Um ano depois, o regresso ao Japão está agora pensado para março. O casal assume, porém, que ficarem retidos em Cabo Verde foi a melhor coisa que lhes aconteceu e numa altura em que se tornaram autênticas figuras públicas no arquipélago.
“Tem sido espetacular. Era suposto ficarmos três semanas, mas ficámos um ano. Por isso, somos quase cabo-verdianos”, conta, em conversa com a Lusa, Rikiya, profissional de vídeo, ladeado pela mulher Ayumi.
A aventura de Rikiya Kataoka, 30 anos, e da mulher, Ayumi, 31 anos, começou em 2019, depois do casamento, em abril, e após pouparem durante meses para uma viagem de lua-de-mel de volta ao mundo que durante um ano teria passagem por cerca de 25 países.
Depois de percorrerem oito países, chegaram à ilha cabo-verdiana do Sal em 26 de fevereiro de 2020. Ao fim de duas semanas viram o país encerrar as ligações aéreas internacionais, para travar a progressão da pandemia, e ficaram literalmente isolados naquela ilha cabo-verdiana, quando a volta ao mundo ia a um terço. Sem ligações para o exterior do Sal durante meses, aquela ilha tornou-se casa para o casal, deliciado com o mar azul, o calor e as pessoas.
“Já podíamos ter voltado há algum tempo para o Japão, mas não o fizemos porque adoramos Cabo Verde”, explica Rikiya, sempre de sorriso rasgado. Isto tendo em conta que alguns voos internacionais, essencialmente para Portugal, começaram a ser repostos em outubro.
Depois de vários meses isolados no Sal, entre jogos de futebol de rua, passeios na areia e uma ida a banhos todos os dias, descritos quase sempre com vídeos num diário que colocaram nas redes sociais, para os amigos e família no Japão, o casal começou já este ano a conhecer o resto do arquipélago. Já visitaram as ilhas de São Vicente, Santo Antão, Santiago, Boa Vista e Fogo.
“A melhor ilha para viajar foi o Fogo, para viver o Sal”, diz.
Mas se a previsão do casal é regressar ao Japão em março, Rikiya garante que é por pouco tempo: “Já decidimos que vimos morar para Cabo Verde no próximo ano”.
O casal já criou uma empresa cabo-verdiana e até 2022 conta mudar-se de vez para Santa Maria, ilha do Sal.
Até agora, a milhares de quilómetros de casa, Rikiya foi assegurando em Cabo Verde trabalhos de edição de vídeo e fotografia para clientes no Japão, enquanto não podia regressar. Além de voluntariado local, o casal tem produzido conteúdos multimédia para as redes sociais de restaurantes e hotéis do Sal, e mais recentemente sobre as visitas às restantes ilhas, vistos milhares de vezes.
Uma aventura mediática que no último verão, ainda com o país totalmente encerrado a voos internacionais, não passou despercebida em Cabo Verde. O Comité Olímpico cabo-verdiano, a pensar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021 (adiados de 2020 devido à pandemia), decidiu convidar ambos para serem embaixadores olímpicos do país. No Japão, vão levantar a bandeira de Cabo Verde, país que nunca conquistou uma medalha olímpica.
Na sexta-feira foram mesmo recebidos pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, no palácio do Governo, na Praia, que os elogiou como exemplo da adaptação em tempos de pandemia, numa altura em que o Cabo Verde, com pouco cerca de 400 casos ativos de covid-19, até lançou um programa internacional para tentar cativar estrangeiros para trabalharem remotamente a partir do arquipélago.
A Rikiya, que já não dispensa a cachupa e a ‘t-shirt’ das cores da bandeira cabo-verdiana, faltam-lhe as palavras para descrever o que viveram no último ano e que os levou a ficarem em Cabo Verde.
“Muitas coisas, mas sobretudo as pessoas. As pessoas são tão boas, tão generosas, mostraram-nos a ‘morabeza’ [amabilidade, em crioulo] todos os dias. Isso é o mais importante para nós”, assume, enquanto articula algumas palavras do crioulo cabo-verdiano que também já fazem parte do dia a dia dos dois.
Para o casal, Cabo Verde foi a surpresa de uma vida, onde “nem as pessoas que são mais pobres” lhes fazem pedidos: “Às vezes são eles que nos dão coisas”.
E para quem ainda há um ano não falava português, a conversa termina com um direto: “obrigado”.
Comentários