Catarina Barreiros tem sido uma voz ativa no meio português contra o desperdício. Arquiteta, fundadora da loja Do Zero, da Cidade do Zero e criadora de conteúdos digitais, foi uma das convidadas a fazer parte da primeira sessão pública com a presença do Papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Quando o SAPO24 lhe perguntou como foi receber o convite, gaguejou, respirou fundo, e confessou que às vezes sente que está "numa realidade paralela, porque é um enorme privilégio, e um reconhecimento, ter um convite para estar com Sua Santidade, sobretudo vindo do Presidente da República". Mas, com a cabeça mais fria, discorre o argumento: "por outro lado, revela muito sobre a importância que estas duas importantes figuras de Estado dão à juventude, e ao papel que a juventude tem".

Para Catarina, este convite foi "duplamente especial". Por um lado, porque foi feito pela Presidência da República já que faz parte do "Grupo de Reflexão de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o futuro do país, e está lá enquanto alguém que  representa as causas ambientais. "E, sendo católica, faz-me ainda mais sentido poder combinar na vinda de uma figura de Estado como o Papa, que tem vindo a falar tão abertamente sobre a causa ambiental também. Posso aliar aquilo que são as minhas convicções pessoais com aquilo que é o meu trabalho. E sim, acho que finalmente temos chefes de Estado a dar importância ao ambiente, e logo figuras tão importantes."

Catarina não exclui que o facto de ser católica possa ser uma forma de ter mais atenção para as suas preocupações ambientais durante este evento, mas prefere contextualizar. "Acredito que com o Papa Francisco ser alguém católico, ou não católico, é indiferente. O Papa Francisco gosta de ouvir as pessoas pelas causas que elas defendem independentemente da fé que partilham ou independentemente dos meios culturais que partilham ou não". Contudo, acredita que "pode ajudar, neste momento, ser uma voz católica e ser um evento católico". E reconhece que tem sido mais procurada por canais de comunicação porque é "uma visão de dentro".

O papel que tem, aceita-o com responsabilidade de quem sabe a importância que tem o facto de também ser católica. "Mas também acho, precisamente por ser católica, que posso e devo ser a primeira a exigir mais da minha Igreja sobretudo numa altura em que está numa fase de muito escrutínio necessário que só peca por vir tarde. O facto de ser católica dá esta autoridade, para ser um pouco mais dura, e mais exigente, com a Igreja. Porque a mudança tem que começar de dentro, e eu faço parte da mudança que é necessária fazer, a começar em mim."

Sobre a sessão em que participou, destaca o que tantos já experienciaram: que o Papa Francisco tem o "dom da palavra, e o dom de não se esquecer de assuntos importantes que convivem entre si". Considera "extraordinário" que o Papa tenha conseguido "ao mesmo tempo que defendeu o ambiente, ajudar-nos a perceber o porquê desta defesa do ambiente". Na visão de Catarina, a "tríade" escolhida pelo Papa,  "o ambiente, o futuro, e a fraternidade" são três "pilares quando falamos de sustentabilidade, os três pilares em que sustentou a segunda parte do discurso foram os que realmente importam. Nós queremos ambiente, porque queremos a dignidade de toda a gente que vive no mundo. Porque queremos que toda a gente possa ser feliz, e não apenas uns selecionados, uns iluminados. Queremos uma vida justa para toda a gente".

Catarina regressa ao início da sua ideia, "o Papa Francisco falou de ambiente mesmo quando não falou de ambiente. Falou de ambiente quando falou da importância de recebermos os migrantes, falou de ambiente quando falou de diversidade, falou de ambiente quando falou de acolher, recebendo as culturas das outras pessoas. Tudo isto faz parte do ambiente. E, portanto, acho que se manteve muito fiel à causa cristã, porque o que pauta o cristianismo é o acolhimento a todos, percebendo que a defesa da causa comum é absolutamente inerente a este tema do ambiente".

"Sinto que muitas das coisas que aconteceram nesta jornada, muitos dos excessos que existiram, vão pouco ao encontro daquilo que é a filosofia jesuíta, daquilo que é a filosofia do Papa Francisco"

Confrontada com a quantidade de merchandising e desperdício que há na JMJ, diz sentir uma "dualidade". Mas a dualidade vai para além das suas convicções ambientais, também a forma como vê a fé não se conjuga com desperdício. "Por um lado todos os eventos de grande dimensão, até aos dias de hoje, ainda apostam muito no merchandising. Faz-me alguma confusão, sobretudo naquilo que eu acredito ser a Igreja Católica. Consigo compreender querer levar para casa uma lembrança, consigo compreender esses símbolos". Ela própria guarda com carinho uma t-shirt da JMJ de Madrid, em que foi peregrina. "Mas acho que tem de haver um limite. E acho que este Papa é muito veemente naquilo que importa realmente. Sinto que muitas das coisas que aconteceram nesta jornada, muitos dos excessos que existiram vão pouco ao encontro daquilo que é a filosofia jesuíta, daquilo que é a filosofia do Papa Francisco. Sobretudo, naquilo que nos vem dizer na encíclica Laudato Sí,  uma encíclica que está virada para o ambiente, assim como a Fratelli Tutti que está virada para a importância da fraternidade, e de todos."

E, olhando em volta - e principalmente para dentro - Catarina acredita que "a mensagem que o Papa Francisco quer passar é muito mais que uma impressão numa t-shirt. Por isso tenho esta dualidade dentro de mim". Reconhece ainda que "é um evento com muito espalhafato, que é difícil para mim encarar tudo isto, quando o que interessa não é essa parte. Mas também reconheço que é uma oportunidade incrível de nos podermos emergir na esperança das palavras do Papa Francisco, e naquilo que tão bem ele faz que é mostrar ao mundo que há como prepararmos um mundo melhor".

No que à Jornada diz respeito, a curto prazo Catarina espera ainda voltar a cruzar-se com o Papa. "A semana ainda não acabou, espero poder estar com ele mais um ou dois dias, a ver".

A longo prazo, nas jornadas que ainda vierem a acontecer, "gostaria, sobretudo, de ver de ver uma JMJ em que as estruturas montadas servissem também para o propósito seguinte. Como já aconteceu noutras jornadas, já houve estruturas criadas que se transformam em escolas, que se transformam em estruturas que servem a população." Na visão de Catarina, pode-se "aproveitar este tipo de eventos para melhorar a vida de toda a gente, não apenas para pôr autocarros a circular durante seis dias que depois não têm seguimento".

Np final, partilha um desejo: "acho que nos pode ensinar muito sobre receber pessoas do mundo todo. Estamos muitas vezes, na Europa, a tentar lidar com problemas de imigração como se fossem problemas de outras pessoas. Nós aqui estamos a receber muita gente com muita felicidade e convivemos todos com muita felicidade. No fundo o que eu gostava é que haja uma concretização real do espírito que é vivido na jornada, do espirito de que é imbuído a Igreja, daquilo que nos fala o Papa Francisco que não é só fazer por fazer, é fazer para manter e melhorar a vida das pessoas".