Na quinta-feira passada, no final de um Conselho de Ministros dedicado a resposta na área da habitação, António Costa adiantou que o seu Governo adotará medidas de apoio às famílias e à economia até ao final desta semana e que serão calibradas em função dos dados finais da execução orçamental de 2022.

O último debate sobre política geral, na Assembleia da República, realizou-se em 11 de janeiro, depois de o Governo ter atravessado quase duas semanas de crise interna, sobretudo com as demissões do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e de vários secretários de Estado na sequência da polémica indemnização de meio milhão de euros paga a Alexandra Reis para cessar as suas funções como administradora da TAP.

  • Revisão dos salários dos trabalhadores da função pública

O primeiro-ministro mostrou hoje disponibilidade para rever os salários dos trabalhadores da função pública, referindo que a inflação em 2022 foi superior à que o Governo tinha inicialmente previsto.

“Porque verificamos que há uma alteração dos pressupostos com base nos quais foram assinados os acordos com a função pública, [estamos disponíveis] para falar com os sindicatos em matéria de rendimento dos trabalhadores da função pública”, declarou António Costa no debate sobre política geral, no parlamento, em resposta aos PCP.

O líder do executivo salientou que, quando foram assinados os acordos relativos aos salários da função pública, previa-se que a inflação fosse de 7,4% em 2022.

“Sabemos que a inflação final de 2022 foi de 7,8% e, portanto, temos disponibilidade para haver uma revisão, tendo em conta aquilo que é a alteração no que diz respeito aos salários”, reforçou.

O primeiro-ministro anunciou ainda que, no âmbito de políticas do seu Governo para responder ao aumento da inflação, o seu executivo vai também anunciar um “tipo de medidas de apoio a famílias mais vulneráveis”.

António Costa garantiu que o seu Governo vai trabalhar para que, "na próxima semana", essas medidas estejam concluídas.

“Aguardamos que, no final desta semana, seja confirmado aquilo que é o resultado da execução orçamental do ano passado para podermos adotar [estes] dois tipos de medidas”, disse.

António Costa fez estes anúncios depois de interpelado pela líder parlamentar do PCP, Paula Santos, que quis saber se, perante o agravamento da condições económicas e sociais, o Governo “vai manter a opção de continuar a recusar as soluções que são necessárias para evitar o empobrecimento de quem vive do seu trabalho e de quem trabalhou uma vida inteira”.

“A questão está em saber se o Governo vai deixar incólumes os interesses dos grupos económicos e os sues lucros ou se, de uma vez por todas, vai adotar soluções que se exigem e definir preços máximos para os bens alimentares e demais bens essenciais?”, questionou.

A líder parlamentar do PCP rejeitou que a fixação de preços se traduzisse em “prateleiras vazias”, recordando que, durante a pandemia, o Governo estabeleceu um preço máximo para as máscaras sanitárias.

“Escusa de enganar o povo para justificar o compromisso do Governo com a salvaguarda dos interesses dos grupos económicos, mesmo que para isso sacrifique salários e pensões ou faça regressar a fome”, disse.

Na resposta, António Costa garantiu que o Governo deu, “desde a primeira hora, muita atenção ao tema da inflação”, elencando várias medidas adotadas, como a eliminação do IVA nos fertilizantes e nas rações ou a intervenção no mercado da eletricidade.

O primeiro-ministro reconheceu, contudo, que “há hoje uma realidade muito grave que tem a ver com a subida dos preços na cadeia alimentar”, e salientou que o seu Governo tem feito “um trabalho mais discreto ou menos discreto com os diferentes agentes da cadeia alimentar”.

“Têm talvez tido mais visibilidade as ações da ASAE, relativamente a práticas neste ou naquele estabelecimento, mas o exercício tem de ser feito no seu conjunto, porque nós temos um aumento no custo da produção aos produtores, temos um aumento do preço na produção e também, finalmente, temos um aumento do preço que todos nós, consumidores, pagamos”, salientou.

