O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, resistiu hoje a uma moção de censura interna no Partido Conservador ao conseguir 211 votos de apoio. Foram registados 148 votos contra.

Feitas as contas, segundo a BBC, Boris Johnson recebeu apoio de 58,8% do Partido Conservador, com 41,2% dos conservadores a votar contra a sua liderança. Todos os deputados conservadores votaram.

Este resultado é inferior aos 63% recebidos por Theresa May durante seu o desafio de liderança em 2018. Por isso, o resultado obtido não está a ser visto como positivo — recorde-se que a ex-primeira-ministra acabou por sair do cargo ao fim de 6 meses.

Tendo sobrevivido à votação de hoje, Boris Johnson pode agora continuar como líder do Partido Conservador e, portanto, primeiro-ministro.

Sob as regras atuais, os parlamentares conservadores não poderão realizar outro voto de confiança no período de um ano.

No entanto, houve especulações de que alguns poderiam tentar mudar as regras, de forma a realizar outra votação mais cedo. Quando questionado sobre este assunto, Graham Brady — que supervisiona o processo—- disse que "tecnicamente é possível".

Apesar de ter vencido esta votação, Johnson ainda enfrenta desafios. A 23 de junho serão realizadas eleições parciais para escolher novos deputados em Wakefield e Tiverton e Honiton. Ambos os assentos são ocupados pelos conservadores e, se forem perdidos para os partidos da oposição, Johnson pode ver-se sob pressão renovada.

Como correu a votação?

  • Enquanto se votava na Câmara dos Comuns, no exterior várias pessoas apresentavam cartazes contra Boris Johnson. Foram vários os manifestantes perto do Parlamento;
  • Theresa May, ex-primeira-ministra do Reino Unido, mas recusou-se a revelar o sentido de voto. Recorde-se que May sobreviveu, em 2018, à moção de censura que poderia afastá-la da liderança do Partido Conservador;
  • Caso Boris Johnson fosse afastado do cargo, eram vários os nomes indicados para a liderança dos conservadores: Elizabeth Truss, Rishi Sunak, Jeremy Hunt, Nadhim Zahawi, Penny Mordaunt, entre outros;
  • Foram registados 300 votos até às 19h00;
  • Vários conservadores escoceses anunciaram no Twitter ter votado contra Boris Johnson:
  • A votação encerrou às 20h00.

Como se chegou a esta votação?

Para levar esta votação à Câmara dos Comuns eram necessários pedidos por carta de pelo menos 15% dos 359 deputados da maioria conservadora, ou seja 54, o que foi alcançado este domingo. O anúncio deste limiar ultrapassado foi hoje feito por Graham Brady, presidente do comité que administra a bancada parlamentar conservadora.

Alguns parlamentares, explicou Brady, decidiram adiar o envio dos seus pedidos até a conclusão do "Jubileu de Platina", os quatro dias de celebrações na Grã-Bretanha para marcar os 70 anos de reinado de Isabel II.

Johnson foi informado na noite de domingo, sendo que o primeiro-ministro britânico e Graham concordaram que "seguindo as regras estabelecidas, a votação deve acontecer o mais rápido possível.

Para vencer o voto de desconfiança é necessária maioria absoluta - 180 ou mais - e Johnson, que acredita no seu famoso talento para o escapismo político, vai começar a discursar aos deputados conservadores durante a tarde.

Hoje, o antigo secretário de Estado das Finanças Jesse Norman juntou-se ao grupo de críticos, enumerando numa carta uma série de razões, incluindo o escândalo ‘Partygate’ e a intenção de legislar para suspender partes do Protocolo da Irlanda do Norte do Acordo do Brexit. “Prolongar esta charada de permanecer em funções não só insulta o eleitorado (…) mas torna uma mudança de governo na próxima mais provável”, disse Jesse Norman.

