“É para mim muito doloroso, mas necessário dizer que eu acuso e odeio a ditadura brasileira. Estamos aqui a fazer uma reparação histórica internacional. Estamos aqui também a pedir desculpas ao povo chileno porque a vil ditadura brasileira contribuiu para que houvesse o golpe militar no Chile há 50 anos”, disse o ministro da Justiça e da Segurança Pública do Brasil, Flávio Dino.
O ministro brasileiro discursou na terça-feira durante uma homenagem a seis brasileiros mortos, depois de presos e torturados pela ditadura de Augusto Pinochet há 50 anos. A homenagem ficou materializada numa placa na Praça Brasil, em Santiago do Chile.
“É um gesto de carinho aos mortos e desaparecidos. São nossos heróis. São patrimónios afetivos do povo brasileiro”, definiu Flávio Dino.
Na plateia, autoridades chilenas e representantes da ONU eram testemunhas do inédito pedido de desculpas, mas também de outro surpreendente reconhecimento por parte de um diplomata brasileiro.
Num emotivo discurso, o embaixador brasileiro em Santiago do Chile, Paulo Roberto Soares Pacheco, admitiu que o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil, denominado como Palácio do Itamaraty, foi não apenas omisso no socorro a brasileiros perseguidos, mas também promotor de inaceitáveis violações dos direitos humanos contra centenas de brasileiros, perseguidos pela ditadura de Augusto de Pinochet, que começava a ser instalada naqueles primeiros dias depois do golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.
A Embaixada do Brasil em Santiago fechou as portas aos brasileiros. Mais de cem brasileiros foram presos e torturados, sobretudo no Estádio Nacional do Chile, transformado em centro clandestino de prisão, tortura e extermínio. Dentro do estádio, também havia militares brasileiros que torturaram os seus cidadãos.
Os poucos brasileiros que não foram presos conseguiram refúgio em representações diplomáticas de outros países.
“Essas histórias trazem uma profunda indignação a um servidor do Itamaraty. Os meus compatriotas brasileiros não puderam encontrar na Embaixada do Brasil um lugar seguro para as suas famílias nem um aliado no dever fundamental de assegurar a proteção dos seus nacionais no exterior. Em vez disso, eles encontraram participantes na promoção dessas inaceitáveis violações”, descreveu o embaixador, visivelmente emocionado,.
“Inúmeros cidadãos chilenos, nos anos que antecederam o golpe, garantiram aos meus compatriotas a proteção que lhes foi negada pelas autoridades brasileiras da época. E continuaram a fazê-lo, depois do golpe, mesmo sob significativo risco pessoal”, recordou Paulo Pacheco.
A ditadura brasileira foi instalada em 1964. Antes do golpe no Chile, militares chilenos foram ao Brasil para conspirar para um golpe contra o Governo de Salvador Allende. O Brasil deu apoio ao golpe de Augusto Pinochet, com armamento e com dinheiro, através de empresas brasileiras. Militares brasileiros também ensinaram aos chilenos técnicas de tortura e participaram no Chile em torturas a brasileiros.
Depois de 1964, mas sobretudo depois de 1968, ano em que a ditadura brasileira se tornou mais violenta, mais de quatro mil brasileiros exilaram-se no Chile. O regime militar brasileiro tinha especial interesse em capturar esses exilados.
Devido ao grau de proximidade e coordenação, o embaixador brasileiro em Santiago na altura, António Cândido Câmara Canto, era considerado o quinto membro da Junta Militar chilena, liderada por Augusto Pinochet.
“Quero valorizar e agradecer profundamente as palavras, especialmente aquelas que assinalam uma desculpa por parte do Estado brasileiro pelo papel que a ditadura brasileira teve na ditadura chilena. Considero de um alto significado”, reconheceu a Presidente da Câmara de Santiago, Irací Luiza Hassler Jacob, filha de mãe brasileira.
Na Praça Brasil, foi instalada uma placa em homenagem aos seis brasileiros mortos há 50 anos. Uma segunda placa foi instalada na Embaixada do Brasil, na qual se acrescentou que o golpe contou “com a participação de agentes da repressão brasileira”. Em ambas está a frase: “Nunca mais ditaduras no Chile e no Brasil”.
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