Costa referiu que esta manhã houve “uma reunião muito importante da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar (PARCA)”, em que marcaram presença “todos os elementos da cadeia e onde foi possível reforçar a transparência e os dados partilhados por todos”.

“E houve um primeiro ponto de acordo muito importante: que é a necessidade de haver maior transparência em toda a cadeia, para não andarmos a apontar com maior ou menor injustiça a este ou àquele agente económico”, disse.

Após esta intervenção, Paula Santos criticou o pacote do Governo sobre a habitação, considerando que “não dá resposta aos problemas que aí estão e só beneficiam quem tem especulado com a habitação nos últimos anos”.

Na resposta, o primeiro-ministro disse ficar “um bocado perplexo com a crítica do PCP”, ironizando que as últimas críticas que tem ouvido é que o programa “Mais Habitação” era um “programa comunista”.

“Seguramente era algo que, se o meu pai fosse vivo, teria muito orgulho. Infelizmente, ele não está vivo e provavelmente não tem razões para estar orgulhoso nesse ponto de vista porque vejo que o PCP não acha que seja um programa comunista”, disse.

A coordenadora do BE, Catarina Martins, questionou o primeiro-ministro se a atualização salarial na função pública será com retroativos a janeiro e em que valor, mas António Costa remeteu a proposta do Governo para a negociação com os sindicatos.

“Eu acabei de ouvir o senhor primeiro-ministro dizer que vai rever o acordo [sobre os salários na função pública] e para que isto não seja um anúncio cartaz para debate ver, pergunto-lhe se isso significa aumentos alinhados pela inflação e com retroativos a janeiro”, perguntou Catarina Martins diretamente a António Costa durante o debate com o Governo sobre política geral que decorre esta tarde no parlamento.

Numa primeira resposta, o primeiro-ministro recordou que “o acordo que foi assinado no quadro da função pública pressupunha uma inflação de 7,4%”, mas que essa foi de 7,8% e portanto o Governo entendeu que era o seu “dever chamar os sindicatos e manifestar a sua disposição para atualizar o acordo em função daquilo que foi uma inflação em 2022 superior à que tinha sido prevista”.

Na réplica, a líder do BE disse que não tinha percebido se isso significava “0,4% num acordo que já era muito abaixo da inflação” nem se percebi tinha retroativos a janeiro, insistindo na pergunta: “Vai fazer uma atualização com retroativos a janeiro? Sim e de quanto?”.

“Não levará a mal, mas como deve compreender o direito à negociação coletiva implica o respeito pelos sindicatos e portanto a primeira proposta do Governo será apresentada aos sindicatos. Não leve a mal”, respondeu.

  • Acordo com distribuição e produção alimentar e descida do IVA

O primeiro-ministro anunciou que o seu Governo vai trabalhar com os agentes da cadeia alimentar para garantir uma redução do preço dos bens alimentares, admitindo baixar o IVA.

António Costa salientou que o Governo e os agentes da cadeia alimentar têm o “objetivo comum” de reduzir e “controlar a inflação sobre os bens alimentares”, reconhecendo que o seu valor está “claramente acima daquilo que é a média da inflação a nível nacional e mesmo acima do que acontece em outros países europeus”.

“Vamos trabalhar com o setor para agir sobre preços em diversas dimensões: dimensão ajudas de Estado à produção - para diminuir os custos de produção - e, em segundo lugar, o equilíbrio entre redução da fiscalidade - ou seja, do IVA - e a garantia de que essa redução da fiscalidade se traduz numa redução efetiva e estabilização dos preços”, anunciou o primeiro-ministro, em resposta ao PCP.

Segundo o chefe do executivo, essa redução beneficiaria “efetivamente os consumidores”.

Já em resposta a questões colocadas pela bancada do PSD, que o desafiou a clarificar como é que uma redução do IVA nos bens alimentares não será absorvida antes de chegar ao consumidor (como sucedeu em Espanha), o primeiro-ministro salientou que é este ponto que “está a ser trabalhado com o setor da distribuição”.

