Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, entregou-se este sábado à Polícia Federal, para dar início ao cumprimento de uma pena de 12 anos e um mês de prisão. Desde quinta-feira na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, Lula está agora sob custódia das autoridades policiais.

A entrega foi dificultada pelos apoiantes do ex-presidente, que cercaram o edifício para tentar impedir a prisão. Durante a tarde, Lula da Silva tentou abandonar o edifício, todavia, dezenas de militantes bloquearam a saída do veículo em que o ex-presidente pretendia deixar a sede do Sindicato, em São Bernardo do Campo, após anunciar que se entregaria à polícia para cumprir a pena de 12 anos de prisão decretada contra ele.

Após vários minutos de bloqueio, Lula saiu do veículo dos seus advogados, rodeado por manifestantes que gritavam "Não se renda!", e voltou à sede sindical, onde está desde quinta-feira.

Já durante a concentração da cúpula de partidos que apoiam o ex-presidente, que apelava à calma, Lula da Silva tentou novamente abandonar a sede do Sindicato, desta vez a pé.

O ex-presidente acabou por entrar num dos carros da Polícia Federal (PF), que foi escoltado. Imagens da rede Globo mostravam uma caravana policial a seguir a alta velocidade. Num desses automóveis, descaracterizados, seguia Lula. Inicialmente a imprensa dizia que o comboio ia a caminho do aeroporto de Congonhas, no sul de São Paulo, de onde viajaria para Curitiba.

Todavia, o destino foi, afinal, a sede da Polícia Federal em São Paulo, de onde saiu — desta vez de helicóptero — para o aeroporto de Congonhas, onde aterrou às 20:22 (0:22 em Lisboa), seguindo, por voltas das 0:46 locais, de avião, para Curitiba.

A imprensa brasileira dava conta de gritos, fogo de artifício, vuvuzelas e panelas a bater, em reação à entrega de Lula. Junto à sede da PF, em São Paulo, chegou a haver relatos confrontos entre grupos contra e a favor da prisão de Lula, segundo a 'Folha de São Paulo'.

Ainda durante a tarde, Lula e quem o acompanhava chegaram ao estacionamento do Sindicato por uma porta traseira, com o objetivo de deixar o local discretamente por uma porta lateral, mas os apoiantes rapidamente rodearam o carro, impedindo a saída.

Tarde de negociações

Depois de uma primeira tentativa falhada de entrega à PF, a presidente do partido, Gleisi Hoffman, subiu a um carro de som para falar com os apoiantes do ex-presidente. Apresenta as consequências de os militantes não deixarem Lula sair do edifício, mas deixa a decisão nas mãos dos apoiantes.

"Eu queria estar aí gritando, mas não adianta", dizia a também senadora, que procurava demover a multidão.

Lula da Silva abandona o Sindicato a pé, enquanto os apoiantes tentam impedir a sua entrega à Polícia Federal. créditos: EPA/Sebastiao Moreira

Conta o jornal brasileiro 'Folha de São Paulo' que mesmo dentro do edifício do Sindicato os apoiantes de Lula tentam impedir a saída do ex-presidente, bloqueando passagens internas. "As lideranças sindicais tentam apaziguar os ânimos mas há grande resistência em obedecer às orientações para que Lula se entregue sem problema", descrevem os jornalistas da publicação.

A prisão do ex-chefe de Estado — condenado a 12 anos e um mês de cadeia — está relacionada com um dos processos da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção do Brasil. Lula foi condenado por ter recebido um apartamento de luxo como suborno da construtora OAS em troca de favorecer contratos com a petrolífera estatal Petrobras.

A execução provisória da pena não deverá impedir juridicamente a candidatura presidencial de Lula da Silva, à frente nas sondagens para as eleições de outubro.

Luiz Inácio Lula da Silva, 72 anos, foi o 35.º Presidente do Brasil (2003-2011).

