Vários países da Europa estão a braços com uma nova vaga da pandemia de covid-19, muitos começam a adotar novas medidas por forma a diminuir a transmissão do vírus, através de confinamentos parciais e do aumento de restrições (a Áustria, por exemplo, colocou em confinamento milhões de pessoas não vacinadas), passos atrás na liberdade que foram alcançados nos últimos meses com a vacina contra a covid-19.

Portugal voltou a registar mais de 2000 novas infeções – 2.527 novos casos confirmados na quarta-feira e 2.398 na quinta-feira – e os óbitos também parecem estar a aumentar. No entanto, apesar estarmos perante uma variante mais contagiosa do que aquela que enfrentávamos há um ano, estamos longe da média das mais de 70 mortes diárias que experienciámos e da média próxima dos seis mil casos de infeção, isto devido à elevada percentagem de população vacinada.

O primeiro-ministro, António Costa, alertou para o avançar dos casos de infeção, afirmando que o país não pode "descansar à sombra da vacinação" e recordou que "o tempo também ajuda e o frio e a época da gripe vão aumentar e temos de ter cuidados redobrados".

Costa admitiu ainda “preocupação” pela evolução do número de infetados pelo novo coronavírus”, mas vincou não considerar “previsível que se tenham que tomar outra vez medidas com a dimensão” que tiveram no passado, dado a vacinação ter “assegurado também que mesmo as pessoas que são infetadas o são de forma menos gravosa”.

No entanto, devido ao aumento da transmissão do vírus, torna-se necessário definir uma estratégia para as próximas semanas, mas antes de tomar qualquer decisão, o Governo vai ouvir os peritos, na reunião do Infarmed, que irão propor algumas medidas de prevenção para tentar dar resposta aos desafios do combate à pandemia que surgem com o frio e a proximidade do Natal e da passagem de ano.

Há uma medida, para já, cujo regresso parece certo, segundo o secretário de Estado da Saúde, Diogo Serras Lopes, que é o uso de máscara obrigatória - medida que também já foi sugerida por Marcelo Rebelo de Sousa. Para o secretário de Estado da Saúde não há "qualquer motivo para não se usar" esta forma de proteção, quer em espaços fechados, quer no exterior, "num contexto em que os vírus continuam a circular e estamos em situação de pandemia".

Já o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Lacerda Sales, apesar de indicar que não gosta “de fazer antecipações daquilo que são decisões técnicas ou decisões políticas com suporte em decisões técnicas", adiantou que poderá considerar-se "o reforço das medidas que já hoje existem, desde a máscara a uma maior testagem – uma testagem mais massiva, provavelmente o regresso parcialmente a algum teletrabalho. Um conjunto de medidas a que todos já nos habituámos".

Raquel Duarte, médica pneumologista, com formação académica em Saúde Pública e Economia da Saúde, que foi convidada pelo Governo para liderar a equipa que elaborou as propostas de desconfinamento do país até ao início de outubro, disse, em entrevista ao DN, esta segunda-feira, que "pelos resultados que temos visto diariamente" pensa que "não se justifica estar a implementar medidas restritivas obrigatórias de forma transversal". "Temos as medidas de proteção individual que podem e devem ser aplicadas por cada um de nós", reforça.

"Por exemplo, se estamos a trabalhar num espaço fechado, temos de colocar a máscara. Se estamos num contexto de grande concentração populacional, mesmo ao ar livre, só temos de a evitar ou protegermo-nos com o uso de máscara e o distanciamento. Estas medidas e a perceção do risco individual nunca deixaram de ser importantes. Pelo contrário, nesta fase, são fundamentais. O vírus continua a circular. Aliás, enquanto a população mundial não estiver vacinada continuaremos a estar em risco. Portanto, para nos protegermos a nós próprios e aos outros são precisos estes dois ingredientes: vacinação e proteção individual", afirmou.

Questionada sobre como travar o ritmo de crescimento, Raquel Duarte reitera que é "através da redução da lotação de pessoas nos espaços, no desfasamento de horários nos locais de trabalho ou, sempre que possível, na opção pelo teletrabalho, no uso de máscara em ambientes fechados, no evitar áreas de grande concentração, etc. Estas são as medidas que já sabemos que nos permitem ter uma vida normal e que conseguem cortar e reduzir substancialmente as cadeias de transmissão".

