger o interesse público. As autoridades têm que ser proativas. Há aqui um défice tremendo. E há também um défice de meios".
(Notícia atualizada às 21h36)
Comentários