“O silêncio não é uma opção”, podia ler-se, ao início da noite de hoje, numa publicação na conta oficial do presidente da emissora pública de Espanha na rede social X, antigo Twitter. A publicação era ilustrada por um vídeo com uma mensagem em inglês e espanhol, sobre um fundo preto: “perante os direitos humanos, o silêncio não é uma opção. Paz e justiça para a Palestina".

A publicação da RTVE foi feita às 20h09,  pouco depois do início da final da Eurovisão, a decorrer em Basileia. Na quinta-feira, a televisão pública espanhola já tinha recebido uma advertência da União Europeia da Radiodifusão (UER), entidade que organiza o Festival Eurovisão da Canção, informando que a estação seria multada caso se repetissem, na transmissão da final,  os comentários sobre os mortos resultantes da ofensiva israelita em Gaza.

Em causa estavam as observações dos comentadores espanhóis Tony Aguilar e Julia Varela, antes da atuação da representante israelita, Yuval Raphael, na segunda semifinal, recordando o número de vítimas do conflito em Gaza.

A UER reagiu através de um comunicado. “O número de vítimas não tem lugar num programa de entretenimento apolítico, cujo lema ‘Unidos pela música’ encarna o nosso compromisso com a unidade”, podia ler-se.

Eurovision Song Contest 2025 opening ceremony in Basel
Eurovision Song Contest 2025 opening ceremony in Basel epa12090872 Israel's Yuval Raphael (C) poses on the turquoise carpet during the opening ceremony of the 69th Eurovision Song Contest in Basel, Switzerland, 11 May 2025. The 69th edition of the song contest takes place in Basel with its semi-finals scheduled for 13 and 15 May, and a final on 17 May 2025. EPA/PETER SCHNEIDER créditos: Lusa

Yuval Raphael é uma das sobreviventes dos atentados de 7 de outubro

A advertência da UER foi mal recebida pelos conselhos de redação da RTVE que defenderam o direito dos comentadores a trabalharem com "liberdade e responsabilidade", e, esta noite, no momento da atuação de Israel na final da Eurovisão, os apresentadores espanhóis apresentaram a intérprete, Yuval Raphael, como “uma cantora oriunda dos arredores de Telavive” e recordaram que é uma sobrevivente dos atentados de 7 de outubro de 2023, mantendo um apelo à paz em Gaza.

A representante israelita foi vítima dos ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023 e tem contado a sua história por todo o mundo, inclusive nas Nações Unidas, acompanhada por outras vítimas.

Em abril, o presidente da RTVE enviou uma carta à organização da Eurovisão a pedir um debate sobre a presença de Israel no festival. Outros países juntaram-se ao apelo, como a Eslovénia, Islândia, Irlanda ou Bélgica. A televisão pública belga transmitiu mesmo na terça-feira anterior à primeira semifinal um anúncio em apoio à Palestina e contra a guerra em Gaza.

A União Europeia da Radiodifusão (UER) tem reafirmado a necessidade de separar o festival da política, mas a escalada de conflitos, tanto na Ucrânia como em Gaza tem tornado especialmente espinhosa a missão.

Numa carta, dirigida à chefe da delegação espanhola, Ana María Bordas, a UER recordou também à RTVE que as regras da Eurovisão “proíbem declarações políticas que podem comprometer a neutralidade do concurso”.

"Não há uma saída fácil. Após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, a UER não tomou de imediato medidas para banir a Rússia do Festival da Eurovisão — só agiu quando os países participantes deixaram de emitir declarações vagas e sugestões de diálogo para ameaçarem abandonar o concurso. Nessa altura, a resposta foi rápida. O mesmo não aconteceu com a participação de Israel", escreveu, no The Guardian, Chris West, autor do livro " Eurovision: A History of Modern Europe Through the World’s Greatest Song Contest".

A Eurovisão tornou-se progressivamente um espaço onde, além da música, era possível promover mensagens políticas e sociais orientadas para o lema do evento: "amor e paz". A escalada de conflitos internacionais, nomeadamente no espaço ou perímetro europeu, dificultou esse posicionamento.

Salvador Sobral, António Calvário, Fernando Tordo, Lena D'Água e Paulo de Carvalho contra participação de Israel

A presença de Israel no concurso foi contestada também por artistas que já participaram no concurso, mais de 70 músicos, entre os quais os portugueses Salvador Sobral, António Calvário, Fernando Tordo, Lena D'Água e Paulo de Carvalho, que se juntaram numa carta aberta que apela à União Europeia de Radiodifusão para que exclua a participação de Israel.

Os subscritores apontam o dedo o apelo à televisão israelita KAN  que consideram "cúmplice do genocídio contra os palestinianos em Gaza".

Em 2017, Benjamin Netanyahu aboliu a antiga Autoridade de Radiodifusão de Israel (IBA), até então responsável pela organização do festival pela parte de Israel. As razões invocadas foram financeiras, mas muitos observadores consideraram que se tratou de uma decisão política por a IBA ser vista como demasiado de esquerda. Foi então substituída pela Kan, a atual emissora pública.

A contestação à presença de Israel na Eurovisão juntou hoje centenas de manifestantes pró-Palestina em Basileia e acabou em confronto com a polícia. De acordo com a Agência France Presse (AFP), os confrontos tiveram início pouco antes de a representante de Israel, Yuval Raphael, ter atuado na St. Jakobshalle.

Empunhando bandeiras palestinianas, os manifestantes seguiam atrás de uma grande faixa onde se lia “Unidos pela Palestina” e um trocadilho com a palavra Eurovisão, “Liberta a tua visão”, com um coração no lugar da letra v.

Os manifestantes queimaram uma bandeira de Israel e uma outra dos Estados Unidos da América e num dos vários cartazes empunhados pelos manifestantes pode ler-se “Cantar enquanto Gaza arde”.

Eurovisão: manifestantes pró-Palestina e polícia em confrontos
Eurovisão: manifestantes pró-Palestina e polícia em confrontos Pro-Palestinian demonstrators waves Palestinian flags and burn flares during a demonstration against Israel outside the 2025 Eurovision Song Contest's grand final in Basel on May 17, 2025. Protesters demonstrating against Israel's participation in the contest while it ramps up its war in Gaza clashed briefly with police in the centre of the city shortly before Israel's Eurovision entrant took to the stage at the St. Jakobshalle venue across town. (Photo by SEBASTIEN BOZON / AFP) créditos: AFP or licensors

Espanha lidera apoio à Palestina

Espanha tem sido um dos países mais vocais na defesa da Palestina no quadro do conflito com Israel. A posição pública do presidente da televisão estatal espanhola está em linha com as declarações também hoje feitas pelo primeiro-ministro espanhol sobre o bloqueio israelita a Gaza.

Também o ministro espanhol dos Transportes e da Mobilidade Sustentável, Óscar Puente, expressou publicamente o seu apoio à mensagem da RTVE, escrevendo numa publicação associada: "Amén".

Este sábado, na reunião da Liga Árabe, em Bagdade, capital do Iraque, Pedro Sánchez lançou um ataque duríssimo contra a política do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, anunciando que Espanha está a trabalhar num novo projeto de resolução para a Assembleia Geral da ONU, "exigindo o fim do cerco".

*Com Lusa