“Só faz sentido haver redução do IVA se tal se tiver correspondência do preço”, avisou António Costa, sem adiantar mais detalhes sobre este ponto.

O primeiro-ministro defendeu que uma redução deste imposto teria “um efeito imediato e não diferido”, como considera ser o caso de uma baixa no IRS, defendida pelos sociais-democratas.

“Estamos neste momento a trabalhar numa tripla dimensão que passa efetivamente por um acordo com a distribuição, mas também com a produção, e que se traduza na redução dos preços e estamos disponíveis para contribuir para esse fim com uma redução do IVA”, explicou.

  • Governo a "engordar" com a inflação

Por sua vez, o PSD acusou hoje o Governo de estar a ‘engordar’ com uma receita fiscal recorde devido à inflação, enquanto os portugueses estão “à míngua e a empobrecer”.

No debate sobre política geral no parlamento, o líder parlamentar social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento, disse que no ano passado a receita do IVA subiu 18%, com o primeiro-ministro a responder que esta foi devolvida em mais do dobro do valor em apoios às famílias e empresas.

“Sabe quem mais ganha com a subida dos preços? É o seu Governo”, criticou Miranda Sarmento, acusando ainda o Governo de ter desvalorizado o aumento da inflação durante meses, dizendo que esta era apenas transitória.

O social-democrata deixou um triplo repto ao primeiro-ministro, em matéria de inflação.

“Faça como o Governo francês e chegue a acordo com a distribuição sobre a regulação e formação de preços; segundo, crie apoios financeiros para os trabalhadores e pensionistas mais vulneráveis; terceiro, baixe o IRS no quarto, quinto e sexto escalões de forma a aliviar a classe média”, apelou.

Na resposta, António Costa negou que o seu Governo tenha desvalorizado a inflação, apontando medidas em áreas como os fertilizantes, as rações, a energia e os apoios extraordinários diretos concedidos no ano passado.

“Neste momento, estamos a trabalhar numa tripla dimensão: num acordo com a distribuição e a produção, na dimensão fiscal e, finalmente, no apoio direto a famílias carenciadas para fazerem face ao aumento do custo de vida”, respondeu Costa.

O primeiro-ministro estimou que, em 2022, o Governo tenha cobrado a mais em IVA cerca de dois mil milhões de euros, tendo redistribuído em apoios 5.700 milhões, "mais do dobro da receita esperada".

  • Habitação: cada órgão de soberania tem de “atuar no momento próprio”

Costa afirmou que é “muito importante na política e nas relações entre os órgãos de soberania” que cada um atue “no momento próprio”, defendendo que esta é altura de o Governo “saber ouvir” em matéria de habitação.

O primeiro-ministro foi questionado pelo PSD se estaria disponível para incluir medidas dos sociais-democratas no pacote do Governo ‘Mais Habitação’, considerando que este “falha em quase tudo”, apesar de reconhecer medidas positivas nos licenciamentos e apoios às rendas e créditos à habitação.

“No resto, falha em tudo, já abrimos o melão, já provámos e já percebemos que o melão não é bom. Como disse o senhor Presidente da República, é uma lei-cartaz”, acusou o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento.

Na resposta, o primeiro-ministro assegurou que o Governo saberá “ouvir e decidir”, pedindo que cada coisa seja feita no seu momento.

“Uma coisa muito importante na política e nas relações entre os órgãos de soberania é cada um atuar no momento próprio, neste momento, o nosso tempo é de ouvir para depois podermos decidir”, afirmou António Costa.

Em matéria de habitação, Miranda Sarmento acusou o Governo de, nos últimos sete anos, ter feito “muito 'powerpoint' e muita propaganda, mas não casas para habitar”.

“Os portugueses precisavam de um Governo dos 3C: competência, coerência e credibilidade, tem o Governo dos 3I: incompetência, ideologia e irresponsabilidade”, criticou, questionando em particular a medida que permite o arrendamento forçado de imóveis devolutos dos privados.

