Afinal, qual o grande projeto de Portugal? É a pensar no desígnio do país - "que ninguém parece saber qual é" -, que Carlos Lobo traça um retrato da administração pública e aponta pedras na engrenagem. A ideia era falar dos contribuintes, começámos pela Autoridade Tributária, mas a conversa rapidamente foi para a habitação, para o ambiente e para a máquina pesada em que se transformou o Estado.

Especialista em Finanças Públicas e Direito Fiscal, a crítica começa no modelo contabilístico do Estado, que é do tempo do Marquês de Pombal e está obsoleto, e acaba no "legalismo napoleónico", que vai muito além do objetivo da lei e é um travão ao desenvolvimento. Os grandes investimentos públicos e privados vieram, por isso, à baila: da TAP ao novo aeroporto, da Start Campus à Volkswagen.

Para o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que se considera do centro esquerda, o Estado devia ser gerido como uma grande empresa privada (salvaguardando o interesse público e os apoios sociais), mas não é assim que as coisas funcionam. Os portugueses ficam a perder e Carlos Lobo explica porquê.

Estamos em plena campanha eleitoral, as coisas ainda muito indefinidas em termos de resultados. Se tivesse de apostar, que vai vencer, PS e a esquerda ou PSD e a direita?

Não sei, veja o que aconteceu nos Açores. Tenho uma posição relativamente a isso, não suporto discursos de não entendimento entre o PS e o PSD. Na prática, estamos a ver o PS a dizer que ou o PSD se orienta com o Chega ou não vai lá nenhum e o PSD a dizer que ou o PS se orienta com o Bloco de Esquerda ou não vai a lado nenhum. Onde é que está o centro? Uma pessoa do centro vota em quem?

Conceptualmente, os mais de 20% que votam no centro não sabem em quem vão votar. E assistem com tristeza a este discurso radical. O que é trágico - se formos ver a economia comportamental, a teoria dos jogos, dilemas de prisioneiros ou mesmo a teoria da concorrência -, é há modelos matemáticos para isto e os algoritmos pegam nisto.

Atenção, não estou a dizer que seja um bloco central, mas tem de haver um entendimento relativamente às grandes questões. É falar, discutir e avançar, não é como a questão do aeroporto, em que anda tudo às cabeçadas. Sem haver a necessidade de se andar a empurrar as coisas para os extremos, porque quem ganha com isto são os extremos.

Olhe para o que está a acontecer em Espanha. Aí também ganhei uma série de almoços, porque apostei sempre que era Pedro Sánchez que ia ganhar. Agora, os efeitos são tramados, eles estão muito pior do que nós. Aqui ainda é a politiquice corriqueira, lá é uma questão estrutural de existência. Mas temos de nos organizar e acho que a situação em que estamos era completamente desnecessária.

"Quando dá um milhão de euros a um diretor-geral, o que é que ele faz? Gasta-o, não importa em quê. Porque sabe que se não gastar, para o ano recebe menos dinheiro"

Foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo Sócrates, isso é mais currículo ou cadastro?

Não, foi ótimo. Primeiro porque fui trabalhar com o professor Teixeira dos Santos, que já conhecia do tempo do professor Sousa Franco, foi um excelente ministro e é um ótimo técnico, académico e pessoa. Depois porque a liberdade era total, conseguimos fazer montanhas de coisas: o RNH [residentes não habituais], o regime fiscal da reabilitação urbana, o SNC, preparámos as bases da arbitragem tributária, que foi logo implementada, fizemos os estudos todos da reforma fiscal de 2009, que foram implementadas nos anos seguintes. Foi um ótimo período.

Na altura em que me contrataram, eu não queria. Só aceitei porque havia um horizonte limitado de dois anos até à saída, esse foi o meu acordo preliminar.

Porquê?

Porque não conseguia sobreviver, não havia condições para me manter com a remuneração de secretário de Estado, esse é o problema. Uma pessoa tem encargos tendo em consideração um determinado nível de rendimentos, depois não pode sobreviver com o que recebe ali. Por isso, era um horizonte limitado, com total liberdade para fazer o que quisesse.

Estávamos com a crise de 2008, aconteceu tudo. O que me deixou triste, porque o acordo era sair em 2009, mas depois, quando vi o que aconteceu, fiquei de consciência pesada. Sabia que ia ser mau, mas nunca pensei que fosse tão mau. Mas foi um período excecional, os RNH mudaram o país, o regime de reabilitação urbana também, tínhamos as cidades a cair. Optámos sempre por reorganizar e readaptar, de tal forma que sou o principal contestatário da anulação dessas medidas.

créditos: Pedro Marques dos Santos | MadreMedia

Se o regime de residentes não habituais era tão bom, por que motivo acha que o governo acabou com ele?

Por questões de politiquice. Começou a haver as queixinhas tradicionais, da tal gentrificação das cidades. Quando falamos de bairros como Alfama ou Campo de Ourique, começa a haver uma inveja nacional relativamente aos ricos, que passaram a ser a base de todos os males. Foi essa pressão que acabou com o regime de RNH. Aliás, vai-se chegar à conclusão que o regime é tão essencial ao nível da atração de talento que vamos ter de o reativar rapidamente - porque não são ricos, são pessoas abonadas do estrangeiro que escolheram Portugal para viver de forma pacífica.

