Até às 08:00 locais (menos duas horas em Lisboa), embora com menos trânsito face ao normal, as viaturas ainda circulavam na capital moçambicana, mas progressivamente as principais avenidas e ruas de Maputo começaram a ser tomadas por manifestantes, que respondiam a um novo apelo do candidato Venâncio Mondlane, para paralisação e contestação aos resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro, que ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional.

No cruzamento entre as avenidas Eduardo Mondlane e Guerra Popular, centro de Maputo, os manifestantes, com cartazes de contestação, voltaram a puxar à força de braços enormes contentores do lixo para o centro da via, já ocupada com todo o tipo de pedras e detritos, e impediam à força qualquer tentativa de passagem por automobilistas, enquanto a polícia apenas assistia.

Uma hora depois, um grupo de militares, que têm estado a assegurar operações de limpeza das vias nestes protestos, ainda conseguiram remover dois contentores, rebocados pelas viaturas blindadas, que voltaram ao centro da rua, minutos depois, novamente puxadas à força por dezenas de manifestantes em festa, que depois jogavam à bola, sentavam-se em cadeiras e dançavam numa avenida deserta que, num dia normal, é das mais congestionadas da capital.

“Não. Aqui tudo está bloqueado”, explica o vendedor ambulante José Luís dos Santos, avisando que todos “devem respeitar” e não tentar passar: “Aqui o povo é que manda. Aqui há muita polícia nos cantos, mas não vêm aqui intervir”.

De apito na boca, como centenas de outros, deixou de trabalhar para “apoiar o povo” e garante que só vai para casa ao final do dia, mesmo sem fazer negócio, para controlar quem tentar passar de carro.

“Estamos a organizar o país. É muito preciso o que está a acontecer, o povo já sofreu de mais. Isto aqui não é uma brincadeira (…) O mundo está a ver, lá fora, não é apenas Moçambique”, acrescenta, garantindo: “Estamos cansados de tanto sofrimento, injustiça”.

Por toda a cidade existem hoje barricadas, montadas com tudo o que está à mão, e em alguns locais a tentativa de passagem ‘obriga’ ao pagamento de uma ‘portagem’, de alguns meticais, enquanto os jornalistas só passam em segurança devidamente identificados pelos manifestantes pelos microfones, câmaras de vídeo e fotográficas.

Num dia em que poucos comércios voltaram a abrir portas, timidamente, alguns populares conseguiram levar alguns equipamentos de uma loja de artigos eletrónicos da avenida Guerra Popular, levando os proprietários a encerrar rapidamente o estabelecimento, sem mais incidentes.

No cruzamento da avenida Eduardo Mondlane, precisamente no local onde na quarta-feira, no primeiro dia desta nova fase de protestos, uma jovem manifestante foi violentamente atropelada por uma viatura blindada militar, Ambassa Xavier foi dos primeiros a chegar, para cortar a via, afirmando que o povo quer “a verdade eleitoral” e “organizar o país”.

“Não está a dar para nós, moçambicanos, então nós preferimos reivindicar aquilo que a gente votou. Como moçambicanos temos o direito de escolher quem quisermos”, afirma, já com aquela avenida praticamente sem movimento e várias barricadas ao longo da sua extensão.

“Hoje não se passa aqui. Todas as vias estão bloqueadas, vamos manter até amanha”, explica.

O mesmo cenário era visível noutras artérias centrais de Maputo ou na entrada dos bairros dos subúrbios, bloqueadas com pedras, pneus e até sofás, enquanto grupos de crianças e jovens aproveitavam para jogar à bola em ruas que, normalmente, são de grande movimento automóvel.

Na avenida Joaquim Chissano, enormes vigas de ferro bloqueiam por completo a circulação automóvel, repetindo-se o cenário de manifestantes com apitos, vuvuzelas e cartazes a substituir os carros, tal como na avenida Acordos de Lusaka, em que numa mesa colocada no centro da rua eram servidas bebidas e ninguém passava de carro.

“A verdade pura é essa. Não se passa. Isto vai continuar até amanhã, vamos esperar a próxima etapa daquilo que ele [Venâncio Mondlane] vai dizer para cumprir e estamos sempre com ele, mesmo estando fora do país”, conta, sentado à mesa, o líder deste grupo de manifestantes.

“Não queremos comentários, queremos saber a reposição eleitoral, de facto quem ganhou”, acrescenta ainda.

O candidato presidencial Venâncio Mondlane tinha apelado na terça-feira à população moçambicana para, durante três dias, começando na quarta-feira, abandonar os carros a partir das 08:00 nas ruas, com cartazes de contestação eleitoral, até regressarem do trabalho.