Esta posição do executivo foi transmitida por António Costa no final de uma audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, que durou 50 minutos, em vez dos 30 minutos inicialmente previstos.
"O Governo apresentou ao Presidente da República a proposta de que seja declarado o estado de emergência com uma natureza essencialmente preventiva para poder eliminar dúvidas jurídicas quanto a quatro dimensões fundamentais", declarou o primeiro-ministro.
António Costa afirmou que não pode haver dúvidas sobre "a possibilidade de o Governo impor limitações à liberdade de deslocação, sempre que justificado, entre diferentes áreas do território, em certos períodos do dia ou em certos períodos da semana".
"Ainda no sábado, o Supremo Tribunal Administrativo rejeitou duas providências cautelares que tinham sido suscitadas. É importante que haja um robustecimento jurídico dessa capacidade do Governo, visto que, tratando-se de uma pandemia, em que o essencial é evitar contactos entre pessoas e impedir aglomerações, o recurso à limitação da liberdade de deslocação será frequente", justificou.
Perante os jornalistas, o primeiro-ministro disse que o seu executivo pretende também eliminar dúvidas "sobre a legitimidade para se imporem medidas de controlo da temperatura, seja no acesso a locais de trabalho, seja no acesso a locais públicos".
"O controlo de temperatura, não sendo um elemento determinante da avaliação de risco, é um fator complementar e pode ser útil para a avaliação de risco", defendeu.
Também de acordo com António Costa, a proposta de estado de emergência também visa "robustecer" a ação do executivo para que, eventualmente, se possa proceder à utilização de recursos e meios de saúde, seja no setor privado, seja no setor social".
"A lei já o prevê, mas nada como esclarecer. Neste caso concreto não há as limitações que resultam da Lei de Bases da Saúde à contratualização e não há qualquer limitação constitucional em relação à requisição. Podemos ter um quadro flexível que permita o diálogo e a utilização dos meios sempre que eles sejam necessários", declarou.
Ainda segundo o líder do executivo, com a proposta de estado de emergência, "não pode haver dúvidas de que se podem mobilizar recursos humanos, seja no setor público ou no privado, designadamente elementos das Forças Armadas, ou servidores públicos que, não estando infetados ou impossibilitados de trabalhar, se encontram em situação de recolhimento por integrarem setores de risco, mas que podem ser devidamente utilizados".
Esses trabalhadores, na perspetiva do Governo, podem reforçar o esforço extraordinário ao nível de equipas de saúde pública, ou equipas de medicina geral e familiar e de saúde comunitária dos cuidados de saúde primários, ou, ainda, no rastreamento de casos positivos de covid-19 e de contactos de risco".
"Podem ainda ser devidamente utilizados no acompanhamento de pessoas que se encontram em situação de confinamento. Obviamente que este tipo de contactos tem de ter sempre a supervisão de profissionais de saúde e tem de obedecer sempre a um inquérito definido pelas autoridades de saúde. Há decisões que só os profissionais de saúde, em particular os médicos podem tomar", alegou ainda o primeiro-ministro.
Ou seja, para António Costa, "é importante clarificar que estes contactos podem ser feitos por pessoas que não sejam profissionais de saúde e, por outro lado, é preciso clarificar que o Estado pode, em circunstâncias excecionais, alterar o conteúdo funcional daquilo que são as obrigações profissionais dos seus servidores".
"Por um trabalhador ser diabético, ou por ter outras condições de risco, pode estar impossibilitado de estar na atividade profissional normal. Mas não estão impossibilitados de trabalhar totalmente", acrescentou.
Segundo António Costa, o pedido de estado de emergência, de "natureza preventiva", deve ter "um período bastante superior aos 15 dias que a Constituição limita e, à partida, deve ser assumido como devendo ser periodicamente renovado", de forma a que seja possível "continuar a combater a pandemia".
O primeiro-ministro frisou ainda que ao longo do mês de novembro a pandemia deve agravar, destacando o maior número de novos casos e de pessoas internadas. Costa referiu ainda que "seguramente teremos a lamentar um maior número de perdas de vidas do que nos meses anteriores e durante a primeira vaga".
"É um momento crítico e a declaração do estado de emergência terá também esse efeito de reforçar a consciência cívica da emergência sanitária que efetivamente estamos a enfrentar", referiu.
António Costa lembrou ainda que "a iniciativa da declaração do estado de emergência" é do presidente da República e que é a Assembleia da República "que tem de autorizar os termos do estado de emergência".
Desta forma, "a proposta que o governo faz é que haja um estado de emergência que tenha um conteúdo limitado e uma extensão maior".
António Costa adiantou ainda que, com o avançar da pandemia, começa a haver menos consenso relativamente às medidas necessárias, quando estas são mais duras. Há "aqueles que acham que são necessárias medidas ainda mais duras e há os que acham que é preciso medidas menos duras", pelo que é preciso "encontrar o ponto de equilíbrio entre todos e fazer o esforço de unidade nesse sentido", acentuou.
No que diz respeito às posições dos partidos, o primeiro-ministro referiu que foram verificadas "divergências quanto a uma medida em particular, o chamado recolher obrigatório", mas não houve uma "oposição generalizada à declaração do estado de emergência".
António Costa foi ainda questionado se o Governo estava a ponderar uma alteração da lei que institui um sistema de vigilância de saúde pública ou outra iniciativa legislativa para, a prazo, poder adotar medidas de resposta à covid-19 sem recurso ao estado de emergência.
"Com o senhor Presidente da República temos abordado essa questão e temos convergido, aliás, no entendimento, que julgo partilhado pela generalidade dos partidos políticos, de que devemos aguardar pelo final da pandemia para fazer uma avaliação do conjunto do quadro constitucional e legal de exceção, das exceções constitucionais e legais", respondeu o primeiro-ministro.
Segundo António Costa, para já, os decisores políticos devem "trabalhar com as ferramentas jurídicas que já existem".
"E depois, chegados ao fim, com toda a serenidade, fazer uma reavaliação do conjunto destas matérias, que pode exigir não só alterações nessa lei, como na Lei de Bases da Proteção civil, como até quem sabe na própria Constituição. Portanto, deixemos terminar a pandemia para depois tratarmos do quadro legislativo", acrescentou.
António Costa disse que esta é a primeira geração a "aplicar um quadro constitucional que foi definido nos anos 70 e um quadro legal que tem vindo a ser definido para circunstâncias em que nunca foi antecipada uma pandemia com esta dimensão".
No seu entender, "até agora tudo tem decorrido sem que grandes crises de legalidade tenham sido suscitadas" e também "sem que nada de decisivo tenha sido impossível de fazer por limitação da Constituição ou da lei".
"Nem me parece que haja um sentimento generalizado de violência sobre os direitos, liberdades e garantias para além daquilo que é necessário, adequado e proporcional. Há dúvidas muitas vezes sobre as competências orgânicas, se pode ser o Governo a fazer ou tem de ser feito pela Assembleia da República, se se pode fazer no quadro do estado de emergência ou basta o estado de calamidade. Essas dúvidas têm existido e ficariam esclarecidas com a declaração do estado de emergência", considerou.
O primeiro-ministro defendeu que "mandam as boas regras que avaliações de regimes legais críticos não sejam feitas a quente, em pleno momento de pandemia", e que se deve "aguardar com serenidade e bom senso" pelo fim deste período.
"Concentremo-nos agora no essencial, que é controlar a pandemia, evitar os contágios", apelou.
(Notícia atualizada às 14h23)
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