
Este é o testemunho do Monsenhor Manuel Saturino da Costa Gomes:
RECORDANDO O PAPA FRANCISCO…
Nascimento: 17 de dezembro de 1936, Buenos Aires, Argentina
Início do Pontificado: 13 de março de 2013
Falecimento: 21 abril de 2025, Cidade do Vaticano
Naquele final de tarde, de 13 de março de 2013, com alguma chuva, eu estava na Praça de S. Pedro, esperando a notícia da eleição do novo Papa. Estive lá algumas horas, e ao lado de mim encontravam-se alguns jovens portugueses, e uma jornalista da Rádio Renascença, cujo nome não me lembro.
E eis que o protodiácono anunciou a grande alegria: Gaudium magnum nuntio vobis: Habemus Papam. E logo a referência ao seu nome, e o aparecimento no balcão central da Basílica de São Pedro. E as suas primeiras palavras foram: “Irmãos e irmãs, boa-noite! Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo… Eis-me aqui! Agradeço-vos o acolhimento: a comunidade diocesana de Roma tem o seu Bispo. Obrigado! E, antes de mais nada, quero fazer uma oração pelo nosso Bispo emérito Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde. (…). E agora quero dar a Bênção, mas antes… antes, peço-vos um favor: antes de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim; é a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu Bispo. Façamos em silêncio esta oração vossa por mim”.
E assim começou uma nova etapa do Papado, porque cada Romano Pontífice tem o seu estilo de governar, na fidelidade à doutrina e à Tradição da Igreja. Sem pretender fazer uma avaliação do Pontificado do Papa argentino, limito-me a elencar alguns pontos, com a convicção de que mais adiante será possível descrever com mais abrangência o seu governo na vida da Igreja.
O abaixo-assinado, nomeado pelo Papa Francisco em 21 de janeiro de 2014, Prelado Auditor do Tribunal Apostólico da Rota Romana, presta-lhe homenagem e dá graças a Deus pelo seu intenso e fecundo ministério petrino.
1. Bispo de Roma
O Colégio dos Cardeais, com menos de 80 anos, elegem o sucessor de Pedro. Esta é a função principal deste Colégio, com tradição multisecular. Em primeiro lugar, ele é Bispo de Roma, tornando-se também Pastor da Igreja universal. Os Cardeais podem escolher alguém que não esteja presente no Conclave, por exemplo um Bispo, um sacerdote. Neste último caso, ele deve ser consagrado Bispo imediatamente, e só depois é apresentando “urbi et orbi”.
O Papa eleito, torna-se além de Bispo de Roma, e Pastor da Igreja universal, Chefe do Estado da Cidade do Vaticano. O “Annuario Pontificio”, que se publica anualmente no Vaticano, menciona os seus diversos títulos: “Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Patriarca do Ocidente, Primaz de Itália, Arcebispo e Metropolita da Província Romana, Sobrano do Estado da Cidade do Vaticano, Servo dos Servos de Deus”.
Visto que ele não tem disponibilidade para governar sozinho, o Romano Pontífice serve-se do apoio de algumas estruturas. Por exemplo, o Papa nomeia um Vigário geral para a Diocese de Roma, que é sempre Cardeal. Com poder vigário, ele governa a diocese, coadjuvado por alguns Bispos auxiliares, com organismos semelhantes aos existentes nas outras Dioceses. A cúria diocesana funciona no Palácio Lateranense, junto à Basílica de São João de Latrão.
Para a Igreja universal, o Papa conta com o apoio da Cúria Romana, que age de acordo com a Constituição Apostolica “Praedicate Evangelium”, de 19 de março de 2022.
Para a Cidade do Vaticano, do ponto de vista pastoral, o Papa nomeia um seu Vigário geral, que é Cardeal. Ele é também Arcipreste da Basílica de S.Pedro e presidente da Fábrica de S. Pedro.
O Estado da Cidade do Vaticano, tem uma estrutura própria, o chamado “Governatorato”, habitualmente com um Cardeal Presidente, e uma Comissão pontifícia. Desde fevereiro 2025, o Papa rompeu com a tradição, e nomeou uma freira para Presidente, religiosa essa que ocupava o oficio de Secretaria geral.
Como veem, não é fácil a um Bispo que vem de uma diocese inculturar-se imediatamente nestas múltiplas funções.
Nestes organismos trabalham Cardeais, Bispos, sacerdotes, consagrados e consagradas, leigos e leigas.
2. Legislação aplicável
A Igreja latina é regida pelo Codex Iuris Canonici, promulgado a 25 de janeiro de 1983, por São Joao Paulo II. Já foi alterado pelos Papas sucessivos, em algumas partes.
As Igrejas Católicas Orientais são regidas pelo Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, promulgado a 18 de outubro de 1990, por São Joao Paulo II. Já foi alterado também pelos Papas sucessivos.
O Estado da Cidade do Vaticano tem a sua especificidade própria: legislação, instituições e respetivos responsáveis. As leis principais são sempre promulgadas pelo Romano Pontífice. Tudo pode ser consultado em: https://www.vaticanstate.va/
3. Apostolica Sedes Vacans
Com o falecimento do Papa Francisco, a Sé Apostólica torna-se vacante. Reza o cânone 335 do Código de Direito Canónico: "Durante a vagatura ou total impedimento da Sé romana, nada se inove no governo da Igreja universal; observem-se as leis especiais formuladas para tais circunstâncias" .