Mais de metade do investimento direto estrangeiro (IDE) em Portugal foi investimento imobiliário, diz o Banco de Portugal.

A questão é que há um erro de perceção. Os estrangeiros, esses ricos (não estou a falar dos migrantes de base), correspondiam a menos de 5% da aquisição de imóveis em Portugal. O problema do imobiliário em Portugal é a ausência de oferta. E esses ricos, que não são ricos, permitiam ter margens de rentabilidade para fazer as casas de habitação a preços mais reduzidos. A construção em Portugal nos últimos dez anos foi um décimo dos dez anos anteriores, esse é que é o grande problema.

O investimento público caiu. O Conselho Económico e Social (CES) estava preocupado porque ficou "muito aquém" do proposto pelo no Orçamento do Estado.

Mas como, se não conseguimos decidir nada em termos de investimentos estruturais? Só com o novo aeroporto a coisa resolvia-se. Mas sempre que fazemos alguma coisa cai o Carmo e a Trindade.

O que leva uma pessoa cheia de ideias a chegar ao governo e não conseguir implementar reformas, onde é que as coisas empanam?

No meu caso consegui os objetivos a que me tinha proposto. Mas tem de ser disruptivo. Já tinha estado no Ministério das Finanças sete anos, sabia como aquilo funciona, conhecia as armadilhas todas da burocracia para envolver o decisor numa turba diária, impedindo-o de fazer as operações.

Primeiro, é preciso ter um plano. Porque nos primeiros dez minutos é-se completamente torpedeado pelos problemas diários, que não vão a lado nenhum. O problema é preparar as coisas, e os programas de governo são, infelizmente, muito ténues em termos de medidas concretas de implementação. Quando lá estive tinha o programa bem definido, foi ignorar os pseudo ou proto-problemas diários.

Ah, e a carreira dos funcionários da Autoridade Tributária também fui eu que defini, que foi aprovada literalmente, passados dez anos, em 2019, sem mudar uma vírgula daquilo que eu tinha acordado. Na altura não se queria dar à AT aquilo que foi acordado, que é agora o problema agora da PJ [Polícia Judiciária] e da PSP [Polícia de Segurança Pública], mas a AT sempre teve um regime de exceção porque, efetivamente, funciona numa ótica de resultados.

Já que falamos da AT, explique a lógica dos prémios em função do dinheiro sacado aos contribuintes - a quem muitas vezes o Estado é obrigado pelos tribunais a devolver dinheiro.

Essa é outra. Se há função crítica no Estado é a da AT, porque não temos petróleo, vivemos dos impostos. Na altura, havia a história da fraude e da evasão fiscal em Portugal, que era uma desgraça. Esse discurso entretanto desapareceu, a partir do momento em que fizemos o SAF-T, o e-factura, os nossos modelos de controlo, ficámos ao nível da Alemanha e da Dinamarca.

Mas, em 1996, tínhamos a dívida coerciva, que não era executada. Os serviços de finanças tinham as dívidas identificadas, mas ficavam na gaveta, não eram executadas aos contribuintes. Nessa altura já tínhamos o Fundo de Estabilização das Alfândegas e criámos o Fundo de Estabilização Tributário [FET], mas não era para isso. A verdade é que para reduzir a dívida coerciva, passou a pagar-se o tal prémio, com dinheiro do FET.

Isso foi de 1996 a 2006, agora já se esgotaram os stocks de dívida coerciva, o que significa que  tínhamos de redefinir o FET para outras realidades. Mas isso não foi feito e continuamos com o mesmo modelo. Na prática, estamos a dar um incentivo anómalo para uma agressividade extrema, quando a ameaça já não existe.

Isto já é antigo, mas nunca consegui uma resposta do Ministério das Finanças. O fisco errou em dez mil declarações de IRS de 2015 e mais tarde veio exigir a devolução de 3,5 milhões de euros aos contribuintes. Por que razão não foi o FET a pagar o erro?

Não sei. Mas, por acaso, escrevi uma coisa no LinkedIn por causa das cobranças, e eles da Inspeção Tributária concordaram. Está aqui: cobrança efetiva em modo colaborativo, realização de inspeções preventivas que reduzam litigância, número e prazos de emissões de pedidos de informação vinculativa normais exigentes para reduzir, qualidade do serviço ao balcão, aumento da receita efetiva retirando os efeitos das opções de política, redução dos gaps de receita, redução dos custos de compliance.

Isto são tudo indicadores. Uso o LinkedIn um pouco como diário de bordo, dá-me uma raiva e escrevo. Mas uma coisa é certa, não há função mais importante no Estado, ao nível da manutenção, do que a administração tributária, porque ela é a base tudo o que possamos ter a nível de Estado social.

Temos uma administração tributária transparente?

[Ri] Acho que a administração tributária é melhor do que a generalidade do país, mas ainda é um bocado o espelho do país. Por exemplo, as estatísticas são inexistentes. Não sei, por exemplo, qual é a receita de determinadas medidas, é totalmente opaco. Mas eu sei porquê; como têm poucos recursos, têm de os aplicar naquilo que dá dinheiro, e as estatísticas não dão dinheiro a ninguém.

