Gritos, pontapés na porta, um vidro partido, pessoas fora da sala de embarque e já no cais, outras tantas à espera do lado de fora, gente a mais para fazer o transporte de passageiros em segurança. No entanto, os ânimos acabaram por acalmar no terminal do Barreiro e a polícia foi chamada ao local.

As carreiras das 10h25 e 10h55 foram suprimidas sem qualquer aviso, contou ao SAPO24 um dos passageiros da Soflusa, descrevendo um cenário de confusão, com pessoas espalhadas entre a sala de embarque e o acesso ao pontão.

A polícia foi chamada ao local para repor a ordem e garantir que o embarque de passageiros se faz em segurança. O barco seguinte iria sair pelas 11h25, mas até às 11h50 não se tinha realizado — hora a que as autoridades chegaram ao terminal.

De acordo com o capitão do Porto de Lisboa, Coelho Gil, a Polícia Marítima foi chamada às 11:00 devido a “desacatos e um grande burburinho” no terminal, acorrendo ao local com quatro elementos.

“De facto, quando chegámos lá havia um grande descontentamento dos utentes, que só terminou com a chegada de dois barcos seguidos, por volta das 12:00, que esvaziaram a sala de espera”, afirmou.

“Não foi precisa nenhuma intervenção, a não ser acalmar os utentes. Não houve necessidade de identificar ninguém”, acrescentou.

Tal como previsto, após a chegada das autoridades, um barco atracou no terminal e os passageiros embarcaram, tendo a carreira saído em direção a Lisboa pelas 11h58.

Vários passageiros acabaram por desistir, procurando chegar a Lisboa por outras vias, nomeadamente através dos comboios da Fertagus.

Desde o dia 10 de maio que as ligações fluviais entre Barreiro e Lisboa têm registado várias perturbações devido à falta de mestres, situação que se mantém, com várias carreiras a serem suprimidas.

O cenário piorou com a paralisação parcial de dois dias, que ocorreu no final da semana passada, e com a greve às horas extraordinárias, que se iniciou no dia 23 de maio e se deve prolongar até ao final do ano.

Está já prevista uma nova paralisação parcial, de três horas por turno, entre 03 e 7 de junho, que deve afetar as horas de ponta da manhã e tarde.

O Bloco de Esquerda já informou que vai pedir respostas ao Governo esta sexta-feira, no parlamento, sobre "as dezenas de supressões nos transportes públicos" urbanos e suburbanos, criticando a falta de investimento e o incumprimento de anúncios já feitos pelo executivo.

Na terça-feira, o secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade, José Mendes, criticou os mestres da Soflusa por apenas quererem uma vantagem salarial para a sua categoria, colocando em causa o equilíbrio das diferentes categorias profissionais.

No dia seguinte, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Matos Fernandes, rejeitou os argumentos invocados pelos mestres para a paralisação, uma vez que as novas contratações “estão a decorrer” e porque “não é possível atender” à reivindicação salarial específica.

A Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans) reagiu a esta afirmação acusando o Governo de estar a “incendiar ainda mais” o conflito entre a Soflusa e os mestres.

De acordo com os sindicatos, apenas trabalham 21 mestres na transportadora (dos quais três estão de baixa médica), mas são necessários 24, além de se ter verificado um maior “saturamento” da classe, depois de a empresa introduzir uma nova escala de serviços, em abril, com a implementação do passe Navegante.

A coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública diz que a supressão de carreiras de barcos entre o Barreiro e o Terreiro do Paço e entre Lisboa e o Barreiro tem sido recorrente desde há uns meses e “as pessoas estão a chegar a um limite”.

“As pessoas veem-se aflitas, porque chegam tarde aos trabalhos e a tudo aquilo que têm de fazer, as pessoas estão ali numa pilha de nervos. [...] Hoje deu para partir vidros, para as pessoas gritarem, houve uma pessoa que desmaiou, forçaram as portas, veio a Polícia Marítima… Isto é recorrente”, explicou.

Segundo Ana Avoila, hoje a situação “foi mais grave, porque houve um comunicado da administração a dizer quais as carreiras que eram suprimidas por insuficiências de mestres, mas houve mais carreiras suprimidas além das anunciadas”.

“Cada dia que passa piora. A ideia que temos é que a administração da Soflusa se prepara para reduzir carreiras definitivamente e não contratar mais pessoal. É bom que o Governo tome medidas e que adaptem os horários de forma que as pessoas saibam os horários que têm. Isto está a ser um escândalo”, acrescentou.

Entretanto, o presidente da Câmara do Barreiro disponibilizou-se para servir de mediador entre as partes.

Na visão do autarca, a resolução do problema “não é uma prioridade, mas sim uma urgência”, até porque os maiores prejudicados são os utentes, com as constantes supressões nas horas de ponta.

“Toda a gente já percebeu que o problema que existe não é novo, mas está-se a agudizar. E esta é a janela de oportunidade de se resolver já: a câmara municipal está completamente à disposição para servir de mediadora entre os sindicatos, empresa e o Ministério do Ambiente”, disse à Lusa Frederico Rosa.

José Encarnação, da Comissão de Utentes dos Serviços Públicos do Barreiro (CUSPAS), confirmou que esta situação de falta de barcos é recorrente por falta de pessoal para a condução de navios.

“As pessoas estão no limite. Há muita gente que está a enfrentar problemas no trabalho, porque, por falta de transporte, não consegue chegar a tempo. E não é um dia, são muitos dias”, salientou.

De acordo com o representante dos utentes, a empresa precisaria de 21 mestres para movimentar os navios, mas atualmente tem 16 e também os mestres e marinheiros estão a chegar a um limite, devido às horas extraordinárias que têm feito nos últimos meses.

(Notícia atualizada às 15h22)

*Com agências