“Este despacho é no entender da APOM ilegal, afetando a proteção e salvaguarda do património cultural e a missão dos museus nacionais”, lê-se na carta enviada à provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, à qual a agência Lusa teve acesso.
Assim, a APOM pede a intervenção “urgente” da provedora de Justiça junto do Ministério da Cultura, “no sentido de corrigir um ato prejudicial para a imagem dos museus portugueses e para a sua missão, por forma a tutelar o interesse difuso de proteção e salvaguarda do património cultural português”.
A secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, autorizou a cedência de obras de arte do Estado para um hotel do grupo Vila Galé, em Alter do Chão, no Alto Alentejo, mas dependendo do cumprimento de condições técnicas, disse à Lusa.
A secretária de Estado disse ainda que, de futuro, haverá mais cedências, no âmbito do Programa Revive, embora as condições ainda não estejam totalmente definidas.
A APOM refere que “os bens culturais requisitados pertenciam à Coleção Rainer Daehnhardt, que por auto de entrega, receção e afetação de Bens Móveis, de 09 de abril de 2018, foram ‘afetos à Direção-Geral do Património Cultural [DGPC], para exposição permanente no Museu Nacional dos Coches, cabendo-lhe, doravante, a sua guarda e conservação’”.
As condições de exposição no museu público foram aceites pela DGPC, sublinha a APOM, acrescentando que os bens culturais das coleções nacionais “só podem ser objeto de cedência a entidades públicas ou privadas de acordo com a Lei n.º 47/2004”, isto é, “observando sempre as boas práticas museológicas e de uma forma tecnicamente fundamentada”.
Para a APOM, “não é possível aceitar que o Hotel Vila Galé, onde serão expostas as peças do Museu Nacional dos Coches, tenha ou passe a ter, depois da cedência, uma atividade museológica em função da sua atividade principal, em tudo legítima, mas incompatível com a proteção, salvaguarda, estudo e exposição de bens culturais museológicos”.
A associação considera que o despacho de Ângela Ferreira “representa um grave precedente”.
A APOM argumenta que o referido despacho “contraria as regras da competência própria dos diretores de museus, recentemente aprovadas pelo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, monumentos e palácios, no que respeita à gestão de coleções”.
“O despacho parece ter ultrapassado as competências delegadas” na secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural pela ministra da Cultura, argumenta ainda a APOM.
A associação dá conta que tem conhecimento, como noticiou o jornal Público há dias, de que a diretora do Museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone, “considerou que a ordem da secretária de Estado seria ilegal e solicitou a sua confirmação por escrito, dando, no entanto, cumprimento ao referido despacho, faltando, neste momento, a assinatura de um protocolo entre a DGPC e a Sociedade Vila Galé, S.A. para a concretização da transferência das peças ‘requisitadas’”.
A APOM manifesta “a maior preocupação” pelas consequências da “cedência dos bens culturais, que foram autorizados a serem expostos nas zonas públicas de um empreendimento turístico”.
Na quarta-feira, o PCP anunciou que vai entregar na Assembleia da República um projeto de resolução que insta o Governo a reverter a cedência.
No período de declarações políticas que decorreu na Assembleia da República, a deputada Ana Mesquita classificou o “negócio” de “insólito, insulto, impensável e ilegal”.
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