Não dão porque não há e não são utilizadas, sabe-se lá a poupança e os ganhos de eficiência que seria possível obter se houvesse.

Mas é isto, temos dois ou três funcionários, é melhor aplicá-los na cobrança e na inspeção, que geram rendimento, do que estar a perder tempo a fazer as estatísticas. Podiam valer mais, mas não no imediato. Mas não há um programa de opacidade, é mesmo à portuguesa. Portugal não tem mau fundo, é mesmo desorganização.

Em campanha, as promessas seguem em modo leilão: pensões, salários, apoios sociais, quem dá mais? Isto é fazível?

Mas leiloa-se o quê? Leiloa-se o dinheiro dos outros. Na prática, quanto mais se aumentar o salário mínimo, está-se está a tirar aos operadores privados, mas também se aumenta a receita, porque as pessoas ficam com mais dinheiro para aquisições, para o consumo interno. Porque quem ganha o salário mínimo não paga IRS.

O PS sempre apostou no consumo interno, desde a altura de Rocha Andrade [secretário de Estado dos Assuntos Fiscais 2015-2017] e de Centeno [ministro das Finanças]. Em 2016, foi essa a estratégia. E funcionou. Por isso, concordo em absoluto.

créditos: Pedro Marques dos Santos | MadreMedia

A questão não é se funcionou, é se foi suficiente. Não é possível fazer melhor?

Podíamos fazer muito melhor. O que isto nos diz, e o que eu costumo dizer sempre, é que se conseguimos fazer isto com ineficiência e com a obsolescência do nosso sistema de gestão orçamental, podíamos fazer muito melhor se nos transformássemos num país a sério ao nível dos modelos de gestão. Os ativos do Estado, como os imóveis, por exemplo, estão completamente desaproveitados.

"Em vez da despesa de 3,5 mil milhões na TAP, era preciso ver o efeito desses 3,5 mil milhões: criaram valor ou não? Mas isso tira liberdade ao político nas suas decisões"

Mas estes governos PS foram pródigos em grupos de trabalho, alguns na área dos imóveis do Estado. E, passados mais de oito anos, não há resultados.

Pois não há. É como o Documento Único Automóvel: tivemos 20 anos de grupos de trabalho até que um dia a Comissão Europeia chegou e disse "é assim". Porquê? Porque tínhamos o registo automóvel, o IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes], a Direção-Geral de Viação, as Finanças e andava tudo ali às cabeçadas porque ninguém queria perder os seus poderes. Depois, em três meses fez-se o documento único automóvel.

Nos imóveis é a mesma coisa. Tinha a Direção-Geral do Património do Estado, que foi extinta e incorporada na Direção-Geral do Tesouro e Finanças, que deixou de fazer o que quer que fosse. Nem sequer tem um cadastro dos imóveis do Estado, isso não existe.

Porquê?

Primeiro porque não temos o cadastro territorial, que é a base. Depois porque temos nos imóveis urbanos um problema que é orçamental. Temos um sistema de orçamentação de caixa, o que significa que só são contabilizados os fluxos monetários. Se o Estado tem um prédio e precisa de o reabilitar para o manter funcional, vai fazer despesa. E só a despesa é contabilizada, o aumento do valor do prédio causado pela despesa não conta para nada, não tem reflexo orçamental.

Não há uma valorização, por isso é que não há nenhum incentivo em aplicar um euro sequer num prédio. Mesmo que esse euro signifique um ganho de dez em termos de valor. Porque o nosso modelo de finanças públicas não absorve esse ganho.

"Ninguém pergunta: muito bem, o Estado dá isto, mas com o que é que te comprometes em troca? Por exemplo, reduzir os rácios de criminalidade em xis, aumentar os resultados académicos em ípsilon"

Então é apenas um problema de modelo de gestão, que devia ser mudado?

Claro, sim, essa é a minha luta. O Marquês de Pombal já tinha isso, que é o que a Comissão Europeia também quer. E nós estávamos no bom caminho, porque Portugal, em 2015, foi o primeiro país a fazer a mudança da legislação para este modelo. A legislação existe, o que é ridículo é que não a aplicamos.

Porque é que a Nova Zelândia é um país de referência a nível global? Porque fez isso. Qualquer decisão pública é analisada em termos de aumento de valor. A última grande questão da Nova Zelândia foi a valorização dos parques nacionais, dos parques naturais na parte ambiental. A partir do momento em que são estabelecidas metas de incremento de valor, a coisa muda totalmente.

Para ter noção, quando dá um milhão de euros a um diretor-geral, o que é que ele faz? Gasta-o, não importa em quê, gasto-o onde quer que seja. Porque sabe que se não gastar, para o ano recebe menos dinheiro. Independentemente dos resultados que obtenha. Mas isto é o que é, as pessoas respondem às regras do jogo e as regras do jogo são estas.

As regras do jogo da gestão do Estado, atualmente, são ter mais orçamento, ter mais pessoal. Sempre. Daí a história dos vencimentos dos polícias, a história dos agricultores, a história dos professores. Mas ninguém pergunta: muito bem, o Estado dá isto, mas com o que é que te comprometes em troca? Porque quando falo de valor económico, não é preciso ser monetário. É, por exemplo, reduzir os rácios de criminalidade em xis, aumentar os resultados académicos em ípsilon, definir objetivos.

