“O caso de Tancos era muito mais do que só uma investigação criminal. Era saber o que aconteceu, o que justificou os paióis estarem naquele estado e o que se poderia fazer para nunca mais acontecer [um furto]”, respondeu Azeredo Lopes no segundo dia de interrogatório como arguido no processo sobre o furto e o achamento do material militar.
Perante “a facilidade quase absoluta como os paióis podiam ser assaltados, a questão crucial era, no que dependesse de mim, isso nunca mais acontecer”, acrescentou.
Segundo o ex-ministro, “a perceção que havia na altura era que não foi um assalto galáctico, com criminosos globais”, já que “havia um informador [conhecido por ‘Fechaduras’] e se ele sabia que poderia haver um assalto este não deveria ser particularmente difícil de resolver”.
Sobre os conflitos entre a Polícia Judiciária Civil (PJ) e a militar (PJM) quanto à atribuição da investigação ao furto, Azeredo Lopes reiterou que era sua convicção de que “não havia qualquer investigação paralela, nem ilícita”, dizendo que não teve dúvidas de que “a PJM estava a atuar como coadjuvante na investigação”, sob a direção do Ministério Público.
Assumiu também que as várias discrepâncias ocorridas ao longo do tempo, por exemplo em relação à lista do material furtado ou à quantidade do mesmo o irritaram, mas que, ao mesmo tempo, serenou quando soube que os dispositivos considerados mais perigosos estavam obsoletos.
Questionado sobre os três documentos entregues no Ministério pelo ex-diretor da PJM e arguido Luis Vieira, o antigo ministro disse que se tratou de uma fita do tempo, uma análise jurídica sobre a passagem da investigação para a PJ – decisão sempre contestada pelo coronel – e o despacho da procuradora-geral da República a atribuir poderes à PJ.
“A minha convicção foi que o coronel tinha entregado os documentos para memória futura”, afirmou.
Outro dos assuntos mais uma vez abordado no julgamento foi o memorando, um documento sem data, sem assinatura e escrito em papel não timbrado que foi recebido pelo seu chefe de gabinete, general Martins Pereira.
“Como já disse, fui informado do essencial. O documento servia para explicar e clarificar o ‘modus operandi'”, insistiu, dizendo que este não seria para dar entrada nos documentos do ministério e que devia ser destruído”.
Questionado por um advogado sobre se não ponderou entregá-lo a Joana Marques Vidal, Azeredo Lopes justificou que considerou que o mesmo não continha qualquer alteração substancial ao que já tinha sido dito num telefonema entre ambos.
Depois do referido telefonema, no qual a PGR lhe deu conta do desagrado pessoal e institucional pelo facto de não ter sido informada sobre as circunstâncias do aparecimento do material militar, na Chamusca em outubro de 2017, e de não ter havido articulação entre as duas polícias, Azeredo Lopes disse que ficou “serenamente à espera ” de que fossem instaurados procedimentos disciplinares [a elementos da PJM] pela PGR e ainda que não tinha poder para os instaurar.
Sobre o desagrado manifestado por Joana Marques Vidal, o arguido insistiu que antes de ser tornado público o achamento do material bélico por um comunicado da PJM foi informado o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Após o depoimento, o advogado do ex-ministro disse aos jornalistas que seu cliente “respondeu a todas as perguntas sem gaguejar” considerando que “até demais”, sustentando que “falar demais é uma característica dos inocentes”.
“Respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas e com clareza. Falou até demais e isso é uma característica dos inocentes”, disse Germano Marques da Silva, aproveitando para criticar a forma como foi decorreu a fase de instrução em relação ao ex-ministro.
“A instrução não foi instrução, toda a gente sabe que nunca é naquele tribunal [Central de instrução Criminal]”, afirmou o advogado, numa critica ao juiz Carlos Alexandre.
O Ministério Público considera que o Azeredo Lopes sonegou informação à procuradora-geral da República sobre a recuperação das armas dos paióis e quis que Joana Marques Vidal fosse complacente com a situação.
Segundo a acusação, Azeredo Lopes teve conhecimento da encenação, aceitou-a e podia ter-se oposto e participado a irregularidade à PGR.
Azeredo Lopes, que se demitiu em outubro de 2018, está acusado de quatro crimes: Denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.
O processo de Tancos tem 23 arguidos, dez arguidos respondem por associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo, pelo alegado envolvimento no furto do armamento e os restantes 13, entre eles Azeredo Lopes, dois elementos da PJM e vários militares da GNR, sobre a manobra de encenação/encobrimento na recuperação do material ocorrida na região da Chamusca, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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