“Como quer mandar na casa dos portugueses, quando o Estado tem milhares de imóveis e não é capaz de os transformar em casas para os portugueses?”, questionou.

Miranda Sarmento apelou a que o Governo possa acolher as iniciativas do PSD – e a sua aprovação na generalidade não tenha sido apenas “um ato de cinismo” – e aceite que os juros de habitação possam ser dedutíveis em sede de IRS.

Na resposta, o primeiro-ministro enumerou as políticas do Governo nesta área desde 2015 e avisou o PSD que “ainda não conhece o melão”, forma como foi designado pelo Presidente da República o pacote para a habitação.

“A única coisa que conhece são as medidas que estão em discussão pública”, disse, lembrando que o desenho final das medidas só será aprovado dia 30.

  • Arrendamento coercivo já está previsto e foi promulgado por Cavaco

O primeiro-ministro afirmou que o arrendamento coercivo de casas devolutas já está previsto na legislação atual, incluindo numa lei que foi promulgada pelo antigo Presidente da República Cavaco Silva, a quem chamou o “sábio dos sábios”.

António Costa considerou existir um “discussão talvez excessivamente redutora em relação a um ou outro ponto" do programa "Mais Habitação", sendo “a mais extraordinária de todas” a “grande oposição a medidas que não são propriamente novas, são medidas que já existem”.

Em resposta ao líder do Chega, António Costa afirmou que “há muitos anos que o regime geral de urbanização e de edificação prevê a posse administrativa para efeitos de reabilitação e até o arrendamento forçado”.

“E mais recentemente, numa lei de 2014, a lei número 31/2014, que é a lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e do urbanismo, por exemplo no artigo 36, número um, que está em vigor e que nunca ninguém, que eu saiba, suscitou a fiscalização da sua constitucionalidade, mas quem o pode fazer está sempre a tempo de o fazer, diz o seguinte: os edifícios e as frações autónomas objeto de ação de reabilitação podem ser sujeitos a arrendamento forçado nos casos e nos termos previstos na lei”, precisou.

O líder do executivo salientou que “este diploma de 2014 foi assinado não por três marxistas ignorantes, mas por três pessoas sábias” e “nenhuma delas marxista”.

“Foi assinado em primeiro lugar pela presidente da Assembleia da República de então, a senhora doutora Maria Assunção Esteves, uma pessoa sábia e duvido que marxista, foi promulgado pelo professor doutor Aníbal António Cavaco Silva, sábio dos sábios, e que eu creio que seria uma enorme injustiça dar-lhe qualquer veleidade de marxista, e finalmente foi referendado pelo não menos sábio doutor Pedro Passos Coelho, que seguramente não é marxista”, salientou.

O primeiro-ministro argumentou que “a previsão de haver arrendamento forçado não é propriamente uma novidade, é algo que já existe na lei” e referiu mesmo que, “de todo o pacote, é o que tem menos novidade”, apontando que no “Programa Mais Habitação” “há muitas medidas com muita novidade”.

Na sua intervenção, o líder do Chega questionou António Costa se vai reformular este programa “para dar harmonia com as normas constitucionais” e “ir ao encontro do que disse o Presidente da República”, e ainda “se vai ou não deixar cair o arrendamento coercivo das habitações”.

André Ventura insistiu que o “Programa Mais Habitação” “só traz propaganda, ideologia e nada mais” e defendeu a demissão da ministra da Habitação, Marina Gonçalves.

“Se fosse ministro, escondia-me numa toca de coelho e não aparecia mais”, sublinhou.

No sábado, Cavaco Silva considerou que a crise na habitação “é resultado do falhanço” da política do Governo", manifestando “muitas dúvidas” quanto ao sucesso do pacote do executivo, que tem um “problema de credibilidade”.

