"Sérgio Moro, mesmo no âmbito das suas funções no processo 'Lava Jato', teve um comportamento mais do que judicial, teve um comportamento político ao longo deste anos", frisou Filipe Vasconcelos Romão à agência Lusa, salientando que "a chegada de Moro ao Governo de extrema-direita de Bolsonaro é algo que surge como natural".
O especialista em questões internacionais acentuou que o magistrado judicial, responsável pelo processo que investigou corrupção e lavagem de dinheiro que envolveu a empresa estatal Petrobras e a construtora Odebrecht, "teve comportamento político não apenas na questão das prioridades da investigação, muito mais focadas nos membros de um partido do que de outros".
"Era óbvio que havia posicionamento político de Moro", disse Romão, acrescentando que tal se manifestou "através da forma como foi sugerindo a instrução e os julgamentos, sobretudo de Lula da Silva, ou quando se imiscuiu diretamente, violando a separação dos poderes, dando ordem à Polícia Federal para que não libertasse e não materializasse o 'habeas corpus' (libertação imediata), que um juiz desembargador tinha ordenado em agosto para libertar Lula".
Filipe Vasconcelos Romão observou que "o PT foi muito mais alvo das ações de Sergio Moro do que outros partidos" e salientou o modo como o magistrado judicial "lidou ao longo destes anos com a comunicação social e como, de uma forma seletiva, divulgou, por exemplo, escutas".
O docente na Universidade Autónoma de Lisboa lembrou que parte das escutas divulgadas em determinadas alturas "não tinham nada a ver com processos penais que estivessem em curso", uma das quais uma conversa no primeiro trimestre de 2016 entre a Presidente do Brasil da altura, Dilma Rouseff, e Lula, líder do PT e anterior chefe de Estado.
"Recordo uma conversa com a Presidente da República - personalidade que, nos Estados e democracias consolidadas, têm a suas comunicações de salvaguardadas ou protegidas -, quando Dilma Rousseff pensou em nomear Lula da Silva para ministro da Casa Civil da Presidência. Moro divulgou comunicações e escutas que envolviam a então Presidente e o anterior Presidente", recordou.
Filipe Vasconcelos Romão vincou que "essa divulgação foi feita com claros objetivos políticos, que nada tinham a ver com o processo que estava em curso contra Lula da Silva".
"Houve sempre uma promiscuidade total de Moro em todos estes processos e no seu relacionamento com a política e isto é um passo absolutamente natural e que, só para os mais distraídos ou para os que queriam manter a imagem deste juiz como alguém imparcial, um justiceiro acima das partes, é que se poderá surpreender com o que está a acontecer", argumentou, em alusão ao facto de o magistrado judicial ter aceitado integrar o Governo de Bolsonaro.
Outro exemplo de materialização do comportamento político de Moro foi revelado "na campanha eleitoral para a presidência do Brasil, que terminou a semana passada".
"Moro divulgou também depoimentos e escolheu um dos dias da campanha eleitoral para divulgar depoimentos que claramente podiam comprometer o PT, sendo que não era obrigado a fazê-lo nessa data e, mais uma vez, comprometendo e não demonstrando imparcialidade, imiscuindo-se na campanha", disse, lembrando que o juiz revelou em muitas ocasiões que não entraria na política.
Realçando a comparação de Moro com "os juízes que estiveram por trás da operação 'Mãos Limpas', em Itália, nos anos 90", o especialista refutou a "visão idílica" de que o agora indigitado membro do Governo "era um juiz imparcial e independente da política e que levaria até ao fim a sua promessa de não entrar em Governos e não fazer parte da política".
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