“O dia em que a luz chegou, foi dia de festa. Foi mais festejada a chegada da luz do que o 25 de Abril”, contou à agência Lusa o cesteiro José Luís Dias, ressalvando: “Uma coisa é fruto da outra, também!”
No dia 25 de Abril de 1974, o rádio foi ligado logo pela manhã, como era habitual, em casa dos pais. “Quando nos levantamos, fiquei a saber que existia algo que nem sabia o que era”, recordou José Luís, enquanto trabalhava o vime na oficina partilhada com o irmão.
“Nessa altura, nesta aldeia não tínhamos alcatrão. No inverno, era lama e poças de água. No verão, era o pó. Para chegar aqui à aldeia não havia alcatrão e está à vista hoje, de quem nos visita, os proveitos que a revolução acabou por nos trazer”, afirmou.
“Não temos gente, mas isso é um outro problema, um outro desafio, que a sociedade dos dias de hoje tem de resolver”, defendeu o artesão, de 61 anos. Na aldeia, não há crianças. A mais jovem habitante de Aveleira tem 15 anos.
Em 1974, a escola primária, que recebia também as crianças da aldeia de Macieira, nas proximidades, tinha 12 alunos. Ardeu no incêndio de 2017 e não voltou a ser recuperada. “Ficaram as paredes no ar”. Agora, pertence a um particular que ali tenciona construir uma casa.
José Luís aprendeu o ofício com o pai e viu partir todos os jovens da sua geração. A aldeia tinha cerca de 70 habitantes, hoje contam-se 17 ou 18.
“Os novos saíram, muitos. Os da minha geração saíram todos, uns estudaram, outros emigraram e já não voltaram. Há dois ou três que têm cá casa, mas é casa de férias e há um senhor da minha geração que esteve na Suíça, está cá agora, já reformado”, disse.
Quando a notícia do golpe militar que depôs o regime se espalhou em Aveleira, os mais velhos temeram que pudesse ser uma coisa menos boa, que trouxesse fome. “Sem os meios de comunicação que temos hoje, estávamos muito apagados em relação à realidade, mas fomos percebendo, a pouco e pouco, fomos percebendo que algo se passava, que havia uma revolução, que havia uma mudança, que nos trouxe melhorias”, atestou.
Nas populações mais isoladas houve pessoas que não tiveram noção do que estava a acontecer. “Sim, sim. Isso é verdade. Há pessoas que não tiveram uma perceção real do que se passou naquela altura. Foram-se apercebendo, foram construindo a sua ideia do 25 de Abril ou da revolução, mas que acabou por não ter a perceção que teve noutros sítios”, reconheceu José Luís.
A vida nas aldeias do interior continuou como antes. “Houve manifestações em Vila de Rei [sede do concelho] e houve políticos da altura que se deslocaram, como fizeram por todo o país, a tentar mostrar e convencer as pessoas dos benefícios que advinham de uma revolução, mas pronto, as pessoas aqui acomodavam-se e, com a sua simplicidade, alguns acabaram por nem se aperceberem do que estava a acontecer”, relatou.
Porém, quando se realizaram as primeiras eleições livres, em 1975, a população acorreu em “avalancha” às mesas de voto. José Luís ainda não tinha idade para votar, mas acompanhou os pais à vila e lembra-se das enchentes, das filas de espera para depositar o voto e dos desentendimentos alimentados pela demora.
Aos 92 anos, Manuel Cotrim, ex-resineiro residente em Sedeada, uma das aldeias mais interiores, guarda na memória várias e acontecimentos datas que lhe marcaram a vida, mas do 25 de Abril não tem qualquer recordação.
“É natural que não se tenha apercebido bem, não havia eletricidade, não havia cá televisões, só um radiozito a pilhas”, admitiu a filha, Manuela. O neto de Manuel Cotrim, Nuno Nunes, tem 37 anos e lembra-se de não haver alcatrão na estrada que atravessa a aldeia.
Para o avô, no tempo da resina, vivia-se bem:”Antes de isto arder era bom, que a resina dava para a gente se governar e arranjar dinheiro”.
Do outro lado da rua, José Prior (89 anos), cunhado de Manuel Cotrim, contou à Lusa que acompanhou todos os acontecimentos em Lisboa, onde ficou a viver depois de cumprir o serviço militar.
“Arranjei um emprego jeitoso, na Alfândega. Até sair daqui foi uma vida de sacrifício”, confessou, entre um e outro golpe na lenha miúda reunida à porta de casa.
Saiu da aldeia com 20 anos, depois de ter também trabalhado na recolha da resina, e foi poucas vezes à terra num tempo em que para chegar de Vila de Rei a Sedeada era preciso equilibrar o carro por cima das pedras do caminho para a carroçaria não bater no chão.
“Aqui as pessoas nem sabiam em que regime se vivia. Depois da revolução foi um grande benefício em tudo”, declarou.
A geografa Fernanda Cravidão, que desenvolveu trabalho de campo com os alunos no final dos anos 70 e início da década de 80 visitou outras aldeias onde teve contacto com o isolamento da população. “Lembro-me que na Aldeia da Pena, na Serra de São Macário, concelho de São Pedro do Sul, havia um rádio e as pessoas juntavam-se para ouvir o rádio, não sei se as notícias, mas o rádio. E a ideia que tenho é que desconheciam completamente o que se passava no resto do país”, descreveu quando contactada pela Lusa.
Professora catedrática jubilada, Fernanda Cravidão lecionava a disciplina de geografia da população na Universidade de Coimbra e tinha como objetivo levar os alunos a lugares cuja existência desconheciam. “As pessoas não sabiam o que se passava no país, muito menos o que tinha sido o 25 de Abril”, admitiu.
A mesma perceção repetiu-se noutros lugares com poucos habitantes e onde não havia crianças.”O 25 de Abril não fazia parte da mundividência deles, quando muito, como noutras aldeias a norte do Tejo, poderiam associar ao fim da guerra, porque havia pessoas que tinham filhos e netos na guerra, sabiam que a guerra tinha acabado. Agora se perguntasse o que foi o 25 de Abril, talvez não soubessem responder”, afirmou.
*Por Ana Mendes Henriques (Texto) e André Kosters (Fotografia) da Agência Lusa
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