Por exemplo, para os bombeiros vão 500 milhões. Em vez de ser para combate a incêndios, é para evitar os incêndios. São outras métricas que é preciso escolher.

E por que motivo não se faz isso, onde está a dificuldade?

Primeiro é por desconhecimento. Há uma impreparação do Estado relativamente a isto, à maneira como se fazem estes cálculos. O que é ridículo. Quando eu era secretário de Estado, introduzimos o SNC [Sistema de Normalização Contabilística] das empresas, passámos do POC [Plano Oficial de Contabilidade] para o SNC numa ótica de valorização, do justo valor, que era a grande questão.

Fui ter com Domingos Azevedo, que era bastonário [da Ordem dos Contabilistas Certificados]: os contabilistas querem ter mais valor acrescentado? Queremos. Então estou a dar-vos a competência para, efetivamente, serem assessores para a criação de valor nos vossos clientes, em vez de serem meros registadores. Passam a definir um valor efetivo, para que as contas sejam mais transparentes e haja mais valor.

Daí a reforma do IRC. Fez-se essa mudança, que ninguém queria, no ano. Se era para ser, era para fazer. O Estado, onde isto seria muito mais fácil, anda nisto há dez anos. E está adiado para 2026, mas ninguém mexe uma palha.

O PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] tem cerca de 300 milhões para o Ministério das Finanças fazer esta mudança. Agora, por causa desta história da redução da dívida pública, só não disse para fazerem uma estátua ao Medina porque ele não fez nada disto. Porque ele tinha a capacidade e a equipa para o fazer e não fez.

E porque é que acha que não fez?

Porque se tem receio dos resultados. Ou seja, o modelo de gestão fica muito mais exigente, já não há tanta liberdade. Por exemplo, em vez da despesa de 3,5 mil milhões na TAP, era preciso ver o efeito desses 3,5 mil milhões: criaram valor ou não? Este modelo implica analisar os efeitos da medida. Mas isso tira liberdade ao político nas suas decisões.

"A história do novo aeroporto é trágica, o dinheiro que se está a perder. Façam-no em qualquer lado [...] Os benefícios de qualquer decisão são imensamente superiores a não fazermos nada"

Pelo receio de a decisão ter efeitos negativos?

Na minha altura, fizemos a análise da capitalização da Caixa Geral de Depósitos. E provou-se que os 4,5 mil milhões que foram lá postos aumentavam o valor da CGD, como se verificou. É isto que tem de ser feito com a TAP, com a Efacec, com todos os investimentos. Não é só toma lá, é verificar, efetivamente, os ganhos.

A história do novo aeroporto é trágica, o dinheiro que se está a perder. Façam-no em qualquer lado, porque os 1,7 mil milhões que se está a perder e que se vão perder nos próximos dez anos é só inacreditável. É criminoso.

Por exemplo, o que faz Espanha? El Prat, Barcelona, 40 mil milhões de passageiros; Madrid, Adolfo Suarez-Barajas, 90 milhões de passageiros. Estão a aumentar para quê? Para nos secar. E nós, impávidos, achamos que os hubs se mantêm por decreto. Isto, quando a realidade económica assenta precisamente na previsão de crescimento. O que os espanhóis estão a fazer é secar as previsões de crescimento em Lisboa. E isto é tão óbvio…

Mas continuamos, porque fez-se uma Comissão Técnica Independente para depois se colocar em causa os resultados dessa Comissão Técnica Independente. Quem a nomeou foram as universidades, os reitores. Portugal é pequeno, não há tanta gente assim para ir buscar.

"O que faz Espanha? El Prat, Barcelona, 40 mil milhões de passageiros; Madrid, Adolfo Suarez-Barajas, 90 milhões de passageiros. Estão a aumentar para quê? Para nos secar. E nós, impávidos, achamos que os hubs se mantêm por decreto"

Por isso talvez se pudesse ter feito um concurso ou uma seleção internacional. Não?

Isso é irrelevante, façam em qualquer lado. Arranjem uma tômbola, tipo sorteio, mas façam, tem de ser feito. Os benefícios de qualquer decisão que venha dali são imensamente superiores a não fazermos nada. Quer seja em Santarém, em Vendas Novas, em Alcochete ou Montijo ou a reativar Beja imediatamente e fazer uma auto-estrada até lá. É preciso é ter uma solução.

Para ser franco, não percebo porque não fazem um terminal três no Montijo, como é o terminal dois, não é preciso gastar lá 700 milhões de euros. Os aviões militares aterram lá. O que vejo é que o placard da 2.ª Circular já se está a aproximar dos 1,8 mil milhões e ninguém é responsabilizado por isso. Dizemos que a base economia portuguesa é o turismo, mas depois verificamos a quantidade de voos, de slots, que estão a ser negados. Isso é sabotagem à economia.

A Espanha está a fazer isto, os anúncios de Barcelona e de Madrid não são por acaso, é para marcar posição no sentido de pressionar. Como a nossa infra-estrutura é monopolística, a rentabilidade é sempre garantida, a concessão garante a exclusividade na recolha dos proveitos. Alcochete tem quatro pistas? Façam duas. O que é preciso é ter capacidade de expansão em caso de necessidade.

