“O Governo Milei veio para acabar com direitos conquistados, mas não vai conseguir porque viremos à rua para lutar. Não vamos permitir nem um passo para trás. Este é um Governo que denigra as mulheres, que rejeita as nossas conquistas e agora, em vez de lutar por novos direitos como salários equivalentes entre homens e mulheres, temos de lutar para preservar direitos adquiridos como o aborto”, aponta à Lusa a atriz Micaela Coll Aguirre, de 28 anos.
Ao lado de Micaela, a mãe María del Carmen Aguirre, de 62 anos, empunha um cartaz com o lema que ecoa em palavras de ordem pela praça em frente ao Congresso: “Milei, basura, vos sos la ditadura” [Milei, lixo, és a ditadura).
“Aqui, estamos reunidas todas as gerações que lutaram para aprovar a lei do aborto e estamos dispostas a voltar a essa luta. As ameaças não nos assustam”, afirma a enfermeira María del Carmen.
“Como enfermeira, eu via o que acontecia antes da lei. O aborto clandestino era para as mulheres da alta sociedade que tinham dinheiro para boas clínicas. As meninas mais carentes chegavam ao hospital depois de abortos clandestinos mal feitos que terminavam com a morte da mãe”, lembra.
A lei do aborto foi aprovada em dezembro de 2020, durante o governo anterior do ex-presidente Alberto Fernández (2019-2023). À época, Javier Milei, um desconhecido para a maioria dos argentinos, apoiava o movimento pró-vida, participando das manifestações contrárias ao aborto em frente ao Congresso. Na quarta-feira, na sua antiga escola, o Presidente dos argentinos insistiu na sua visão, em discurso aos alunos.
“Para mim, o aborto é um assassínio agravado pelo vínculo [mãe-filho] e as que matam são as assassinas dos lenços verdes”, disse Milei, numa referência ao símbolo do movimento feminista argentino.
Durante a campanha eleitoral, Milei assegurou que a aprovação do aborto aconteceu durante a pandemia da covid-19, sem o devido debate popular, e a sociedade precisava de ter sido ouvida através de um plebiscito.
Na sexta-feira, em pleno Dia Internacional da Mulher, o executivo de Milei anunciou que o Salão das Mulheres da Casa Rosada, a sede do Governo argentino, foi reinaugurado como Salão dos Próceres.
As imagens de mulheres iluestre da Argentina foram trocadas pelas de homens importantes do país. A decisão foi de Karina Milei, irmã do Presidente e secretária-geral da Presidência.
“Que exista um Salão das Mulheres talvez até seja discriminador contra os homens”, disse o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, sublinhando que o Governo Milei é o que mais mulheres têm desde que o país recuperou a democracia em 1983.
“Temos 45% de mulheres no Gabinete. Além disso, essas mulheres lideram Ministérios importantes”, ressaltou.
À Lusa, Guadalupe Weckesser, de 34 anos, técnica em emergências sanitárias em desastres, considerou que o Governo “é provocador”.
“Tem outros 364 dias no ano para mudar o nome do salão, mas faz o anúncio no dia mais representativo para as mulheres. É um modo de amedrontar-nos, de mostrar o tipo de poder que nos quer impor. É um mecanismo violento, bem próprio da extrema-direita fascista”, desabafa.
“E o facto de terem 45% de mulheres não quer dizer nada porque quantidade não é qualidade. São mulheres que não nos representam. São mulheres com uma visão machista”, critica.
Antes do protesto, o Governo também tinha advertido que as funcionárias públicas que não trabalhassem para participarem da marcha teriam o dia descontado.
Para o Presidente argentino, vale o mérito, independentemente do sexo. Javier Milei eliminou o Ministério das Mulheres, Géneros e Diversidade, proibiu o uso de linguagem neutra e com perspetiva de género nos organismos públicos e acabou com o instituto que combatia a discriminação.
O principal argumento é que essas iniciativas, aplicadas durante o governo anterior não trouxeram benefícios, a não ser mais gasto público. Na Argentina, continua a haver um feminicídio a cada 29 horas.
Se o movimento feminista tinha sido esvaziado e dividido após a lei do aborto, a chegada de Javier Milei ao poder fez reacender a força dos protestos, agora unificados.
O Governo também passou a aplicar o novo protocolo de segurança que permite as manifestações em praças e esplanadas, mas proíbe a interrupção do trânsito com o bloqueio de ruas e estradas, algo habitual nos últimos 20 anos.
“Estamos agora num processo de pensar como será a resistência a este governo. Tenho amigas que não vieram com as filhas porque se sentiam ameaçadas e temiam confrontos com a Polícia. Vemos como puseram barreiras para limitar o nosso espaço para protestar. Não temos nada pessoal contra Milei, mas contra o que ele representa: valores antifeministas”, conclui Mariela Gutiérrez, de 50 anos, professora de sociologia.
Artigo de Márcio Resende, Lusa
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