Para o antigo chefe de Estado, "face a este conflito de direitos - direito de habitação e direito de propriedade - os marxistas ignorantes das regras da economia de mercado que vigora na União Europeia" dirão "que se proceda à coletivização da propriedade urbana privada".

"Deixemo-los em paz com a sua ignorância", disse apenas.

  • TAP: Estado tem de manter posição de “reserva estratégica pública” na empresa 

O primeiro-ministro afirmou que o Estado terá de manter uma posição de “reserva estratégica pública” na TAP quando esta for privatizada, admitindo que esta poderá ser maior ou menor dependendo “do sócio”.

No debate, António Costa foi acusado pelo PSD de ter mudado a sua posição “em 180 graus” sobre a transportadora aérea e de querer agora reprivatizar a companhia.

Na resposta, o primeiro-ministro negou qualquer mudança de posição e assegurou que o Estado sempre teve a intenção de reprivatizar a companhia.

"A TAP será aquilo que deve ser", frisou, clarificando que o Estado irá "manter uma reserva estratégica pública”, sendo a empresa reprivatizada “na medida do estritamente necessário”.

O primeiro-ministro defendeu que o Estado deve ter uma posição na transportadora aérea “não para gerir a TAP no dia-a-dia, mas para assegurar os objetivos estratégicos para o país”.

“Assegurar a continuidade territorial com as Regiões Autónomas, a nossa relação com a diáspora e que Portugal se mantém como ‘hub’ estratégico para a América do Sul, Brasil e preferencialmente para a América do Norte”, enumerou.

Para tal, defendeu, “é fundamental o Estado estar no capital da TAP”. “Se temos de estar menos ou se temos de estar mais, isso depende de quem for o outro sócio”, acrescentou.

  • A necessidade de "descer à realidade"

A Iniciativa Liberal criticou hoje o Governo em áreas como os transportes, saúde e habitação, apelando ao primeiro-ministro que “desça à realidade”, com António Costa a apontar para as dificuldades impostas pela conjuntura internacional.

Olíder da IL, Rui Rocha, desafiou o primeiro-ministro a imaginar várias dificuldades do dia-a-dia de um português, desde a inflação a greves nos transportes públicos ou no acesso à Justiça, concluindo várias vezes que “assim não dá”.

“Milhões de portugueses já chegaram à conclusão de que assim não dá, e muitos votaram em si. Até o seu aliado desde o primeiro dia, o senhor Presidente da República, já concluiu que assim não dá”, argumentou, numa referência a críticas de Marcelo Rebelo de Sousa às medidas do Governo para a habitação.

O primeiro-ministro reconheceu a “situação gravíssima” do país, mas sublinhou as dificuldades relacionadas com a conjuntura internacional.

“Todos temos bem consciência da situação gravíssima que estamos a enfrentar, com causas que nós dificilmente temos controlo. Porque dificilmente temos controlo sobre a disponibilidade para a paz do senhor [Vladimir] Putin, porque dificilmente controlamos os aumentos nos mercados internacionais de alguns bens base fundamentais para a produção de todos os outros e, portanto, é muito difícil gerir esta situação”, argumentou.

Rui Rocha – que confrontou pela primeira vez António Costa num debate parlamentar depois de ter sido eleito presidente da Iniciativa Liberal – criticou o executivo por ter terminado com algumas parcerias público-privadas na saúde.

O liberal perguntou ao primeiro-ministro se iria reverter esta “decisão ideológica”.

António Costa negou qualquer “tabu ideológico” e sustentou que o Governo fez uma “avaliação objetiva” destas parceiras, tendo renovado as que “foram positivas” e dando como exemplo a de Cascais.

“Não renovámos as outras porque os privados não quiseram renovar nos termos em que a avaliação tinha sido positiva”, justificou.

O governante deixou ainda uma crítica à direita quanto à acusação da ideologia.

“Uma das coisas engraçadas da direita portuguesa é que tem a mania que só a esquerda é que tem ideologia e complexos ideológicos, como se não fosse precisamente a diferente ideologia que faz com que os senhores sejam de direita e eu seja de esquerda”, argumentou.