Sinceramente, concordava com a posição de Pedro Nuno Santos. O que é preciso é andar, não podemos estar aqui a engonhar. Se começamos a colocar tudo em causa outra vez, não decidimos.

"Dizemos que a base economia portuguesa é o turismo, mas depois verificamos a quantidade de voos, de slots, que estão a ser negados. Isso é sabotagem à economia"

Isto é totalmente inaceitável. São estas decisões, esta falta de análise, que é preciso fazer. E depois são as politiquices, esquecemos a policy e andamos aqui às cabeçadas. E isto é antagónico deste modelo de análise económica e de criação de valor, que é crítica num mundo altamente concorrencial.

créditos: Pedro Marques dos Santos | MadreMedia

Porque há muitos interesses em jogo, estamos a falar de muito dinheiro. E, como diz, somos alérgicos a decidir, veja o caso do TGV [comboio de alta velocidade].

O TGV que vem do Porto não entra em Vila Franca. Na prática implica fazer um túnel de 40 quilómetros de Vila Franca a nem se sabe onde, porque não é a Estação do Oriente que aguenta. Por isso, o TGV vai sempre ter de dar a volta pela Lezíria. Até porque um dia vai ter de sair para Madrid. Vai sempre precisar de uma nova ponte ferroviária no Barreiro-Chelas, nem que seja para Espanha e para Faro. Não podemos esquecer que os espanhóis têm Sevilha, portanto, temos de ligar Faro-Sevilha.

Mas por que motivo é o Estado a definir isso e não os privados que estiverem interessados na concessão?

Por causa do modelo das concessões. Em 2030 temos o fim da concessão da Lusoponte, que pode ser antecipada para 2027. A 25 de Abril está a cair aos bocados, tem de reduzir a sua capacidade em 50% para ter uma grande manutenção nos próximos quatro anos, e a Vasco da Gama está paga. Na ótica do direito comunitário, só pode manter as portagens se necessitar de melhorias, e o dinheiro das portagens não pode ir para o Orçamento do Estado.

Mas tem de manter as portagens por uma questão de limitação da entrada de carros em Lisboa, o que significa que fica com um volume de dinheiro. Tem de fazer qualquer coisa, como investir na próxima concessão - que não custa dinheiro, tem as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama a pagar isso.

Então, paga não só para fazer a ligação ferroviária nova, como ainda paga para fechar o anel da Trafaria e Algés, da CRIL com a A33. Está planeado. Isto vai permitir desenvolver toda a margem sul de forma harmoniosa. E quando fazemos essa análise de valor, não é a despesa do novo aeroporto, não é a da nova ponte, é uma nova cidade para mais 2 milhões de habitantes na margem sul, de forma organizada. Que não se consegue fazer na margem norte, porque está bloqueada.

Esta é a análise que se deve fazer, ou seja, o aeroporto é apenas um dos elementos desta nova cidade de Lisboa para o século XXII. Que neste momento está desorganizada. Sabe quanto tempo demora, por exemplo, uma pessoa do Montijo a Almada em transportes públicos? Duas horas e quarenta e cinco minutos, sendo que a melhor forma é vir a Lisboa e depois apanhar o barco duas vezes.

Ou seja, a verba da Lusoponte serve para isto, para a nova concessão. Que é preciso começar a definir. Agora, tem de escolher a localização do novo aeroporto em função da opção de desenvolvimento. É evidente que um aeroporto faz com que toda a área do centro, de Leiria, de Santarém, tenha outra capacidade, mas essa é a grande opção: desenvolver e consolidar Lisboa enquanto metrópole forte de quatro milhões de habitantes, organizada.

E a margem sul pode ser uma Lisboa idílica, basta que se organize para isso. Tem praia, o clima é bom, tem espaço. É perfeito, não pode é ser gerida à Xavier de Lima [empresário da área da construção], e não estou a dizer isto de forma depreciativa, mas ao nível de usar o giz, nem os municípios podem estar de costas voltadas, as coisas têm de ser geridas de forma organizada para se criar valor, não se pode discutir estes temas separadamente.

No início da conversa falei da Autoridade Tributária, mas esqueci-me de perguntar sobre as comissões liquidatárias. No caso do BPP, por exemplo, já lá vão quase 15 anos, a lei prevê um ano. E, muitas vezes é a administração fiscal a empatar, a gestão que veio muito depois da saída de João Rendeiro. Ficam ali a litigar, Estado contra Estado.

É Portugal. Os desgraçados da Madeira ficaram detidos 21 dias, e na faculdade de Direito aprendi que as 48 horas eram um prazo peremptório. Nós esquecemo-nos, mas acho bem que isto seja contabilizado. Até a associação de juízes se insurgiu, como toda a gente, mas não acontece nada.

O problema é que nós esquecemo-nos de qual é o fim e focamo-nos no processo. Enquanto os americanos e os anglo-saxónicos sabem qual é o objetivo e trabalham nesse sentido, nós não. Começamos a embrenhar-nos nas minudências formalísticas napoleónicas. Para nós é mais relevante a legalidade do procedimento e do processo do que a finalidade. Por isso não conseguimos lidar com processos complexos, porque nos enredamos. Aliás, os mega-processos em Portugal dão vontade de ir. Nos Estados Unidos resolvem aquilo em seis meses, seja qual for o processo em causa. Nós fazemos acórdãos de três mil páginas.

