Estas mensagens foram transmitidas pelo antigo líder do PSD na apresentação do seu livro “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar”, que foi apresentado pelo antigo presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, numa sessão que encheu totalmente o Grémio Literário, em Lisboa.

Logo no início da sua intervenção, Cavaco Silva, primeiro-ministro social-democrata entre 1985 e 1995, assinalou que acabou de escrever esse seu livro há oito meses, razão pela qual os mais recentes acontecimentos na vida política não tiveram qualquer influência no conjunto da obra.

Disse, ainda, para reforçar esta ideia, que pensou escrever o livro sobre as funções de primeiro-ministro “há 20 anos”, mas que só recentemente reuniu condições pessoais para concretizar tal objetivo.

Com destinatário direto ou não, Cavaco Silva deixou muitos recados em matéria de ideal de condução política de um Governo por parte do primeiro-ministro. Em particular, salientou a questão das remodelações, algo em que o atual chefe de Governo, António Costa, se tem mostrado resistente.

“Em termos pessoais, a tarefa mais difícil para um primeiro-ministro é a realização com sucesso de uma verdadeira remodelação ministerial. Exige sangue frio, sigilo, preparação e execução meticulosas. Apanhar a comunicação social e o país político de surpresa é o ideal”, sustentou.

Observou, a seguir, que, enquanto primeiro-ministro, fez duas amplas remodelações em dez anos de funções: em janeiro de 1990 e em dezembro de 1993.

Nos tempos atuais, acrescentou, caracterizados pela agressividade mediática, é mais difícil conseguir remodelar e apanhar todos de surpresa, mas insistiu que “o supremo interesse nacional deve sempre prevalecer”.

De acordo com o antigo chefe de Estado, o comportamento do primeiro-ministro é decisivo para o funcionamento do executivo e, consequentemente, para a resolução dos problemas do país - ponto em que manifestou estranheza pela forma recente como os líderes de executivos têm sido avaliados em termos públicos.

Essa avaliação, segundo Cavaco Silva, “tende a ignorar a centralidade e a amplitude das competências que a Constituição atribui ao primeiro-ministro: Dirigir o funcionamento do Governo, dirigir a política geral do Governo, coordenar e orientar a ação de todos os ministros, propor ao Presidente da República a nomeação e exoneração de ministros e secretários de Estado”.

“A Constituição diz ainda que os ministros e secretários de Estado são responsáveis perante o primeiro-ministro”, prosseguiu, continuando a falar em termos gerais, sem qualquer referência a casos em concreto.

O antigo primeiro-ministro e Presidente da República analisou também o tema relacionado com a importância de Portugal pertencer à zona euro, questionando em que situação estaria Portugal - país que em democracia já passou por três “gravíssimas crises financeiras” -, se estivesse fora do núcleo duro da União Europeia, sem acesso ao Banco Central Europeu e a um mercado financeiro internacional alargado.

“A União Europeia e a zona euro são indiscutivelmente o espaço em que Portugal pode realizar os objetivos de desenvolvimento. Portanto, importa ao Governo não cometer erros e não fazer da União Europeia o bode expiatório”, frisou.

Uma alusão que foi interpretada como uma referência à tensão atual entre o Governo socialista e o Banco Central Europeu a propósito das recentes subidas dos juros.

No Grémio Literário, na apresentação do livro de Cavaco Silva, estiveram vários antigos ministros dos seus governos entre 1985 e 1995, como Leonor Beleza, Manuel Ferreira Leite, Eduardo Catroga, Mira Amaral, Teresa Patrício Gouveia ou Marques Mendes, assim como familiares, com destaque para a filha Patrícia e a sua mulher Maria Cavaco Silva.

Nas primeiras filas da plateia, sentaram-se o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o líder do PSD, Luís Montenegro, Manuela Eanes, mulher do antigo Presidente da República Ramalho Eanes, a eurodeputada social-democrata Lídia Pereira, e o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento.

Marcaram ainda presença a antiga presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, e Nunes Liberato, que foi chefe da Casa Civil de Cavaco Silva enquanto Presidente da República.