Um porta-voz do primeiro-ministro afirmou que a votação seria uma oportunidade de "colocar um ponto final e seguir adiante", sendo que Johnson "agradece a oportunidade de expor o seu caso aos parlamentares e vai recordá-los que, quando estamos unidos e concentrados nas causas que importam aos nossos eleitores, não há uma força política mais formidável" do que o Partido Conservador.

E como exemplo do relevante trabalho do primeiro-ministro, a sua assessoria de imprensa divulgou um longo comunicado sobre uma conversa telefónica nesta segunda-feira com o presidente ucraniano, Volodymr Zelensky, sobre a guerra com a Rússia.

Os conservadores normalmente não perdoam

O Partido Conservador tem um histórico implacável com os seus líderes que deixaram de ter apelo eleitoral — incluindo Margaret Thatcher — e Johnson, que chegou ao poder de modo triunfal quando a enfraquecida Theresa May se viu forçada a renunciar apesar de ter superado uma moção de censura, sabe bem disso.

"Não estamos a oferecer a integridade, a competência e visão necessárias aos britânicos e porque já não temos a confiança do eleitorado (...) vamos perder as próximas eleições gerais", previstas para 2024, disse o ex-ministro Jeremy Hunt, que perdeu para Johnson a eleição pela liderança conservadora e, desde então, aguarda este momento para concorrer novamente.

Publicado a 25 de maio, o relatório interno do "Partygate", escândalo das festas organizadas durante os confinamentos decretados na pandemia, detalhou a dimensão das violações das regras anticovid em Downing Street, o que provocou novos pedidos de renúncia ao primeiro-ministro.

Johnson, que apenas recebeu uma multa por ter participado numa festa a propósito do seu aniversário de 56 anos em 19 de junho de 2020 na sala do conselho de ministros, pediu perdão e disse que "não percebeu" que o breve encontro "poderia constituir uma infração das normas".

O governante assumiu "plenas responsabilidades", mas defendeu a sua atuação e negou-se a renunciar, alegando que tinha a responsabilidade de seguir adiante com "prioridades" como a guerra da Ucrânia e a crise pela subida dos custos de vida, que impõe sacrifícios a muitos britânicos e afeta a popularidade do governo.

O discurso, no entanto, não convenceu muitas pessoas nem dentro do seu partido, como John Penrose, o seu "czar anticorrupção", que renunciou ao cargo nesta segunda-feira por considerar "bastante claro que (Johnson) infringiu" o código de conduta oficial e também deveria renunciar.

"A história diz-nos que este é o início do fim", afirmou o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, à rádio LBC. "Se observarmos os exemplos anteriores de moções de censura, mesmo quando os primeiros-ministros conservadores sobreviveram (...) o dano já estava feito e normalmente caíram de maneira razoavelmente rápida", ressalvou, ao recordar os casos de Thatcher e May.

Uma sondagem publicada no domingo no jornal Sunday Times deu ao Partido Trabalhista, da oposição, uma vantagem de 20 pontos percentuais nas intenções de voto na circunscrição de Wakefield, que vai a votos a 23 de junho devido à demissão do deputado Conservador Imran Khan.

Os apupos dirigidos a Boris Johnson na sexta-feira, à entrada da Catedral de São Paulo, em Londres para uma cerimónia de celebração dos 70 anos de reinado de Isabel II, acentuaram a viragem da opinião pública.

Numa sondagem interna, o ‘site’ ConservativeHome vincava que a maioria dos militares (57%) ainda é contra a demissão, mas que o número daqueles que querem uma nova liderança aumentou para 40%.

O antigo ministro do ‘Brexit’ e atual chefe de gabinete de Boris Johnson, Steve Barclay, escreveu hoje no ‘site’ que o partido está a “perder tempo agora com a constante divisão interna” e arrisca desperdiçar a benesse de uma maioria absoluta.

O grupo parlamentar Conservador, vincou, tem de escolher entre “concentrar-se em realizar as políticas necessárias para enfrentar os desafios enfrentados” pelo país ou "perder tempo e energia olhando para trás e para dentro, falando sobre nós mesmos”.

*com agências