"Havia uma profissão ótima, que era a de professor universitário. Até que aparece Deus, que, para chatear o professor universitário, criou outro professor universitário"

Que deviam ser proibidos. 

Exatamente. Andamos ali em copy paste intermináveis e esquecemos o fundamental. Costuma-se dizer em Direito que não há nenhuma boa tese de doutoramento que não seja resumida em duas páginas. Também não há nenhum acórdão que não possa ter uma página de introdução, quatro com a síntese dos factos e duas com as conclusões. Façam isso.

Se é tão óbvio, porque não se faz?

Como se costuma dizer, havia uma profissão ótima, que era a de professor universitário. Até que aparece Deus, que, para chatear o professor universitário, criou outro professor universitário. Os velhos do Restelo são esses, há sempre um contra-vapor natural. Está no Eça de Queiroz. Se tivéssemos vivido em 1450, ainda não tínhamos passado o Bugio, eles estavam lá a perguntar porque é que iam lá para fora.

O nosso problema é este. Tal como somos muito bons a atingir metas - foi preciso fazer Expo em dois anos e dois anos depois ela estava lá -, somos péssimos a fixá-las. Temos aversão a objetivos e a decidir. E isso é marcante. Depois é o nosso legalismo, achamos que a lei, o império da lei, é algo total. Mas é aversão ao risco individual; se não tomamos a decisão, não somos responsabilizados.

"Tal como somos muito bons a atingir metas, somos péssimos a fixá-las. Temos aversão a objetivos e a decidir"

Disse que é do centro-esquerda. O que é exatamente isso de ser do centro-esquerda?

Não sei, não sei. É o meu posicionamento. Mas talvez até possa dizer: o posicionamento do centro-esquerda é alguém que acredita na eficiência dos mercados e que acha que o mercado deve funcionar da melhor forma possível sem empecilhos, mas também acredita na redistribuição enquanto elemento positivo para este aumento da eficiência dos mercados.

É o que alguns definem como esquerda liberal, é isso?

É. É mas não é. Ou seja, a esquerda liberal acha que para haver redistribuição tem de haver primeiro produção. E coloca a questão da igualdade como sendo instrumental da eficiência e não a eficiência como instrumental da igualdade.

O PS, desde que foi posto o socialismo na gaveta, sempre foi social-democrata. Isto é na vertente económica, depois temos a vertente social: as igualdades, as minorias, os costumes. Aí sou totalmente liberal, um pouco como a Iniciativa Liberal; cada um faça o que quiser, não é o Estado que se deve meter nessas questões. E se há situações de algum constrangimento, esse constrangimento deve ser reduzido.

O PSD não é assim, porque quando está no poder torna-se intervencionista, algo que é antagónico.

Pode dar um exemplo?

Olhe, a privatização da Lusa, a privatização da Cimpor, a privatização da REN. Não estou a dizer que era contra, mas todas essas decisões podiam ser feitas de uma forma diferenciada, mas foram feitas de tal forma, com uma liberdade tal, que não se manteve no Estado o nível de regulação que devia. É uma opção.

É o problema do desígnio. Diga-me lá, qual é o desígnio do Portugal?

Não sei. Qual é, para si, o grande objetivo do país?

Podem ser diversos. Pode ser a formação e a educação; temos 30% dos jovens a ir para o estrangeiro. Formámo-los, mas deixamo-los ir. Atenção, não sou totalmente crítico nisto, porque o mundo é global, as pessoas ganham em ir lá fora, mas o Estado deve dar o direito de opção às pessoas. Isto também é centro-esquerda, o direito de opção livre da tomada de decisões e a não imposição.

Para mim, parece-me claro qual é o desígnio: é crescer. O país tem de crescer economicamente. O nosso desígnio devia ser o país atingir os melhores estádios de desenvolvimento económico do mundo, tendo em consideração que temos as condições para tal. Somos um país que tem risco reduzido. O elemento central na economia atual é gestão de risco: risco de guerra, risco de terrorismo, risco de sublevação social, risco climático, risco de segurança, risco sanitário. Somos um país de brandos costumes, temos um clima relativamente estável, as pessoas gostam de vir para cá, temos de atrair talento. Já que não temos fecundidade, temos de mandar vir pessoas de fora.

Mas também nunca discutimos isso, como se a imigração fosse um tema tabu.

Aí tem uma questão clássica, acho que estamos a dizer que temos de ter uma política passiva, quando devíamos ter uma política ativa. Portugal devia ter uma política ativa de angariação de talento externo. E as pessoas querem vir para cá. Mas depois começamos a discutir quotas. A burocracia gera opacidade e gera corrupção e máfias.

Somos um país aberto, sempre fomos cosmopolita e temos de continuar a ser. Agora, temos de receber melhor as pessoas do que estamos a fazer. As coisas, como estão na Estação do Oriente, não podem continuar. Mas a culpa é da nossa hipocrisia. Mas, atenção, eu sou do mais favorável a isto, acho que que queira vir viver para Portugal deve vir, mas traga a família, sejam bem acolhidos. Independentemente de ser do Bangladesh ou dos Estados Unidos. Agora, convém escolher.

