Junto à marina do Parque das Nações, em Lisboa, 25 membros do grupo de lesados do Novo Banco, lesados do papel comercial e lesados emigrantes, provenientes da região do Porto, espalharam faixas onde se lia “Roubados Novo Banco”, “Banco de Portugal Irresponsável”, "Exigimos a Provisão" e “Demissão Carlos Costa”, ao mesmo tempo que batiam em bidons de metal para se fazerem ouvir e em tambores. Havia mesmo um com a cara do governador.
O objetivo era serem escutados na casa do governador do Banco de Portugal, guardada por polícias, uma vez que responsabilizam Carlos Costa de os ter enganado.
Fernando Silva, um dos lesados, gritava ao megafone que os lesados tinham sido roubados e instava o governador: “Se és homem, se és ser humano, anda cá fora e enfrenta-me. O que fizeste ao nosso dinheiro? Andaste a distribuir pelos teus amigos?”.
Em declarações à agência Lusa, António Silva, porta-voz deste grupo de lesados, disse que as aplicações destes clientes estavam protegidas por uma provisão de 1.837 milhões de euros que o Banco de Portugal obrigou o BES a constituir e que passou para o Novo Banco aquando da resolução, em agosto de 2014.
Contudo, afirmou, essa provisão que dava aos clientes do papel comercial a garantia de que receberiam o capital investido não foi honrada, acrescentando que "a [consultora [Deloitte] disse que [essa provisão] foi utilizada para pagar [dívidas] a institucionais", incluindo outros bancos.
“Nós não fomos roubados no meio da rua, fomos roubados num banco. (…) Não foi só uma burla no momento da subscrição [em que garantiram que o capital era garantido], foi uma burla continuada”, disse António Silva, acrescentando que diariamente há lesados que enviam cartas registadas ao Banco de Portugal a reclamarem a devolução das suas poupanças e que nunca têm respostas.
Também Fernando Silva, o emigrante que neste protesto empunhou o megafone gritando palavras de ordem, recordou essa provisão e que lhes diziam que com essa cobertura não havia risco.
"O que fizeram não é perdoável. Eu e a minha mulher trabalhámos toda a vida para poupar e agora podermos dar uns passeios, e chegamos ao banco para pedir o nosso dinheiro e dizem que não há nem um cêntimo. Isto é revoltante. Isto é um país da América Latina, para mim não pode ser um país da Europa”, afirmou.
Este lesado disse que já fez perguntas ao primeiro-ministro, António Costa, quando o encontrou em Leixões (Matosinhos) e que este não lhe soube dar respostas, mas garantiu que não baixará os braços.
“Andamos aqui desde 2014, mas vamos continuar, não saímos mais da rua, não abandonamos mais isto, o dinheiro tem de ir para nossas mãos. O senhor Calos Costa não vem cá fora porque se viesse tinha de me enfrentar. Ele consegue dormir depois do que foi feito porque ele está ali livre de perigo, livre da prisão e livre da justiça”, considerou.
Empunhando uma bandeira de França, onde foi emigrante e admite regressar, Alice Sousa disse que tem ido a todas as manifestações desde 2014 e que também não vai parar “enquanto não receber o dinheiro” que pôs no BES.
“Nós não somos ricos, nós não roubamos, ajeitamos a vida para viver bem no fim e não há direito”, afirmou, relatando os problemas que muitos destes lesados vivem, como não terem sequer “dinheiro para comprar uns óculos”.
O BES, tal como era conhecido, acabou em agosto de 2014, deixando milhares de pessoas lesadas devido a investimentos feitos no banco ou em empresas do Grupo Espírito Santo (GES), caso do investimento em papel comercial, que foi vendido pelo BES aos clientes como sendo um produto de capital garantido.
Ainda no início de 2014, quando se começou a perceber a dimensão da falsificação de contas no BES/GES, o Banco de Portugal obrigou à constituição de uma provisão para reembolsar o papel comercial.
No entanto, essa provisão nunca chegou a cumprir a sua função. Com a resolução do banco, em agosto de 2014, e posterior falência do grupo, houve um debate entre o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre se o Novo Banco deveria ou não reembolsar os detentores destes títulos de dívida.
De um lado, o banco central defendia que o Novo Banco só podia avançar com uma solução se não afetasse o seu equilíbrio financeiro, enquanto a CMVM elaborou um parecer jurídico a atribuir a responsabilidade do reembolso ao Novo Banco.
Contudo, o dinheiro nunca foi devolvido aos clientes lesados.
Com a chegada do PS ao poder, em 2015, o primeiro-ministro, António Costa, promoveu uma solução para compensar parcialmente os lesados do papel comercial (cerca de 2.000 investidores) que prevê restituir até 75% do investimento, num máximo de 250 mil euros, a quem fez aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, os lesados recuperam 50% do valor.
Os que aceitaram a proposta já receberam parte da indemnização.
Contudo, houve lesados que se recusaram a assinar essa proposta.
António Silva afirmou hoje que fazê-lo seria compactuar com crime e burla: "Um crime tem de ser tratado com um crime e uma burla com uma burla. Assinar isso é colaborar com um crime e com uma burla", afirmou.
O porta-voz disse ainda que nesta manifestação foram poucos os lesados que se deslocaram a Lisboa devido ao dinheiro que envolve a viagem, ao facto de muitos serem já bastante idosos ou viverem fora de Portugal.
Ainda nesta manifestação um cartaz pedia "prisão perpétua para os responsáveis Ricardo Salgado, Carlos Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho" e foram lembrados os mais de mil milhões de euros que o Fundo de Resolução terá de injetar no Novo Banco.
Os lesados empunhavam ainda cartazes com outros temas de protesto, como "Há políticos pobres que ao fim de uns anos estão milionários", "Exigimos o cumprimento da lei da transparência" ou "Contra as novas comissões na CGD que afetam os idosos".
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