“Este é o Governo do muito pouco, muito tarde. A contestação nas ruas aumenta porque há um Governo do muito pouco, muito tarde”, afirmou Catarina Martins em declarações aos jornalistas em Lisboa, à margem de uma conferência internacional sobre autismo promovida pela representação do Bloco de Esquerda (BE) no Parlamento Europeu.

A líder do BE apontou que, “enquanto as pessoas sentem que a vida fica cada vez mais difícil, cada vez mais cara, as escolas a degradarem-se, o acesso à saúde a degradar-se”, o Governo é “absolutamente incapaz de dar uma resposta, sempre vitimizando-se com as crises internacionais”.

“Depois vamos à comparação europeia e percebemos que afinal o problema não é internacional, porque em Portugal os preços estão a subir mais do que noutros países, o Governo faz menos para subir salários e pensões do que noutros países e, portanto, há mesmo um problema de opção do Governo”, criticou.

Catarina Martins – que anunciou que não se recandidatará à liderança do BE na próxima convenção do partido, no final de maio – referiu que “existe uma crescente mobilização popular de quem não aceita que a perda de poder de compra seja mais ou menos uma consequência inevitável de crise internacional”.

“As pessoas começam a perceber que não tem sentido um Governo que se vitimiza das crises internacionais. É que temos um Governo que limita-se a usar as crises internacionais para não fazer nada e para deixar que haja um empobrecimento, e portanto é normal a contestação”, apontou num dia em que estão previstas duas manifestações em Lisboa, uma promovida pelo movimento cívico Vida Justa, em defesa de “salários para viver”, a limitação do preço dos bens essenciais e “casa para as pessoas”, e outra organizada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop) em defesa da escola pública e por melhores condições de trabalho e salariais.

A líder bloquista defendeu que “há uma consciência popular de que, do ponto de vista da decisão política e do Governo, pode e deve ser feito melhor”.

“Como é que explicamos que em Portugal o gás natural suba 150%, como é que se explica que os alimentos tenham uma subida que é maior do que no resto da Europa, enquanto os salários estão a perder mais e são mais pequenos do que a generalidade dos outros países europeus”, questionou.

Catarina Martins afirmou que a comparação a nível europeu “mostra que o processo de inflação, de perda de poder de compra em Portugal é mais acelerado” e considerou que “há responsabilidade política nas decisões que são tomadas”.

“Nós temos processos especulativos, com os grandes grupos económicos da energia, da grande distribuição e não só a ganharem milhões, a distribuírem milhões em dividendos, ao mesmo tempo que os preços para os consumidores sobem cá como não tem paralelo em mais lado nenhum”, criticou.

No seu discurso na abertura da conferência “Autismo pelos próprios”, a coordenadora do BE afirmou que “as respostas de um governo que responde sempre tarde demais e pouco, muito pouco, tão pouco, vão cavando as desigualdades, que fazem com que tenha de haver reação na rua, exigindo essa vida justa”.

“E num país em que ter deficiência é condição de empobrecimento, esta reivindicação da vida justa é ainda mais importante”, defendeu.

Catarina Martins referiu também que "foi ontem [sexta-feira] regulamentado finalmente o acesso das pessoas com deficiência à reforma antecipada".

"Só chega para um número muito pequeno de pessoas, é preciso ter uma incapacidade superior a 80% adquirida antes dos 50 anos, mas mesmo essa medida que é tão pouco demorou mais de um ano a ser regulamentada. É sempre muito pouco, é sempre muito tarde", assinalou.

A líder do BE defendeu ainda que é necessária maior inclusão das pessoas com deficiência ao nível da saúde, da escola e do emprego.

Polémica Alexandra Reis: BE critica “elite de privilégio a quem é permitido tudo”

A coordenadora do Bloco de Esquerda, considerou hoje que têm de ser retiradas consequências do caso da indemnização paga à ex-secretária de Estado Alexandra Reis e criticou a existência de uma “elite de privilégio a quem é permitido tudo”.

“O que eu acho que se vai desvendando nesta sucessão de casos é uma espécie de permeabilidade de sucessivos governos e sucessivos governantes à ideia do privilégio na gestão pública de algumas empresas e nas decisões que são tomadas. Ou seja, achou-se normal que ao mesmo tempo que o país todo, a população como um todo, tenha crescentes dificuldades na sua vida, haja sempre uma elite de privilégio a quem é permitido tudo”, afirmou Catarina Martins.

A ainda líder do BE falava aos jornalistas em Lisboa quando foi questionada pela notícia avançada na sexta-feira à noite pela SIC Notícias de que o projeto de parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) aponta irregularidades no processo que envolveu o pagamento de uma indemnização de 500 mil euros pela TAP à antiga administradora e ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis.

Catarina Martins considerou que “esta é uma forma de governação que é muito preocupante, que terá seguramente também consequências legais nalguns casos, [e] tem de ter consequências políticas”.

A bloquista referiu que “é não só o caso de Alexandra Reis, que tem cada vez contornos mais complicados de explicar e que terá de ter consequências a todos os níveis, mas é também a forma como Neeleman [ex-acionista] entrou na TAP e como prejudicou a TAP, como comprou a TAP com dinheiro da própria TAP, aparentemente também com conhecimento do Governo”.

Apontando que são “dois casos em que a tutela não assegurou o interesse público”, a coordenadora realçou a importância da comissão de inquérito sobre a TAP proposta pelo BE.

“A comissão de inquérito tem um poder que as outras não têm de desocultar a forma como foram tomadas as decisões, que decisões foram tomadas e as comissões de inquérito têm, aliás, enviado as suas conclusões para o Ministério Público, ajudando a justiça a avançar e às consequências políticas que as decisões também devem ter”, sublinhou.

Questionada sobre os pedidos de audição na comissão parlamentar de Economia que têm sido feitos por PS e PSD desde que foi noticiado que a privatização da TAP em 2015 terá sido ganha pelo ex-acionista David Neeleman com dinheiro da própria companhia aérea, Catarina Martins afirmou que tem “notado um certo interesse de PS e PSD de criar uma comissão paralela à comissão de inquérito da TAP para questões sobre a TAP, que podem e devem estar no âmbito da comissão de inquérito da TAP”.

“Querer fazer uma parte, a que tem a ver com o negócio de David Neeleman – que é de muitos milhões de prejuízo para o país é, aliás, o negócio mais lesivo destes que temos tido notícias nos últimos dias – querer fazê-lo numa comissão que não tem poderes de investigação, deve servir para ocultar alguma coisa, resta saber o quê”, afirmou.

A líder do BE apontou que o objeto do inquérito proposto pelo seu partido “tem a ver com atos da tutela que lesaram o interesse público, particularmente no período da nacionalização, mas não só no período da nacionalização, não é exclusivo”.

“O que tem a ver com atos de gestão que lesaram o interesse público nestes períodos mais recentes pode caber absolutamente no âmbito da comissão de inquérito e é se estiver no âmbito da comissão de inquérito que nós temos a certeza que as pessoas têm de ir dar respostas e que temos acesso à documentação”, defendeu.

A Lusa pediu esclarecimentos à IGF e ao Ministério das Finanças sobre a informação avançada pela SIC Notícias, mas não obteve resposta.

Fonte oficial da TAP, contactada pela Lusa, referiu apenas que "este é um processo em curso" e que a companhia aérea "respeitará todas as conclusões do mesmo".