  • "Toda a receita extraordinária" decorrente da inflação será redistribuída

O primeiro-ministro garantiu hoje que toda a receita extraordinária que decorreu da inflação” será redistribuída aos portugueses, reiterando que, caso os resultados da execução orçamental de 2022 sejam positivos, o Governo irá aprovar novos apoios sociais.

António Costa salientou que, esta semana, os resultados oficiais sobre execução orçamental de 2022 deverão confirmar o “crescimento da economia que foi feito” e a “boa gestão” das contas públicas.

O primeiro-ministro voltou a referir que, caso esses resultados se confirmem, o Conselho de Ministros da próxima quinta-feira poderá “enunciar um programa” em que irão constar “apoios de natureza social, intervenção na área dos preços, em parceria com a distribuição e com a produção, e, em terceiro lugar, a dimensão de valorização salarial” no que se refere aos rendimentos da função pública”.

“Portanto, o compromisso que assumimos e que mantemos é que toda a receita extraordinária que decorreu da inflação é redistribuída aos portugueses. Foi assim que fizemos em 2022, é assim que faremos também em 2023”, afirmou.

António Costa respondia ao deputado único do Livre, Rui Tavares, que, na sua intervenção, salientou que o Conselho das Finanças Públicas prevê que o défice de 2022 possa ficar em 0,5%, um ponto percentual abaixo dos 1,5% previstos pelo ministro das Finanças, Fernando Medina.

O deputado do Livre perguntou assim ao primeiro-ministro se, caso o défice seja efetivamente de 0,5%, o Governo está disposto a guardar pelo menos “meio ponto percentual” para atualizar as pensões de acordo com a lei e efetuar um aumento extraordinário do abono de família.

Na resposta, António Costa recordou que, quando o seu Governo entrou em funções em 2016, existia uma “ortodoxia europeia em matéria financeira” que reagiu com “enorme preocupação” às reorientações políticas que estavam a decorrer em Portugal.

Dirigindo-se assim a Rui Tavares, o chefe do executivo disse saber que o deputado do Livre “partilha da esquerda” que considera que se pode permanecer na União Europeia criando uma “margem necessária para ter boas políticas sociais que reforcem o Estado social, invistam na inovação e permitam o crescimento sustentado e sustentável” da economia.

“De 2016 até agora desiludimos sucessivos pessimistas que viam primeiro o diabo, depois o falhanço das metas, e depois a estagnação. Nada disso aconteceu ao longo destes anos e temos conseguido alcançar isto porque conseguimos sempre compatibilizar uma gestão rigorosa das finanças públicas com a devida ambição e responsabilidade social”, disse.

  • Costa não quer dançar a dança das tricas institucionais

O primeiro-ministro afirmou hoje que recusa o desafio para o seu Governo dançar a dança das tricas institucionais e considerou que, na atual conjuntura internacional, seria uma irresponsabilidade ir no engodo da desestabilização social.

Estes recados foram transmitidos por António Costa na parte final da sua resposta ao líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, ainda durante a primeira ronda do debate sobre política geral.

Na, sua intervenção, o líder do executivo procurou colocar em contraste “o nervosismo” e a “ânsia” das oposições com uma alegada atitude de serenidade por parte da sua equipa governativa face a uma conjuntura internacional difícil.

Mas António Costa foi mais longe na sua mensagem em “defesa da estabilidade” em Portugal e disse o seguinte:

“Vamos continuar a trabalhar com serenidade, com determinação e cumprindo ponto a ponto o que está plasmado no Programa do Governo. Vamos continuar a cumprir por maior que seja a vozearia aqui [no parlamento] de algumas bancadas ou quem nos queira desafiar para tricas institucionais, que manifestamente não é a dança que queremos dançar”, declarou.