No início da entrevista falou no entendimento entre PS e PSD. Onde é que podia e devia haver entendimentos?

Olhe, relativamente ao tal desígnio que não temos, como foi aprovado em 1976. Estamos a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, e em 76 houve um acordo relativamente à Constituição. Podíamos fazer um novo acordo estrutural relativamente aos grandes temas do país.

Primeiro, decidir qual é o desígnio. Os grandes projetos de infra-estruturas - neste momento quem manda é a IP, que funciona dentro dos gabinetes de engenharia naquilo que pode e sem recursos necessários, a tentar manter alguma ordem no sistema. As grandes cidades - o que é a Grande Lisboa? Como desenvolvemos o interior e criamos uma economia florestal? A questão da agricultura - para onde caminhamos? A questão da água e das alterações climáticas, das barragens.

O problema da decisão democrática no nosso modelo é que ela funciona a quatro, quanto muito a oito, e aqui estamos a lidar com problemas intergeracionais. E a solidariedade intergeracional não funciona em modelos democráticos de base rotativa. Em termos de economia comportamental, mais vale um pássaro na mão do que dois a fugir. A geração futura ainda não vota e isso coloca um grave problema ao nível da aplicação de recursos. E dos investimentos.

Já falou de alguns. E isto é assim quando temos o dinheiro do PRR, imagine-se como seria sem essa verba.

O PRR do Algarve, por exemplo. O Algarve fez um trabalho brutal, conseguiu-se o dinheiro para o transvase do Alqueva, e para duas dessalinizadoras, está lá previsto. Agora começou a guerra da localização da dessalinizadora, que já passou a uma, mas agora são os estudos de impacto ambiental. Sei porque ajudei a AMAL [Comunidade Intermunicipal do Algarve] a fazer o plano e as verbas foram alocadas. E é crítico.

E estamos a falar de projetos do tempo de Marcello Caetano, já reparou?

Outra situação absolutamente portuguesa, o Start Campus. Temos ali um investimento de 3,5 mil milhões com 2 mil postos de trabalho qualificado. Foi tudo abaixo por causa de um proto lago temporário, que não existe. Conseguimos destruir tudo só por questões legalísticas de um proto habitat de urzes. É este nosso legalismo.

"Em termos de perceção internacional as bandeiras vermelhas estão levantadas e ninguém se atravessa a aconselhar alguém a investir em Portugal"

Eu queria voltar a essa questão, porque não se pode estar acima da lei, pode? Quem é que decide que regras se podem infringir ou contornar?

Mas qual lei? Quem é que está acima da lei? Também não se pode ter pessoas detidas durante 21 dias. O que é trágico no Start Campus, e a situação não é clara, é que foi o governo - pelos vistos era um governo quase todo -, a tentar inverter uma situação. E não conseguiram.

E os influenciadores também não, na prática não deu nada. Era um investimento estratégico. O que é trágico é que tivemos em Sines a central termoelétrica a emitir milhares de toneladas de CO2, temos a refinaria ao lado, a Repsol, dantes a Borealis, e, basicamente, o problema é o Centro de Dados. Está a ver a nossa cabeça? É isto.

Lítio: Portugal é a base das matérias-primas críticas da União Europeia. Conseguimos destruir toda a fileira do lítio. Anda-se agora a tentar fazer due diligence [diligências prévias] jurídicas, pareceres para dizer que não há problema nenhum, mas os investidores internacionais fogem de Portugal. Portugal transformou-se num país de risco político. Por muito que o primeiro-ministro e o ministro da Economia digam que querem sossegar os investidores, quanto mais fazem, pior é. Porque conseguimos criar toda esta instabilidade. Onde é que está o hidrogénio? Depois do que fizeram no Start Campus, como é que convence um fundo a investir em Portugal? Isto é um mundo pequeno.

Faz-me lembrar uma coisa: os californianos das amêndoas, antes de fazerem o investimento em Portugal, reuniram-se connosco e nunca mais me esqueço da última pergunta: "Há algum risco político de o Alentejo pedir a independência?" Porque foi na altura da tentativa de independência da Catalunha. Rimos um bocado e achámos que, efetivamente, o grau de risco era nulo. Mas agora o grau de risco político existe. Neste momento, em termos de perceção, Portugal tem um governo que se demitiu por corrupção, primeiro-ministro e governo. Não somos um país confiável. Como é que alguém vai investir aqui?

Por isso digo que a nossa situação é uma situação complicada. Em termos de perceção internacional, por muito que se vá dizer lá para fora, as bandeiras vermelhas estão levantadas e ninguém se atravessa a aconselhar alguém a investir em Portugal.

Quando falamos em adaptar o sistema aos investidores e dizemos que isso é irregular, devia-se ir ver o que se fez na altura da Autoeuropa para adaptar o nosso sistema legal e acomodar o investimento da Volkswagen. Quando agora se diz que se está a favorecer o investidor, é isto o que se faz no mundo inteiro. Lembro-me do que os austríacos fizeram para desviar a base da Easyjet para Viena. É concorrência total e é isso que se faz, obviamente.

