“Gorbachov é um herói trágico. Herói porque foi ele que começou o processo democratização num país que nunca tinha sido democrático: fez as primeiras eleições livres, promoveu a liberdade de expressão, uma nova política diplomática e o fim da Guerra Fria. Tudo isto são conquistas extraordinárias, mas acabaram mal quer para o país quer para o próprio Gorbachov”, disse à Lusa o autor da biografia que será apresentada hoje em Lisboa.

Para William Taubman as mudanças alcançadas por Gorbachov, nos anos 1980, e que conduziram ao fim do regime soviético, estão a ser constantemente contrariadas sem que tivessem sido desenvolvidas.

“E agora onde é que nós estamos? Temos uma nova Guerra Fria. Temos um novo regime autoritário na Rússia. Parece que a agenda de (Vladimir) Putin é precisamente reverter tudo o que Gorbachov conseguiu. Afinal agora as eleições não são assim tão livres. O Parlamento é controlado e temos uma nova Guerra Fria”, considera o historiador norte-americano que investigou a vida do ex-líder soviético considerando que mesmo no Ocidente poucos são aqueles que o continuam a ouvir.

“A opinião dele não interessa aos russos e muito menos a Putin e mesmo no Ocidente quem o ouve de verdade? Trump não está a ouvir. As pessoas no Ocidente continuam a ter um grande respeito pelo que Gorbachov tentou fazer e com o que conseguiu, mas mesmo assim não o ouvem”, considera referindo-se às notícias sobre o final do acordo sobre armas nucleares.

“A nível pessoal Gorbachov é trágico porque passou de ser um dos líderes mais destacados da História da União Soviética a odiado por quase toda a gente”, disse acrescentando que apesar de ter desenvolvido ideias que transformaram o mundo foi um político sem um plano.

“Ele tinha uma visão, mas não tinha um plano. Ele tinha visão e tática, mas, eu creio que ele não tinha estratégia. O que me chama mais a atenção era que o projeto estava amaldiçoado porque naquele país (URSS) não podia ter êxito. Podia ter tido êxito, mas depois começamos a detetar erros ao longo do percurso”, refere.

Taubman nota que Gorbachov, em 1990, quando foi escolhido primeiro presidente da União Soviética em vez de ter sido apontado pelo Parlamento devia ter-se deixado submeter a eleições, o que lhe teria dado mais legitimidade.

“Ele pensou durante muito tempo que deveria ter sido mais rápido e ter anulado a ala dura do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), preocupava-o ser afastado como Nikita Krushchev (secretário-geral do PCUS entre 1953 e 1964) e, por isso, manteve os inimigos o mais próximo possível, como defendia Maquiavel”, aponta Taubman.

O historiador acrescenta que Gorbachov tinha um caráter otimista e “demasiada autoconfiança” e mostrava-se convencido de que podia controlar os comunistas da linha dura.

“De repente eles voltaram-se contra ele. Ele pensou que (Boris) Yelstin era um grande político, mas isso também foi um erro”, frisa.

A extensa e pormenorizada biografia de Gorbatchov, nascido em 1931 na aldeia de Privolnoye, no Cáucaso do norte, aprofunda as questões familiares, académicas e politicas destacando-se a ligação a Yuri Andropov (chefe do KGB e líder soviético entre 1982 e 1984) sendo que a presença da mulher Raisa (1932-1999) é uma constante ao longo da obra de Taubman, que explica que o livro não é uma biografia oficial do antigo líder soviético.

“Eu não pedi autorização. Eu informei-o através dos assessores e conhecidos de que ia escrever o livro e pedi-lhe colaboração e ele disse que sim. Ele apoiou extremamente bem de ‘acordo com os padrões soviéticos’. Deu-me acesso a testemunhas e a alguns documentos. Mas, de acordo com os padrões ocidentais manteve uma certa distância. Encontramo-nos oito vezes, para longas entrevistas, mas nunca nos convidou a ir a casa dele”, conta o historiador.

“Eu penso que ele queria uma biografia escrita no ocidente por saber que é muito controverso no próprio país e provavelmente os biógrafos russos seriam polémicos ou hostis. Por isso queria uma biografia ocidental que ele pensa será mais objetiva, mas mesmo assim e sendo um pró-ocidental nunca deixou de mostrar desconfiança em relação a um biógrafo ocidental”, disse ainda o historiador norte-americano.

William Taubman, 78 anos, professor emérito de Ciência Política é autor do livro "Krushchev: The Man and his Era", prémio Pulitzer para biografia em 2003.

O livro “Gorbachov – A Biografia” de William Taubman (Edições Desassossego) é apresentado hoje em Lisboa.