O virologista Paulo Paixão, em declarações à SIC Notícias, defendeu que é "previsível que haja um agravamento" dos casos e, por isso, acredita "que a maior parte dos peritos irá, neste sentido, dizer que vamos ter de tomar algumas medidas - claro que nada de confinamentos, mas algumas medidas para evitar a transmissão". O virologista relembrou também que mesmo que a vacinação proteja com bastante eficácia de doença grave, uma coisa é ter mil casos, "mas se tivermos cinco mil ou mais vamos aumentar o número de casos graves e o impacto no Sistema Nacional de Saúde".

Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular, sugeriu, na quinta-feira à noite, na SIC Notícias, que tem de haver "uma ideia clara de que é necessário fazer alguma coisa para impedir que os números comecem a subir exponencialmente".

"Estamos numa situação semelhante aos finais de junho e aquilo que vimos [à data] foi uma escalada de números até ao pico da quarta vaga em finais de julho, em quatro semanas. Ora, daqui a quatro semanas, se não fizermos nada, temos uma escalada e o pico pode apanhar o Natal e tornar-se uma escalada ainda maior, galopante, e haver um descontrolo", alerta o investigador.

Para evitar isto, Miguel Castanho espera que da reunião saia da reunião do Infarmed uma mensagem que vise. a. "necessidade de fazer alguma coisa" e, entre o que pode ser feito, sugere "um reforço do uso da máscara, um uso mais assertivo dos certificados de vacinação, a ventilação dos espaços interiores - que é extremamente importante - e voltarem algumas regras que têm a ver com distanciamento, sobre tudo em grandes eventos públicos - quer sejam eventos, desportivos, culturais ou mesmo confraternizações familiares ou pessoais".

Sobre a utilização mais "assertiva dos certificados de vacinação", explica que o que sugere é uma "fiscalização maior e uma utilização mais frequente" ou "certificado de que um teste foi feito", por forma a garantir que quando pessoas se juntam "saibam que o ambiente é seguro".

O regresso ao uso obrigatório de máscara em espaços fechados e em grandes eventos é também uma das recomendações do infecciologista António Silva Graça, que, em declarações no programa 360 RTP3defendeu ainda que “não basta apenas recomendar o uso da máscara porque as pessoas não estão a aceitar essa recomendação. Temos muito provavelmente que dar um passo atrás e falar na obrigação de utilizar a máscara nos espaços interiores públicos".

Enquanto isto, na quinta-feira, a Madeira foi colocada na categoria de risco elevado no mapa do Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), que suporta decisões sobre viagens na União Europeia (UE), passando do laranja para vermelho. O Governo da Madeira, perante o aumento de casos, determinou a obrigatoriedade de apresentação conjunta de certificado de vacinação e teste antigénio para frequentar qualquer recinto público ou privado, uma medida entra em vigor às 00:00 de sábado. Esta medida só não é obrigatória para acesso a supermercados e locais de culto religioso, onde basta apresentar um dos documentos.

“Para exercer ou frequentar atividades ou eventos no setor público e privado – desporto, restaurantes, hotéis, cabeleireiros, ginásios, bares e discotecas, [recintos] culturais, cinemas, atividades noturnas, jogos, casinos e outras atividades sociais similares – devem estar vacinados e testados, com teste rápido antigénio, com periodicidade semanal”, explicou Miguel Albuquerque, relembrando que os testes rápidos, que são gratuitos, podem agora ser realizados de sete em sete dias.

O executivo madeirense mantém ainda a obrigatoriedade de todas as medidas básicas de proteção individual e coletiva, em ambientes abertos e fechados, como o uso de máscara, higienização e desinfeção das mãos e o distanciamento de 1,5 metros, e recomenda a vacinação a todos os cidadãos a partir dos 12 anos.

Relembra-se que um estudo de revisão sistemática sobre a eficácia das medidas de saúde pública contra a covid-19 defende que o controlo da pandemia depende de uma "adesão contínua" a medidas não farmacológicas, como máscara, lavagem de mãos e distanciamento social.

A estratégia para combater o aumento de casos no país será anunciada depois da reunião no Infarmed, agendada para esta sexta-feira, mas, até ao momento, parece certo que não haverão medidas tão restritivas como anteriormente, mas que poderá ser quase certo o regresso do uso obrigatório de máscara em espaços fechados (e até ao ar livre, no caso de maior concentração de pessoas), a retoma do aconselhamento do teletrabalho (se não mesmo a obrigatoriedade) e um reforço da testagem à covid-19 (ou até uma maior fiscalização nos pedidos de certificado para acesso a alguns locais ou eventos).