“O meu cliente está diagnosticado com doença de Alzheimer, como está comprovado. As declarações estão comprometidas e, em defesa da dignidade humana, a defesa não vai aceitar que ele preste mais declarações. Não por não querer, mas por causa da doença. É esta a decisão da defesa”, declarou o advogado Francisco Proença de Carvalho, depois de várias questões de identificação feitas pela juíza-presidente Ana Paula Rosa.

O ex-banqueiro chegou à sala de tribunal pelas 10:15, poucos minutos depois de ter entrado pela porta da frente do Juízo Central Criminal de Lisboa, visivelmente debilitado e acompanhado pela mulher, Maria João Salgado, e pelos dois advogados, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce.

Após uma pequena indefinição onde o ex-banqueiro e a mulher poderiam ficar sentados, uma vez que Salgado assumiu ter perdido audição e que não conseguia ouvir bem, o tribunal começou a proceder à identificação formal do arguido. A juíza-presidente perguntou o nome, o nome dos pais, a data de nascimento, o estado civil e o local onde morava – questões às quais Ricardo Salgado conseguiu responder.

Porém, quando questionado sobre a morada de residência, expressou a primeira limitação: “Tenho de perguntar à minha mulher”.

Já sobre o que fez na vida, o antigo presidente do BES soube indicar que foi banqueiro. “Sempre”, complementou, antes de voltar a mostrar dificuldades para demonstrar saber os factos do caso que o levaram a estar hoje em tribunal: “Isso já não sei explicar”.

Ricardo Salgado reconheceu e identificou de seguida o ex-ministro da Economia Manuel Pinho, igualmente presente na sala de audiência, e foi quando a juíza procurou confirmar que trabalharam juntos no BES e onde também conheceu a mulher do antigo governante e também arguida, Alexandra Pinho, que a defesa de Salgado acabou por interromper.

A juíza-presidente Ana Paula Rosa argumentou que ainda nem tinha feito perguntas e que estava somente na fase de identificação.

Acabou então por questionar apenas Ricardo Salgado se sabia que o julgamento já tinha começado há algum tempo e se permitia que continuasse na sua ausência, ao que o ex-banqueiro acedeu. A audição terminou ao fim de 10 minutos, praticamente dois anos depois de ter estado pela última vez no Campus da Justiça, então no julgamento do processo separado da Operação Marquês, em que seria condenado em março de 2022 a seis anos de prisão.

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, está a ser julgado no Caso EDP por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais, num processo em que são também arguidos o ex-ministro da Economia Manuel Pinho (corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal) e a sua mulher, Alexandra Pinho (branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido).

Advogado diz que Salgado “nem sabia bem ao que vinha” e critica justiça

O advogado do ex-banqueiro Ricardo Salgado criticou hoje a justiça portuguesa e apelou à dignidade, considerando que o ex-presidente do Banco Espírito Santo “nem sabia bem ao que vinha” na audição em tribunal para o julgamento do Caso EDP.

“Não é só a dignidade humana do doutor Ricardo Salgado que está em causa, é a dignidade da justiça portuguesa, que tem de decidir se quer uma justiça digna, que se serve dos princípios dos direitos humanos, que está adstrita, no fundo, às convenções internacionais dos direitos humanos, uma justiça democrática, em que as pessoas têm verdadeiramente direito a um processo justo e equitativo”, afirmou Francisco Proença de Carvalho.

O advogado do ex-banqueiro lembrou que a doença de Alzheimer “não é uma brincadeira” e considerou que “não é preciso uma perícia (…) para chegar à conclusão do óbvio”, acrescentando: “A verdade é que o trouxemos e ele nem sabia bem ao que vinha, portanto, acho que a justiça tem mesmo de tomar uma decisão em defesa, não do doutor Ricardo Salgado, mas de todos nós”.

“O meu cliente, muitas vezes, não sabe em que dia é que está, perde-se em casa, muitas vezes não sabe o nome de familiares próximos. Não é só na defesa da dignidade humana dele, é na defesa da história dele e da dignidade da justiça portuguesa. Ele não pode, obviamente, esclarecer com a mínima consistência o que quer que seja num processo com esta complexidade”, sublinhou.

Francisco Proença de Carvalho reiterou que o ex-banqueiro viria sempre a tribunal se fosse chamado e argumentou, perante a questão de ter entrado hoje pela porta da frente, que “uma imagem vale mais do que mil palavras”.

Reiterou também que o antigo presidente do BES não se pode defender e explicar em tribunal por razões médicas e não por não querer fazê-lo.

O advogado deixou ainda um aviso para um eventual processo contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) pela forma como a justiça tem lidado com Ricardo Salgado e a sua situação clínica nos diversos processos que enfrenta. Para Francisco Proença de Carvalho, este cenário resultaria, no seu entender, numa condenação praticamente certa de Portugal por violação dos direitos humanos.

“Se a justiça portuguesa continuar a comportar-se da maneira mais indiferente a esta situação, o Estado português será de certeza condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Não tenho dúvidas que mais tarde ou mais cedo a justiça portuguesa será digna da sua história humanista e democrática”, referiu.

A audição de Ricardo Salgado hoje em tribunal durou apenas 10 minutos e não passou da fase de identificação formal perante o coletivo de juízes, uma vez que a defesa do ex-banqueiro interrompeu o procedimento, invocando a “dignidade humana” para travar mais questões do tribunal no julgamento do Caso EDP.

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, está a ser julgado no Caso EDP por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais, num processo em que são também arguidos o ex-ministro da Economia Manuel Pinho (corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal) e a sua mulher, Alexandra Pinho (branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido).

(Notícia atualizada às 11h59)