"Bem, se há um tipo que me rouba a carteira na rua, não aprecio nada. Ainda por cima, quando depois se vira para trás, ri-se e devolve-me os documentos - como se fosse um gajo porreiro -, mas fica com o dinheiro", é assim que o presidente da maior associação de proprietários no país, resume o programa Mais Habitação ao SAPO24.
António Frias Marques compara Portugal a países da Europa Ocidental cujos governos já resolveram os problemas da habitação no pós-guerra, construindo casas e "fazendo um parque habitacional público". O Governo português, seguindo o exemplo, disse que ia aumentar entre 2% e 5%. Mas como a "cada dia diz a sua coisa", entretanto "olhou à volta e pensou: então e se em vez de fazer casas, ficássemos com as casas dos outros?".
Segundo António Frias Marques, "isto não é forma de governar". "A propriedade é um pilar da sociedade, independentemente do regime político. Não pode ser 'Tem uma casa devoluta? Então dê cá', ou o próximo passo é 'Tem dois quartos vazios? Tem de arrendar'".
Lembrou que o Governo já "tentou fazer isto em 2007 ou 2008 e também não resultou". O decreto-lei nº280/2007 impôs a necessidade de "inventariação completa dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e dos imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos". Mais de uma década se passou e a inventariação ainda não existe.
Como tal, para o presidente da associação é evidente que não vão conseguir aplicar a nível nacional, uma política que nem conseguiram em Lisboa. Acusa o Governo de estar a atirar "areia para os olhos das pessoas", ora enervando, ora iludindo.
Essa ilusão começa pelos proprietários. "É preciso criar um inimigo - que neste caso é o senhorio, o proprietário - para a população ficar satisfeita. A técnica é pôr uns contra os outros", defende António Frias Marques. As casas não estão devolutas por falta de vontade, mas de dinheiro.
Para uma família habitar numa casa cujo contrato foi feito antes do 25 de abril, e que agora termina, são necessárias intervenções, desde cozinhas, casas de banho e instalações de água e de esgoto novas, a uma instalação elétrica e relatório de risco sísmico. "Para fazer a recuperação duma casa destas, de 100 metros quadrados, são 40 mil euros. E não há este dinheiro, por isso é que há muitas casas devolutas".
Problema diagnosticado, avança com uma solução: "fazer um caderno de encargos com aquilo que é preciso fazer na casa. Custa 40 mil euros? O Estado dá 50% a fundo perdido. A outra metade o proprietário paga, recorrendo a um empréstimo com juros bonificados e ficando com a obrigação de arrendar a casa durante os dez anos de pagamento do empréstimo. É uma solução em que ficamos todos bem".
Mas para isso é preciso ação, e o Governo português é "impotente". Por que razão as medidas se viram contra os proprietários privados, se a Câmara de Lisboa é a maior proprietária da cidade?, questiona. "Tinha, no final de 2020, cerca de 24 mil casas", explicou ao SAPO24. Inclusivamente, das 47 mil habitações devolutas, muitas (cerca de 5 mil) são sua propriedade, disse na audição onde esteve presente por requerimento do Chega.
A falta de ação que critica nos municípios ao acusar as Câmaras de só servirem para cobrar impostos, é exemplificada por inquilinos que não pagam rendas e a quem não acontece nada "por motivos políticos e de popularidade". Considera um atrevimento os vereadores que nada fizeram sobre as casas indevidamente ocupadas, enquanto existiam concursos. "Se entregamos isto a um funcionário da Câmara, que mete lá os amigos ou uma destas famílias desestruturadas, é evidente que temos o caldo entornado".
"Se se colocasse na casa ao lado, em cima ou ao pé deles uma destas famílias desestruturadas, perdiam logo as peneiras". É sem hesitação que conclui: "usar à balda a casa dos outros é muito engraçado, mas quando a pimenta lhes toca a eles, já não acham graça nenhuma". Até porque "sabe-se perfeitamente que cada bairro, cada local, tem as suas caraterísticas. E quando decidimos ir morar para um sítio, até as pessoas que lá estão contam".
No que concerne à ação do governo, aponta a falta de coragem. "Com os bancos eles não se metem, o Costa aí não manda nada, pode dizer umas balelas, mas não manda nada”. "E no resto também não manda nada, porque uma coisa é o anúncio destas medidas, outra coisa é a sociedade começar a mexer-se”.
O programa do governo está em discussão pública até dia 10 março, sendo apresentado o projecto final da habitação no dia 16. A Associação Nacional de Proprietários vai "preparar uma série de medidas" para enviar até dia 16 de março, embora já tenham tomado "uma posição no Parlamento".
*Entrevista pela jornalista Isabel Tavares. Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.
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