Quando temos um investimento que é marcante, obviamente que as estruturas naturais não estão adaptadas e têm de ser alteradas. E isso não é um motivo de desconfiança. Neste momento é tudo motivo de desconfiança. Não conseguiremos, neste perspetiva, concorrer internacionalmente. É esse bloqueio que temos.

"Estamos a criar um problema de desarticulação entre a vertente ambiental e a vertente económica. Porque estamos a extremar"

Falou há pouco nas questões climáticas, um problema de todos, mas sobretudo dos mais jovens. Muitos dos entraves são ambientais. É apenas um pretexto?

Estamos a criar um problema de desarticulação entre a vertente ambiental e a vertente económica. Porque estamos a extremar. Isso é outro entrave ao desenvolvimento. A questão dos agricultores, na base, tem este extremismo, quando o modelo devia ser um modelo de desenvolvimento sustentável e articulado. Por causa do nosso legalismo napoleónico, mais uma vez. É mais relevante a letrinha da lei do que o objetivo final. Temos de ultrapassar isto, senão ficamos pelo caminho. Estas estruturas são todas legalistas.

Mas quem põe estas pessoas nas direções regionais e noutras estruturas?

São pagas para fazer aquilo.

É mais fácil deitar um ministro abaixo (ou um governo) abaixo do que um diretor-geral?

Sabe porquê? Porque um ministro agora, se tentar influenciar um diretor-geral para ter bom senso, é um influenciador, está a violar a lei. Neste momento, até o diretor-geral tem medo do parecer do funcionário mais baixo, porque não pode influenciar. Tem o poder na base. Quando, na prática, um funcionário mais baixo, obviamente, tem aquele dever e aquela função, mas isso depois deve ser dirimido ao mais alto nível, há uma hierarquia. É a história do Ministério Público. As pessoas têm liberdade, mas os superiores hierárquicos têm a competência funcional de fazer a ponderação. Só que neste momento isso não se pode fazer.

Isto resulta da nossa vertente legalista da interpretação da norma em si e não do objetivo final. O objetivo do legislador passa à parte literal. É a aversão ao risco, porque se eu tiver a letra da lei como salvaguarda já não posso ser acusado. E outra, estamos num nível tal de desconfiança que o 'não' é desresponsabilizador e o 'sim' é gerador de risco, o que torna as coisas ingeríveis. A situação é complicada, estamos enredados numa teia.

Por isso digo que é necessário um novo, entre aspas, 25 de Abril. Nos 50 anos devíamos pensar seriamente na questão e desanuviar um pouco a tensão nestes diversos níveis, fomentando o crescimento e garantindo que o país tem viabilidade. Portugal podia ser muito mais rico. Repare, só no lítio, no hidrogénio, no Start Campus estamos a falar de cerca de 20 mil milhões de investimento que estão paralisados.

A última investida foi na semana em que Comissão e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre esta matéria. Foi no mesmo dia. Como é que isto se explica? E não temos consciência do dano que fizemos à Europa.

Por isto é que falo de um entendimento entre os dois partidos, porque PS e PSD ainda têm cerca de 70% dos votos. Não é o PS com o Bloco de Esquerda, não é o PSD com a Iniciativa Liberal.

Agora que fala da Iniciativa Liberal, e não é o único partido a apresentar esta proposta, o que pensa da flat tax de 15% no IRS? Faz ou não sentido e porquê?

Isso é começar pelo telhado. Tem de se fazer toda a reforma a partir de baixo para depois chegar aí. Primeiro tem de fazer a reforma sobre a estrutura de despesa do Estado, e nós continuamos com o modelo do século XIX em vigência para o século XXI. Temos de reformar todo o modelo de despesa tendo em consideração as novas funções do Estado.

Depois tem de fazer a reforma das finanças públicas e só no final tenho margem para baixar impostos. Só posso baixar a receita se baixar a despesa. Essa ideias são muito giras, mas não funcionam. Para isso tenho de reformar, tenho de ter crescimento económico, tenho de pôr o Estado a funcionar juntamente com a economia e, depois, com os ganhos do crescimento económico, fazer o retorno. Este pacto fiscal tem de ser feito com base nos aumentos de produtividade.

É só não nos suicidarmos coletivamente a todos os momentos. No meio deste suicídio coletivo, qual foi o país que cresceu mais na Europa no último ano?

Mas, além de estarmos mais atrasados do que os outros, o PIB per capita não cresce, que é o que interessa.

Não cresce porque não desenvolve toda a estrutura para fazer isso. Olhe o aeroporto, olhe o Start Campus, fazer com que a fileira do lítio ficasse instalada, fazer com que o setor florestal funcione em vez de ser diabolizado.

Acha que António Costa se demitiu por causa do último parágrafo da PGR?

Não sei porque é que António Costa se demitiu, só sei a parte pública. Mas o presidente da República era livre de não aceitar a demissão. Havia uma maioria absoluta estável e foi apresentada uma solução.

O governo era de maioria absoluta, mas não sei se era estável. Cenas de pancadaria, 14 demissões, greves em todos os setores?

O problema é que está refém destas corporações. O Estado não está habituado, não está adaptado a este novo regime de escrutínio diário com base em questiúnculas de todos os dias. Andamos a apagar foguinhos permanentemente, tendo em consideração perceções.