O Colégio dos Cardeais reúne-se regularmente na Cidade do Vaticano para tomar algumas decisões sobre a o funeral do Romano Pontífice e a preparação do Conclave, que elegerá o Sucessor de Pedro. São as Congregações gerais. O Cardeal Camerlengo, tem uma função importante durante o período da Sé Vacante, como tivemos oportunidade de ver e ouvir nestes dias. O atual camerlengo é o Cardeal Kevin Joseph Farrell, nomeado para o cargo em 2029, pelo Defunto Papa. Até há pouco tempo era Prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Os Cardeais ocupam-se da gestão dos assuntos correntes e não podem tomar decisões relevantes, por exemplo, nomeação de Bispos. O Secretário de Estado e os Prefeitos dos Dicastérios cessam imediatamente as suas funções. Continuam a cumprir o seu mandato o Substituto para os Assuntos gerais da Secretaria de Estado, o Secretário para as Relações com os Estados, o Penitenciário-Maior, o Tribunal da Rota Romana. O novo Papa confirmará ou não os titulares dos cargos da Cúria romana e do Estado da Cidade do Vaticano.
A Constituição Apostolica “Universi Domini Gregis", promulgada pelo Papa São João Paulo II, acerca da Vacância da Sé Apostólica e da Eleição do Romano Pontífice, a 22 de fevereiro de 1996, está em vigor e está a ser cumprida. No Pontificado do Papa Bento XVI, houve algumas pequenas alterações: Motu Proprio de 11 de junho de 2007 e Motu Proprio de 22 de fevereiro de 2013. O texto completo do documento está disponível em: Universi Dominici Gregis (22 de fevereiro de 1996) | João Paulo II
4. Um Pontificado fecundo
Várias reformas e acontecimentos marcaram o Pontificado do Papa argentino: viagens apostólicas dentro e fora de Itália, convocação de Consistórios para a criação de novos Cardeais, alterações ao Código de Direito Canónico, combate aos abusos sexuais por membros da Igreja Católica, através de legislação pertinente, realização de Sínodos dos Bispos a nível universal, defesa intransigente e apaixonada dos mais desfavorecidos e dos emigrantes, proximidade com as pessoas, transparência quanto a diversos assuntos internos da Igreja, do Vaticano e da Cúria romana, sinodalidade, publicação de encíclicas e outros documentos sobre anúncio do Evangelho no mundo atual (orientações sobre o seu pontificado), ecologia, devoção ao Sagrado Coração de Jesus, fraternidade, fé, devoção à Virgem Santíssima, jovens, santidade, Amazónia, família, sinodalidade, misericórdia (proclamou um Ano Santo sobre a misericórdia divina, 2015-2016), convocação do jubileu de 2025, com abertura a 24 de dezembro de 2024 e encerramento a 6 de janeiro de 2026, acompanhamento pastoral e reforma da estrutura da Diocese de Roma, amizade e paternidade par com as Congregações religiosas e consagrados. De realçar a sua condenação firme de todas as guerras e violências, e o apelo à paz no mundo, suplicando ao governantes que se empenhem na concretização de uma sociedade pacífica, na defesa dos pobres, e da eliminação de todas as injustiças sociais.
Por todos estes aspetos e outros, o Papa Francisco tornou-se numa referência ética, moral e religiosa para todo o mundo, crente e não crente. Ele será sempre recordado como Pastor e Pai da humanidade, acima do nível dos políticos e governantes dos países.
5. Amigo da Rota Romana
Todos os anos, na segunda metade de janeiro, cumprindo a tradição dos seus predecessores, o Papa recebia o Tribunal Apostólico da Rota Romana, na abertura solene do Ano Judiciário. É um Tribunal de Apelação junto do Romano Pontífice, utilizado pelos fiéis da Igreja Católica.
No discurso proferido a 25 de janeiro de 2024, no Vaticano, Francisco exortava os Juízes (Auditores) a exercerem a sua missão numa dimensão jurídica e espiritual:
"Como bem sabeis pela vossa própria experiência, a tarefa de julgar muitas vezes não é fácil. Alcançar a certeza moral sobre a nulidade, superando a presunção de validade no caso concreto, implica a realização de um discernimento para o qual todo o processo, especialmente a investigação preliminar, está ordenado. Este discernimento constitui uma grande responsabilidade que a Igreja vos confia, pois influencia fortemente a vida das pessoas e das famílias. Deveis desempenhar esta tarefa com coragem e lucidez, mas antes de mais é decisivo contar com a luz e a força do Espírito Santo. Prezados juízes, sem oração não se pode ser juiz. Se alguém não reza, que se demita, por favor, é melhor assim. No Adsumus, a bela invocação ao Paráclito, recitada nos encontros do vosso Tribunal, lê-se: «Estamos aqui diante de Vós, Espírito Santo, estamos todos reunidos em vosso nome. Vinde a nós, assisti-nos, descei ao nosso coração. Ensinai-nos o que devemos fazer, mostrai-nos o caminho a seguir todos juntos. Não permitais que nós, pecadores, lesemos a justiça, não deixeis que a ignorância nos engane, que a simpatia humana nos torne parciais, pois somos um só em Vós e em nada nos afastamos da verdade». Lembremo-nos sempre disto: o discernimento faz-se “de joelhos” – e um juiz que não sabe pôr-se de joelhos é melhor que se demita – implorando o dom do Espírito Santo: só assim é possível chegar a decisões que vão na direção do bem das pessoas e de toda a comunidade eclesial".
Obrigado, Papa Francisco, pela confiança depositada nos juízes do Tribunal da Rota Romana.
Obrigado pelo teu Magistério, pela tua espiritualidade, simplicidade e carinho para com todos nós.
Descansa em paz!
Cidade do Vaticano, 26 de abril de 2025.
Monsenhor Manuel Saturino da Costa Gomes
Prelado Auditor do Tribunal Apostólico da Rota Romana
Cidade do Vaticano
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