O acórdão foi hoje proferido no Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, tendo o coletivo de juízes tomado a decisão por unanimidade.
Na leitura do acórdão, a juíza defendeu que não ficou provado ter havido um “apossamento ilegítimo” de verbas do Estado pelos administradores dos colégios, que tivesse sido montado um esquema para apropriação desses montantes para uso pessoal nem que tenha havido falsificação de faturas, como alegado pelo Ministério Público (MP).
O tribunal deu ainda como não provado qualquer irregularidade relacionada com o pagamento de horas não letivas, dizendo que não se provou que essas horas não tenham sido prestadas ou que, decorrente desse facto, tenha havido prejuízos para o Estado relativamente ao pagamento de vencimentos dos docentes.
A juíza Catarina Caramelo Silva considerou que o que ficou provado foi que o serviço educativo contratado pelo Estado através dos contratos de associação foi prestado.
“As escolas funcionavam, os alunos tinham aulas, havia projetos educativos ambiciosos”, disse a juíza, sublinhando que ao longo do julgamento foram ouvidas todas as testemunhas indicadas na pronúncia, não ficando, por isso, por ouvir ou produzir qualquer meio de prova.
Segundo Catarina Caramelo Silva “há uma total ausência de prova de que os serviços não foram prestados” e que “nem se percebe como é que as escolas funcionariam” se fossem dados como provados os factos imputados.
A juíza recusou ainda que aos tribunais caibam avaliações políticas dos contratos que o Estado estabelece com entidades privadas.
“Não compete ao tribunal julgar a bondade das decisões políticas. […] Não compete aos tribunais substituir-se aos eleitores”, defendeu a juíza, recusando que o tribunal possa tomar uma posição entre ensino público e ensino privado e os termos dos contratos estabelecidos.
A juíza referiu que das perícias às movimentações financeiras entre as sociedades do grupo GPS pedida pelo MP “nada de ilícito com relevância criminal se pode extrair” e que o que resulta desse parecer é uma gestão dos colégios com resultados “francamente positivos”, havendo inclusivamente elogios à forma como o grupo se organizou para obter economia de escala.
“Não cabe [ao tribunal] avaliar a gestão do dinheiro”, disse a juíza.
O tribunal determinou o levantamento imediato do arresto de bens imposto aos arguidos, decorrente da sua absolvição, tendo o MP anunciado que recorreria dessa decisão.
O MP anunciou também recurso da decisão do tribunal, tendo agora um prazo de 50 dias para o fazer.
À saída do tribunal, Mário Diogo, advogado do arguido António Calvete e porta-voz da equipa de defesa dos cinco arguidos, considerou que foi feita justiça e disse “aguardar serenamente o normal decurso do processo com a consciência de que continuará a ser feita justiça”.
Mário Diogo defendeu que a sentença “só poderia ser esta”.
“Uma sentença absolutória, com total ausência de prova do que quer que fosse”, disse, defendendo que este processo não poderá deixar de merecer por parte dos agentes da justiça, uma “reflexão, talvez até profunda”, criticando aquilo que considerou um julgamento público que condenou os arguidos a “um sacrifício, um calvário” de quase 10 anos, com impactos reputacionais e financeiros.
Apesar desses impactos, os arguidos e a sua equipa de defesa afastam para já uma ação indemnizatória contra o Estado.
“Ao longo destes anos há prejuízos incalculáveis, quer do ponto de vista reputacional, quer também do ponto de vista da sua tradução financeira. De todo o modo neste momento não é isso que está em cima da mesa. É algo que poderemos vir a pensar, mas neste momento aquilo que importava era que se fizesse justiça, como fez”, disse Mário Diogo.
O julgamento começou a 16 de setembro passado no Tribunal Criminal de Lisboa, três anos e meio depois de ter sido conhecida a acusação, em março de 2018.
Em julgamento estiveram os gestores do grupo GPS António Calvete, Fernando Manuel Catarino, Agostinho dos Santos Ribeiro, Manuel Marques Madama e António Marques Madama, acusados de peculato, burla qualificada e falsificação de documentos, depois de verem cair na fase de instrução as acusações por crimes de corrupção ativa e abuso de confiança.
Segundo a acusação, os arguidos ter-se-ão apropriado de mais de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões de euros recebidos pelos colégios para financiar contratos de associação com o Estado.
Nesta modalidade contratual as instituições de ensino privado recebem financiamento público para acolher alunos que não têm uma escola pública na sua área de residência que possam frequentar.
O dinheiro pago a colégios do grupo GPS no âmbito dos contratos de associação com o Estado alegadamente financiou férias, carros, bilhetes para o mundial de futebol de 2006, jantares, vinhos e até seguros pessoais, segundo o MP.
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