Num depoimento no Tribunal da Concorrência, no âmbito do julgamento das impugnações às coimas num valor global próximo dos 5 milhões de euros aplicadas pelo Banco de Portugal (BdP) à auditora KPMG e a cinco dos seus administradores, Carlos Costa procurou justificar a condenação administrativa proferida em junho de 2019.
Na sessão, que decorreu ao longo de todo o dia e ficou marcada por alguns momentos de crispação, Carlos Costa chegou a insurgir-se contra o que considerou ser a “agressividade despropositada para com quem exerceu funções públicas” da inquirição conduzida por um dos mandatários da KPMG, sublinhando a sua qualidade de testemunha e não de acusado, o que levou Duarte Santana Lopes a retorquir que também os arguidos neste processo, “acusados de mentir” pelo BdP, têm o direito à defesa do seu bom nome.
Um dos pontos particularmente abordados na audiência de hoje foi a reunião realizada a 06 de junho de 2014 entre a KPMG e o BdP, na sequência do pedido, feito a 30 de maio pelo supervisor, de informação sobre o valor das imparidades da carteira de créditos do BESA caso não existisse a garantia soberana que havia sido emitida pelo Estado angolano no final de dezembro de 2013.
Em causa estiveram, em particular, as cartas emitidas na segunda-feira seguinte, 09 de junho, que Carlos Costa disse hoje terem surgido na sequência da informação prestada na reunião de dia 06, tendo sido confrontado com o facto de as missivas omitirem esse encontro e apenas referirem a informação difundida pelo semanário Expresso nesse fim de semana.
Duarte Santana Lopes sublinhou ter sido a primeira vez, nos inúmeros depoimentos que já prestou sobre o caso Banco Espírito Santo (BES), que o ex-governador se referiu a esta reunião, frisando igualmente o facto de o memorando desse encontro, conhecido apenas no âmbito deste julgamento, não constar dos registos internos do BdP.
Carlos Costa, que por várias vezes invocou o artigo que regula o segredo bancário do Banco de Portugal, afirmou que, por uma questão de “rapidez”, este memorando foi transmitido diretamente à administração, assegurando, contudo, que toda a documentação trocada internamente fica registada no sistema do BdP.
O ex-governador afirmou que só nessa reunião de 06 de junho a KPMG deu informação sobre o valor de 3,4 mil milhões de dólares de perdas caso não existisse a garantia soberana (de 5,7 mil milhões de dólares) e que foi pela notícia do Expresso que tomou conhecimento da atribuição de crédito pela filial de Angola do BES a entidades que não se conheciam.
Carlos Costa afirmou que a garantia soberana emitida pelo Estado angolano remetia para um anexo que nunca foi do conhecimento do BdP e salientou o facto de o BESA nunca a ter executado.
Admitindo que a garantia cobrisse as imparidades, para o ex-governador do BdP isso não invalida o facto de terem ocorrido e de ter existido crédito mal concedido, sem que o auditor tenha prestado essa informação ao supervisor.
Na sua decisão, de 22 de janeiro de 2019, que culminou com a autuação em 17 de junho desse ano, o BdP considerou ter ficado provado que, entre 2011 e, pelo menos, dezembro de 2013, a KPMG e os cinco associados visados sabiam que, no âmbito do seu trabalho de auditoria, nomeadamente para efeitos de certificação das contas consolidadas do BES, não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BESA e que, pelo menos a partir de janeiro de 2014, sabiam que existia um conjunto de dossiers de créditos considerados incobráveis.
Para o BdP, tais factos deveriam ter determinado a emissão de uma reserva às contas consolidadas do BES e deveriam ter sido comunicados ao supervisor.
A juíza Vanda Miguel questionou Carlos Costa sobre o facto de em meados de 2014 o próprio presidente executivo do BESA, Rui Guerra, ter admitido que o retrato "caótico" contido nas atas da Assembleia-Geral de outubro de 2013, espelhado na notícia do Expresso de 07 de junho, tinha sido alterado com informação entretanto prestada e confrontou o antigo governador com os argumentos de que houve prestação de informação já invocados neste julgamento pela KPMG.
A juíza questionou ainda Carlos Costa sobre a existência de uma garantia soberana e o facto de existir reconhecimento e cooperação com o supervisor angolano (o Banco Nacional de Angola).
No julgamento, que decorre desde o passado dia 03 de setembro no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, está em causa a condenação, pelo Banco de Portugal, da KPMG ao pagamento de uma coima de 3 milhões de euros, do seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, de Inês Neves (425.000 euros), de Fernando Antunes (400.000 euros), de Inês Filipe (375.000 euros) e de Silvia Gomes (225.000 euros), de que todos recorreram.
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