No anúncio anti-aborto, várias mulheres aparecem deitadas em macas, enquanto um homem mascarado — que simboliza o Estado — e uma profissional de saúde descartam um saco ensanguentado, insinuando tratar-se de um feto.

A peça publicitária foi rapidamente denunciada como “atentado aos direitos das mulheres”.

Mas as respostas não tardaram a chegar. Nas redes sociais, um vídeo divulgado no X (ex-Twitter) mostra a escritora Filipa Fonseca Silva, num ato de ativismo pela Interrupção Voluntária da Gravidez, a colar etiquetas nos produtos Prozis com um aviso: “Atenção. Esta marca atenta contra os direitos das mulheres”.

A escritora confirmou ao SAPO24 a autenticidade da gravação e o objetivo de boicote: "Miguel Milhão é o dono, e portanto vive da Prozis, e diz que tem recursos ilimitados devido à Prozis. Por isso o vídeo serviu para alertar as pessoas que a marca é daquela pessoa".

Miguel Milhão reagiu à publicação com uma pergunta: “Não arranjam umas etiquetas a dizer ‘esta marca salva bebés’!?”. Alguns "trolls" responderam a Filipa Fonseca Silva "com ofensas e ameaças de morte, como antes é normal, mas não devia ser". No entanto, diz, "a maioria dos comentários foi positiva e as pessoas agradeceram a iniciativa".

A escritora considera que o anúncio é "propaganda de um assunto sensível e político", um tipo de intervenção que já é familiar para Miguel Milhão. Em 2022, quando nos Estados Unidos o direito ao aborto começou a ser revertido em vários estados, o empresário começou a partilhar declarações anti-aborto que já tinham levado vários influenciadores a romper parcerias com a marca.

"Desde essa altura, Milhão tem feito constantemente, através dos seus, como ele diz, recursos ilimitados, campanhas atrás de campanhas para trazer o tema para debate no nosso país. Um tema que já está fechado, que foi votado, e os 'sim' ganharam com 60% dos votos. Está considerado na nossa lei, ninguém abriu discussão", lembra Filipa Fonseca Silva.

O que preocupa a escritora não é haver opiniões diferentes sobre o tema, mas "fazer ostensivamente uma campanha para tentar fazer o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos, que é pouco a pouco levantar o seu assunto, a ponto disto eventualmente um dia voltar a ser discutido", nota. "O absurdo", lembra, "é que isto não tem nada a ver com ser a favor ou contra o aborto, isto tem a ver com ser a favor das mulheres poderem escolher, e poderem escolher fazer o aborto em segurança. É para isso que serve a nossa lei".

Os seguidores de Filipa Fonseca Silva partilham a mesma opinião. A escritora conta que recebeu "muitas mensagens a pedir os autocolantes para repetir a ação de protesto e a agradecer iniciativa".

Também a influencer Maria Felner se juntou às críticas num vídeo no Instagram que foi utilizado por Rita Matias, deputada do Chega, para apoiar o movimento de Miguel Milhão.

"Milhão é só uma pessoa, tal como André Ventura quando entrou na Assembleia também era só uma pessoa, mas agora já são 60 [deputados], todos a evocar o mesmo discurso ultraconservador e que atentam os direitos das mulheres", reforça a escritora Filipa Fonseca Silva.

Uma das formas que sugere para penalizar este comportamento é boicotar a empresa: "Quando compram Prozis estão a dar dinheiro e a ajudar para os tais recursos ilimitados de que Milhão se gaba", diz.

E acrescenta: "Não é isto que vai afetar as vendas, no entanto, é uma ação de chamada de atenção para as pessoas saberem quem é esta pessoa, e mostrar que as pessoas que são a favor da escolha, das mulheres e dos direitos das mulheres, estão atentas e não vão baixar os braços".

De recordar que a lei é referente a 2007 e tem tido resultados positivos, pela redução do número de abortos e mulheres a morrer, de acordo com a Direção-Geral de Saúde.

"O que me inquieta mais não é o meu direito, até porque eu tenho 46 anos, nem o direito das pessoas que eu conheço, porque somos de uma classe média e, portanto, se algum dia isto fosse proibido, eu poderia levar a minha filha ou a minha sobrinha, ou quem fosse, a outro país para abortar. As pessoas que não têm recursos para tomar esta decisão é que me preocupam — a esmagadora maioria dos casos, por necessidade", termina Filipa Fonseca Silva, ressalvando a necessidade de controlar narrativas falsas e de ódio sobre o tema.

Queixa na ERC: o que está em causa

A Associação Interrupção Voluntária da Gravidez apresentou uma queixa formal à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), exigindo a retirada do anúncio. Circula igualmente nos grupos de WhatsApp um modelo de denúncia para envio massivo ao regulador.

A queixa sustenta que a exibição viola vários artigos da Lei n.º 27/2007 (Televisão e Serviços Audiovisuais a Pedido), nomeadamente:

  • Art.º 27 (dignidade da pessoa humana e proteção de menores);
  • Art.º 34 (ética de antena);
  • Art.º 69-A (conteúdos que possam prejudicar o desenvolvimento de crianças ou incitar ao ódio);
  • Art.º 41 (independência editorial).

A avaliação sobre a legalidade de um anúncio pode depender da interpretação jurídica, sendo, por isso, uma responsabilidade de juristas e entidades reguladoras como a ERC. Diferentes juristas podem ter opiniões distintas, especialmente em casos que envolvem valores éticos, liberdade de expressão e direitos fundamentais, como é o caso do aborto.

O que acontece depois de uma queixa na ERC?

  • Receção e admissão: o regulador decide se a denúncia é admissível;
  • Instrução: abre-se processo; a TVI e o anunciante podem ser ouvidos;
  • Deliberação: a ERC pode arquivar, emitir advertência ou aplicar coimas/sanções (desde multa até suspensão de emissão);
  • Notificação: queixosos e visados são informados da decisão.

A ERC não atribui indemnizações; para compensação financeira é necessário recorrer aos tribunais.

Até ao momento, nem a ERC nem a TVI responderam publicamente. Fontes oficiais da SIC e da RTP garantiram à Lusa que recusaram difundir o anúncio. A polémica mantém-se viva nas redes, onde cresce o apelo ao boicote dos produtos Prozis e à pressão sobre anunciantes e canais de televisão.