Hoje o dia foi cheio de várias reações ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Lisboa, após beneficiarem de uma alegada 'cunha' com interferência da Presidência da República.
Em primeiro lugar, destaque para o primeiro-ministro, que afirmou que este era um caso habitual. "Relativamente ao que diz respeito ao meu gabinete, nós já confirmámos que recebemos uma comunicação da Casa Civil da Presidência da República, entre muitas outras que recebemos, e fazemos o que habitualmente fazemos com esse expediente: há um reencaminhamento para os ministérios competentes em razão da matéria. Ponto final".
Acrescentou ainda "só para esclarecer" que "as entidades competentes estão a fazer as averiguações que são necessárias" e que, "aparentemente, o Ministério Público está, o senhor ministro da Saúde [Manuel Pizarro] determinou uma inspeção por parte da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. Aguardemos essas informações".
Já o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que também foi uma das reações do dia, afirmou que “estranharia se a decisão médica fosse ultrapassada por uma pressão política”, respondendo que isso seria “mesmo inaceitável”.
“A decisão clínica tem que prevalecer num serviço de saúde e tem absoluta prioridade sobre todos os pontos de vista”, defendeu.
Questionado sobre declarações do antigo ministro Correia de Campos, que disse que até tinha um assessor para tratar das 'cunhas', disse que “é preciso distinguir a dimensão relativa das coisas”.
“Evidentemente que na governação há muitos pedidos de cidadãos, muitas reclamações, muitas queixas que têm que ser tratadas e são legitimamente tratadas numa sociedade democrática”, mas, vincou, “isso é muito distinto de alterar as ordens de prioridade normal do funcionamento dos serviços”.
Por sua vez, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, diz só poder aguardar pelos "resultados" do Ministério Público.
"Nós não nos vamos imiscuir nos poderes da Procuradoria-Geral da República (PGR) nesse âmbito. Não devo, não posso, não irei fazê-lo. Naturalmente, a PGR irá prosseguir aquilo que entender ser a sua atuação e nós aguardaremos os resultados desses procedimentos", disse.
A mais recente reação é da antiga secretária de Estado da Saúde, Jamila Madeira, que afirmou que nunca soube do caso das gémeas.
Em declarações à Lusa, a antiga governante – que esteve no Ministério da Saúde entre outubro de 2019 e setembro de 2020, ao mesmo tempo que a ex-ministra Marta Temido e o ex-secretário de Estado Lacerda Sales — admitiu que as comunicações enviadas da Casa Civil da Presidência da República para o gabinete do primeiro-ministro fossem depois reencaminhadas para os respetivos ministérios, mas que tal não chegaria aos secretários de Estado.
“Comigo, nada. Os casos clínicos não passavam pelo meu gabinete. À partida, não passariam pelo Ministério, mas pelo meu gabinete muito menos. Só questões de financiamento ou de coisas desse género”, afirmou Jamila Madeira, continuando: “Nunca tive no meu gabinete nenhum pedido que viesse do gabinete do primeiro-ministro. Se havia noutros, não me posso pronunciar, isso não sei”.
Reiterou ainda desconhecer que chegassem ao Ministério da Saúde exposições de casos clínicos particulares a apelar a uma solução.
“De todo. Nem os mais difíceis, nem os mais fáceis. Não tenho conhecimento nenhum. Não estou a admitir que fosse normal… Os hospitais têm autonomia para tomar decisões clínicas e são tomadas nesse contexto, tudo o resto é o que se especula na imprensa”, disse.
Reforçou também que, por ser economista e não da área clínica, as abordagens que lhe chegavam dos hospitais eram genéricas e, sobretudo, relacionadas com questões orçamentais.
Questionada sobre a alegada indicação de que a consulta para as gémeas no Hospital de Santa Maria teria sido solicitada por um secretário de Estado, tendo já Lacerda Sales defendido na terça-feira que “nenhum secretário de Estado tem poder para marcar consultas”, a antiga governante assumiu apenas que tal não era prática consigo.
Por fim disse ainda: “Se fico surpreendida? Não fico, nem deixo de ficar. Não sei se era prática ou não, comigo não era. Mas pelos outros não posso falar”.
Recorde-se que o caso das gémeas foi revelado numa reportagem da TVI, transmitida no início de novembro, segundo a qual duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, – um dos mais caros do mundo — para a atrofia muscular espinhal, que totalizou no conjunto quatro milhões de euros.
Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso.
O caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde e é também objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.
*com Lusa
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