  • Situação na educação "está descontrolada"

O presidente do Chega considerou que a situação na educação "está descontrolada" e voltou a defender que o primeiro-ministro deve liderar as negociações com os professores, com António Costa a destacar "mecanismos de aceleração de carreiras".

"A situação continua descontrolada, continuamos a ter greves intermináveis, temos marchas lentas, protestos à porta da Assembleia da República e, perdoem-me a franqueza, temos um ministro da Educação que é absolutamente incompetente para gerir esta crise", afirmou André Ventura no debate.

O líder do Chega considerou que "os professores querem medidas concretas, querem saber onde e como é que podem reduzir a burocracia do seu trabalho, recuperar o seu tempo de serviço e aceder sobretudo ao quinto e ao sétimo escalão".

O executivo tem "um ministro da Educação que não está a negociar, está a fingir que negoceia", criticou, defendendo que "é tempo de o senhor primeiro-ministro assumir as negociações e assumir a responsabilidade do Governo nestas negociações".

Ventura referiu igualmente que são precisos "331 milhões de euros por ano para recuperar o tempo de serviço dos professores" e afirmou que são gastos "400 milhões por ano em rendimentos sociais de inserção", lamentando que o Governo não dê "aos professores a dignidade que eles merecem nas suas carreiras", o que "não é uma prenda, é justiça pelo sacrifício que fizeram".

Na resposta, o primeiro-ministro indicou que hoje mesmo o Governo propôs "aos sindicatos um novo passo em duas matérias fundamentais", uma das quais "assegurar que a monodocência, ou seja, educadores de infância e professores do primeiro ciclo tenham um regime de redução de horário em função da idade que seja compatível para aquilo que acontece para os outros docentes".

"Nós temos consciência que os dois períodos de congelamento, no total de nove anos, seis meses e 42 dias, teve um impacto muito diverso na situação em que estavam os diferentes professores", indicou António Costa, referindo que desde que a carreira dos professores foi descongelada "já 98% dos professores progrediram um escalão e 90% progrediram mesmo dois escalões", havendo atualmente "16% dos professores no 10.º escalão, ou seja, o último".

"Contudo, aqueles que foram atingidos pelo congelamento na fase muito precoce da carreira tiveram um efeito assimétrico e criámos um mecanismo de aceleração da progressão na carreira por duas vias. Primeiro, para estes não há quotas para progredir para o quinto e para o sétimo escalão, segundo é contado o tempo em que estiveram à espera para preencher as quotas no quinto e no sétimo escalão e os que já passaram para o sexto ou escalões superiores ao sétimo é-lhes contabilizado também o tempo em que estiveram retidos por não preencherem as quotas", elencou.

O chefe de Governo destacou que "são dois mecanismos de aceleração de carreiras muito importantes para quem teve esse período de congelamento".

Também no debate, o líder do Chega voltou a considerar também que o Governo está "altamente fragilizado" na sequência das polémicas conhecidas nas últimas semanas, e afirmou mesmo que "isto já não é um Governo, é um balão tóxico sobre os portugueses, de falta de credibilidade, de acumular de suspeitas e de falta de bom senso político".

André Ventura - que se apresentou como "líder da oposição" - considerou que "o caso do ministro João Cravinho é particularmente grave", elencando notícias sobre a carta de condução do governante e a questão das obras do antigo Hospital Militar de Belém, e voltou a questionar o primeiro-ministro se mantém a confiança no ministro dos Negócios Estrangeiros.

Neste ponto, António Costa acusou Ventura de “falta de imaginação” por fazer “sempre a mesma pergunta” e garantiu que se o ministro “se mantém em funções” é porque tem a sua confiança.

Na réplica, Ventura afirmou que “quem avisa, seu amigo é”, o que levou o primeiro-ministro a referir que os dois têm "uma função" mas não são amigos.

O líder do Chega insistiu ainda numa questão que já tinha sido colocada pelo líder parlamentar do PSD, se a crise no Credit Suisse vai ter consequências a nível nacional, mas o primeiro-ministro não respondeu.