"No que me diz respeito, o racismo está nos gestos e na maneira como as pessoas olham para mim. Parece que não somos franceses e até parece que não somos homens. Há quem mude de passeio, há que mude de lugar no metro, aconchegam as malas contra si porque acham que as vou roubar. Somos vistos como animais", denunciou Franc, um dos manifestantes, em declarações à agência Lusa.
O estudante de Direito participou hoje na manifestação e cortejo que decorreram na capital francesa entre a Praça Concorde, junto à Embaixada dos Estados Unidos, e a Torre Eiffel, apesar de o protesto não ter sido aprovado pelas autoridades locais devido ao estado de urgência sanitária em vigor no país e que impede aglomerações de mais de 10 pessoas.
"Acho que podemos encontrar um meio termo. Podemos manifestar-nos e guardar uma distância de segurança. Muitas pessoas aqui estão de máscara. Mesmo antes do vírus havia sempre uma razão para as pessoas não virem manifestar-se", explicou Franc, que segurava um cartaz onde se podia ler "Black Lives Matter".
Paris entrou no mapa dos protestos globais após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, com uma manifestação espontânea, na terça-feira, junto ao maior tribunal da capital, que terminou em desacatos e confrontos com a polícia.
George Floyd, um afro-americano de 46 anos, morreu em 25 de maio, em Minneapolis (Minnesota), depois de um polícia branco lhe ter pressionado o pescoço com um joelho durante cerca de oito minutos numa operação de detenção, apesar de Floyd dizer que não conseguia respirar.
Esta tarde a manifestação decorreu pacificamente, apesar do reforço de 1.800 polícias para acompanhar o cortejo e outras medidas de segurança, como as proteções que dividiram ao meio a Praça Concorde, mas também onde fica o Palácio do Eliseu, residência oficial do Presidente da República.
Segundo Jérôme Rodrigues, luso-descendente e figura emblemática dos coletes amarelos que perdeu um olho devido à violência policial, este aparato ainda afasta muitas pessoas das manifestações, mas os protestos podem voltar a ser sistemáticos no país.
"Há muita gente que tem medo de se vir manifestar devido à violência. Mas há cada vez mais gente que até ao início do confinamento vivia bem e agora vão ficar no desemprego. E vão conhecer a realidade de não ter dinheiro até ao fim do mês e vão querer manifestar-se", indicou Rodrigues.
Estas manifestações em França têm servido também para relembrar outras vítimas de violência policial no país, como Adama Traoré, um jovem de 24 anos que morreu em 2016 depois de ter sido detido na região parisiense.
Um relatório independente sobre a sua autópsia mostrou esta semana que, ao contrário do que tinha sido anunciado inicialmente, o jovem morreu devido a uma placagem da polícia aquando a sua detenção, levando a que o processo interposto pela sua família contra as autoridades tenha tido novos desenvolvimentos, com a audição de novas testemunhas.
"Um exemplo bom sobre o racismo aqui em França é o bairro onde moro. Toda a gente disse que era perigoso por ser maioritariamente negro, mas não é perigoso. O negro tem o estereótipo de perigoso. Nós somos vistos assim, a polícia vê-nos e já sai atirando, a violência policial tornou-se banal", explicou Samara, estudante brasileira que chegou a Paris no início do ano.
Com cartazes como "Marielle presente" ou "O silêncio é cúmplice", Samara indicou que no Brasil a situação é ainda mais complexa.
"O Brasil é um país tão mestiço, diferente dos Estados Unidos, e eu estou aqui de exemplo. Muita gente prefere renegar esse lado negro e focar nas raízes brancas porque é uma forma de ser mais aceite", explicou.
As manifestações em França continuam proibidas até ao início de julho, mas os protestos contra o racismo e a violência policial reuniram milhares de pessoas em todo o país com grandes demonstrações em Marselha ou Lyon.
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