"Vou cumprir o mandato e cada um de vós se transformará num Lula"

Na manhã deste sábado, depois uma missa emocionada em homenagem à mulher de Lula, que morreu no ano passado, diante do Sindicato montou-se uma espécie de comício. Perante uma multidão, Lula confirmava a entrega.

"Vou cumprir o mandado (...) e cada um de vocês se transformará em um Lula", afirmou o ex-presidente, que proclamou sua inocência. A militância reagiu em coro, gritando "não se entrega!" e "sou Lula!".

"Ele [Moro] mentiu dizendo que [o apartamento] era meu", frisou, e atribuiu a sua condenação a uma tentativa de evitar o regresso da esquerda ao poder nas eleições de outubro, às quais surge como favorito nas sondagens.

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"Eu há muito tempo atrás sonhei que era possível governar esse país, envolvendo milhões de pessoas pobres na economia, nas universidades, criando milhões de empregos", declarou.

"Esse crime eu cometi. Eu cometia esse crime que eles não querem que eu cometa mais. É por conta desse crime que já tem uns 10 processos contra mim. E, se for por esse crime, de colocar pobre na universidade, negro na universidade, pobre comprar carro, pobre andar de avião, se esse é o crime que eu cometi, eu vou continuar sendo criminoso nesse país, porque eu vou fazer muito mais", afirmou, ao lado de vários líderes de esquerda brasileira, entre elas a sua herdeira política, a também ex-presidente Dilma Rousseff.

No final do seu emocionado discurso, o petista [membro do Partido dos Trabalhadores] foi carregado em ombros pela multidão, de volta para o edifício do Sindicato.

Tensão em Curitiba à espera de Lula

As autoridades de Curitiba reforçaram, este sábado, a segurança antes da chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve começar a cumprir nessa cidade do sul do país uma condenação a 12 anos e um mês de prisão por corrupção.

Diante de milhares de apoiantes em São Bernardo do Campo, Lula anunciou que se entregaria para cumprir o mandado de prisão emitido pelo juiz Sérgio Moro, e deveria ser transferido durante o dia até Curitiba.

Em Curitiba, a polícia decidiu alinhar barreiras de agentes e de veículos para manter separados por cerca de 30 metros partidários e críticos do ex-presidente (2003-2010), que será encaminhado à sede da Polícia Federal.

"Tudo isso é para que não se misturem, para que não haja brigas", explicou um comandante do Batalhão de Policiamento de Trânsito da Polícia Militar, o tenente-coronel Naasson Polak, citado pela agência France-Presse (AFP).

Ao meio-dia, sob um sol escaldante, simpatizantes de Lula começaram a chegar ao local.

Lula "foi o melhor presidente do Brasil, fez uma revolução social, sua prisão é injusta e ilegal", disse à AFP Eunice Campos, psicopedagoga de 60 anos.

Um manifestante que vestia uma camisola identificada com um grupo de "direita de Curitiba" meteu-se na multidão de camisolas vermelhas dos partidários de Lula, que rapidamente o rodearam e o "convidaram a se retirar", em frente a uma grande quantidade de câmaras de televisão.

"Não sei porque me insultam", disse, assegurando estar motivado por "intenções pacíficas", enquanto era tratado como "golpista" e "fascista".

A meio da tarde, começaram a aparecer manifestantes contrários a Lula.

"Estamos aqui para mostrar que não queremos mais impunidade. O povo acordou", disse Thais Taques, rececionista de 33 anos.

"O Lula está dando gargalhada na cara do povo. Foram muitos anos de corrupção. E olha como estão a nossa segurança pública, saúde, educação", acrescentou Taques, que vestia uma camisola com a imagem do deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro, candidato às eleições presidenciais de outubro.

Lula será alojado numa cela especial da PF, de 15 metros quadrados, com casa de banho privada.

A sala é "bastante humanizada, bastante tranquila, um ambiente agradável, mas nada especial", afirmou Jorge Chastalo, chefe da equipa de custódia da sede policial.

Lula terá direito a uma visita semanal de familiares próximos, e poderá tomar "banhos de sol" duas horas por dia.