É preciso “dar a nacionalidade às pessoas que nasceram no território português e que, para todos os efeitos, não têm nenhuma ligação com Cabo Verde”, defende, em declarações à Lusa, o presidente da Associação Cabo-Verdiana em Lisboa, Mário de Carvalho, e é esse o voto que deixa ao primeiro-ministro português e ao seu homólogo, Ulisses Correia da Silva – que se reúnem na próxima segunda-feira na cidade da Praia.
Iolanda Lopes da Veiga tem 40 anos, é filha de pais cabo-verdianos, nascida em Portugal, e tem dupla nacionalidade. “Nasci em Portugal, sou portuguesa, sou cabo-verdiana, há alturas em que digo que sou de Cabo Verde, outras em que digo que sou portuguesa. Para mim é indiferente”, sublinha.
“Falta que os políticos vejam uma forma de a lei da imigração prever que as crianças que nascem em Portugal sejam portuguesas. Não percebo porque não o são. E julgo que isto passa por um entendimento político”, acrescenta esta licenciada em direito, formadora na área da saúde, que se reclama filha de um misto de duas culturas fortemente integradas.
“Vejo os cabo-verdianos em Portugal integrados, de forma geral, com um modo de vida igual ao meu. Apesar de serem imigrantes, conseguiram entrar na faculdade, têm bons empregos. Além disso, somos povos próximos”, afirma Iolanda Lopes da Veiga.
O ambiente encontrado às terças e quintas-feiras à hora do almoço na associação, na Rua Duque de Palmela, em Lisboa, ilustra a qualidade dessa integração e da relação da comunidade cabo-verdiana com Portugal.
O espaço da Associação Cabo-Verdiana em Lisboa todos os dias serve cachupa, frango no forno ou arroz de polvo, mas àqueles dias junta-se a música ao vivo e a lotação da sala esgota rapidamente.
Zézé Barbosa nasceu na Ribeira da Barca, Santiago, e está em Portugal desde os anos 1980, década em que a antiga sala do Ritz Clube, junto aos Restauradores, em Lisboa, se enchia, semana após semana, para o ouvir tocar e cantar ao lado de um conjunto de músicos memorável.
Hoje é o “one man show” na associação e garante que não sente diferenças em relação à forma como o público português continua a acolher a música cabo-verdiana. “É muito bom fazer música de Cabo Verde em Portugal. Sinto-me como se estivesse em Cabo Verde, porque o povo português sente a nossa música e valoriza-a”, diz.
O sentimento dos portugueses em relação a Cabo Verde é recíproco. “Adoro Cabo Verde”, exclama Jorge Brito Pereira. “Já fui muitas vezes a Cabo Verde. Não houve uma vez que aí fosse e não tivesse adorado. Acho que é o país que tem as melhores pessoas do mundo e por isso tenho uma paixão muito grande por Cabo Verde”, acrescenta o advogado português de 49 anos.
“Acho que é uma das comunidades que têm uma melhor integração em Portugal. A vaga da imigração cabo-verdiana para Portugal já tem várias décadas e hoje acho que tem um nível de integração invejável para qualquer outra comunidade”, diz ainda Brito Pereira, enquanto espera que lhe seja servida a cachupa que o fez revisitar o espaço da associação.
Filipe Nascimento tem 27 anos, também ele se formou em direito, e está a fazer o estágio da Ordem dos Advogados. É filho de cabo-verdianos, mas nasceu em São Tomé. Vive em Portugal há dez anos e diz que foi bem acolhido: “Acho que não conseguiria sentir-me tão bem em qualquer outro país como me tenho sentido em Portugal”.
O sonho de regressar
Aqui, porém, sente que tem menos hipóteses de sucesso profissional do que em Cabo Verde, que vê “como um dos principais destinos” do seu futuro. “Cabo Verde é o país onde vejo que há uma maior margem de progressão, se eventualmente puder regressar”, afirma.
Regressar é também o sonho de Carmen Gonçalves. Aos 40 anos, é licenciada e quer fazer um mestrado em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa para depois voltar ao seu país, de onde saiu há 17 anos.
“Tenho pesado muito os prós e contras desse regresso, mas é o que mais quero. É engraçado que há 17 anos o que mais queria era sair de Cabo Verde. Agora, parece que já me desiludi completamente. Eu sou muito grata pelo que consegui em Portugal, conseguiu trazer as minhas filhas, consegui a nacionalidade, consegui a licenciatura, mas a nível financeiro não consegui [o que queria]”, confessa.
Carmen tem um “part-time” de três horas numa firma de limpeza e trabalha num ginásio. Pede aos chefes dos dois governos “que apostem numa forma de os cabo-verdianos em Portugal, muitos já formados, deixarem de ter trabalhos precários”. “Sei que não é só um problema meu, que há muitos portugueses com formação superior que sentem os mesmos problemas”, diz.
Mas os imigrantes, na opinião de Carmen, têm a vida ainda mais dificultada. É verdade “que a comunidade cabo-verdiana não é totalmente excluída. Penso que a nível cultural nos relacionamos bem, mas a nível do mercado de trabalho continuamos em guetos, ainda não sinto essa inclusão”.
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