O retrato é feito pela Associação dos Industriais de Tomate (AIT), que conta com cinco associados e sete fábricas, representando cerca de 70% da produção nacional.
“Até chegarmos aqui, não tem sido uma campanha completamente tranquila. As interferências climáticas, obviamente, tiveram consequências. O ano foi atípico e não sei se podemos afirmar que este vai ser o futuro”, afirmou o secretário-geral da AIT, Miguel Cambezes, em declarações à Lusa.
No período de formação dos frutos, as chuvas acabaram por ter um impacto negativo, que ainda não é possível avaliar na totalidade.
A isto soma-se uma temperatura diferente daquela que Portugal, tradicionalmente, registava, formando um ‘cocktail perfeito’ que danificou uma parte da cultura.
Contudo, sem “desenvolvimentos climatéricos negativos”, é possível que esta campanha tenha uma qualidade normal.
O impacto das alterações climáticas na fileira do tomate é muito claro no que se refere, por exemplo, à duração da própria campanha, que passou de, aproximadamente, 90 dias para um máximo de 60 dias.
Para atenuar este impacto, conforme apontou a associação, os produtores são cada vez mais especializados e também recorrem, por vezes, à tecnologia que permite fazer uma gestão da seara. Contudo, ainda não é possível fazer esta intervenção “quase de forma instantânea”.
Miguel Cambezes recordou que, hoje em dia, a apanha do tomate é quase totalmente mecanizada, mas continua a ser necessária mão-de-obra, numa altura em que se registam, cada vez mais, dificuldades de recrutamento, transversais a muitos setores.
“Nós, industriais, temos um conjunto de funcionários que contratamos para a campanha e, obviamente, no passado tínhamos maior facilidade em recrutar, porque recorríamos a muitos estudantes em férias, que resolviam trabalhar nas fábricas, fazer um pouco de formação e aumentar o seu nível de rendimento. Hoje, a situação não é assim tão fácil, mas penso que está em linha com as dificuldades que existem nos mais variados setores”, referiu.
Estas dificuldades, conforme apontou, ressalvando não fazer qualquer juízo de valor, estão ligadas “às posições diferentes” que as pessoas adotaram relativamente ao trabalho, sobretudo, após a pandemia de covid-19.
A AIT defendeu que esta fileira tem assim de se adaptar a esta nova realidade, apesar de existirem cenários impraticáveis, como a semana de quatro dias de trabalho.
“Durante a campanha, trabalhamos sete dias por semana, 24 horas. É um setor que não se compadece de uma gestão de recursos humanos que não seja a de aproveitamento total dos recursos e de maximização. Nós não paramos durante os dias da campanha, a não ser para fazer a limpeza e manutenção dos equipamentos”, assinalou.
Só para a região de Águas de Moura, Palmela, no distrito de Setúbal, a Eurofirms, multinacional espanhola de gestão de talento, lançou uma operação para preencher 350 vagas no grupo HIT, no âmbito da campanha do tomate.
Entre as funções disponíveis está a descarga de camião, abastecimento de linha, inspeção visual e escolha de tomate, processamento e enchimento de bidons.
Questionada pela Lusa, a empresa disse que o número de vagas é “idêntico ao do ano passado” e que tem a expectativa de preencher todos os postos necessários para esta campanha.
A Lusa contactou também a Sumol+Compal e a Sugal, mas não obteve resposta.
China deve ser obrigada a cumprir regras iguais às da Europa para produzir tomate
Os industriais do tomate defendem que a China deve ser obrigada a cumprir as mesmas regras que os produtores europeus, de modo a que não seja criada uma situação de concorrência desleal, e estão a sensibilizar Bruxelas.
“A China é o segundo ator mais importante em termos de produção [de tomate], a seguir aos Estados Unidos. É preciso olhar para a China, como se olha para qualquer outro país que produz tomate, e respeitar as regras de comércio mundial. Não pode haver qualquer discriminação da China relativamente à Turquia, ao Irão ou a quem quer que seja”, defendeu o secretário-geral da Associação dos Industriais de Tomate (AIT), Miguel Cambezes, em declarações à Lusa.
A indústria europeia depara-se com regras que não são aplicáveis à China, em matérias como produção, segurança alimentar ou higiene, levantando problemas concorrenciais.
Perante este cenário, está a dialogar com a Comissão Europeia, de modo a que se avalie a possibilidade de adotar medidas de combate a este problema.
Conforme vincou a AIT, “as regras têm de ser iguais para os agentes económicos que competem no mesmo mercado”. Assim, a indústria europeia espera sensibilizar Bruxelas, demonstrando o problema que está a ser criado pelo mercado chinês.
Os produtores europeus esperam não ser necessário adotar outras medidas, para além da sensibilização, para travar este problema, mas não excluem essa possibilidade, apesar de não adiantarem mais detalhes.
A AIT esclareceu que o setor não é favorável à criação de barreiras artificiais contra qualquer país, mas prefere pautar-se por uma “posição filosófica de base” – as mesmas regras têm de ser aplicadas a todos os produtos que entram na União Europeia.
Miguel Cambezes notou ainda que Portugal tem uma particularidade que faz com que o país sinta, de forma mais visível, o impacto desta condição da China.
Do ponto de vista percentual, Portugal é o país que mais exporta tomate na União Europeia.
No total, 95% da sua produção destina-se ao mercado externo.
“Não é o maior exportador, em termos europeus está entre o terceiro ou quarto lugar, mas exporta percentualmente mais. Cada vez que há turbulência no mercado mundial, Portugal é dos que mais sofre porque está 95% exposto”, apontou.
A produção chinesa de produtos da indústria do tomate passou de 6,2 milhões de toneladas em 2022 para 11 milhões de toneladas em 2024.
Países como os EUA, Reino Unido e Canadá boicotaram, em 2021, as importações de tomate de Pequim.
Estes mercados acusaram a China de recorrer a práticas que não respeitam os trabalhadores e o ambiente, produzindo grandes quantidades a baixo custo.
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