“Já recebemos dois sem-abrigo e já notamos casos em que a família tem relutância em vir buscar [o familiar], mas acreditamos que o corte já existia para trás. A pandemia vem salientar um problema que já existe na sociedade há bastante tempo, que é o abandono ou desleixo com os idosos”, descreve à agência Lusa Ariana Ribeiro, diretora técnica do centro que abriu na freguesia de Ermesinde a 26 de outubro.
Com instalações cedidas pela Diocese do Porto e logística assegurada pelas câmaras de Valongo e de Gondomar para apoio na limpeza e refeições, o Centro de Retaguarda Distrital já recebeu 154 doentes. Atualmente acolhe 23 e o máximo que teve em simultâneo foi 34, em dezembro.
A montagem do centro ocorreu “num ápice”, quando Portugal caminhava para o pico da segunda vaga em 2020, a pedido da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N), descreveu à Lusa o presidente da Comissão Distrital de Proteção Civil do Porto, Marco Martins, que lamenta os casos em que a estadia “acaba por ser prolongada mais do que o necessário por dificuldade de retorno ao local de origem”.
“Há casos pontuais de familiares que invocam motivos que são desculpas esfarrapadas”, conta responsável.
Marco Martins não esconde outras dificuldades, como a fixação das equipas, lembrando casos de funcionários que abandonaram o trabalho ao fim de um ou dois dias ou mesmo a meio do turno.
“Ainda é muito difícil manter uma equipa forte e coesa, porque nem toda a gente tem capacidade e experiência para a área da geriatria, disponibilidade para trabalhar por turnos [de oito horas] e existe o medo generalizado da covid-19, o que não ajuda”, descreve Ariana Ribeiro.
A responsável conta com 14 auxiliares de ação direta e quatro auxiliares de ação geral. Faltam-lhe atualmente duas pessoas na equipa que é assegurada pela Segurança Social.
Já à ARS-N cabe afetar a estes centros — existentes em todos os distritos do país — os recursos clínicos. Em Ermesinde trabalham oito enfermeiros, dois em cada turno, uma médica e uma diretora clínica.
As refeições — pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia — são asseguradas pela Gondomar Social, uma instituição particular de solidariedade social.
Centros de Retaguarda como o do Seminário do Bom Pastor destinam-se a doentes sem retaguarda familiar ou condições nas casas ou instituições onde habitam.
Ou seja, estão em condições de ter alta hospitalar, mas necessitam de cumprir isolamento.
De acordo com informação da tutela com data de 01 de fevereiro, a Rede Nacional de Estruturas de Apoio de Retaguarda (EAR), criada no âmbito da pandemia de covid-19, inclui 28 estruturas operacionais instaladas nos 18 distritos do país.
No Porto, a Comissão Distrital de Proteção Civil, ARS-N, câmaras e Segurança Social criaram quatro espaços.
O Bom Pastor e o antigo hospital da Misericórdia de Paços de Ferreira, na região do Tâmega e Sousa, ambos “covid-19 positivo”, para pessoas infetadas com o novo coronavírus.
Somam-se a Pousada da Juventude do Porto e um espaço no Mosteiro de Santa Escolástica, em Santo Tirso, que, preparado desde novembro não chegou a abrir, ambos “covid-19 negativo”.
“Não abriu por falta de recursos humanos, mas entretanto, neste momento, já não se justifica. Se necessário está preparado”, garante Marco Martins.
No total, os centros do distrito do Porto acolheram cerca de 300 pessoas.
Por Paços de Ferreira, onde são 35 as vagas, num espaço que pode estender a capacidade até 50, passaram 61 e atualmente são 13 as camas ocupadas.
A Pousada da Juventude do Porto, que tem 35 vagas, mas pode chegar às 60, acolheu 85 no total e acolhe hoje mais de uma dezena.
“Aqui [referindo-se ao Seminário do Bom Pastor] iniciamos com 50 camas, aumentamos para 80 e agora podemos chegar às 100. Atingimos 300 utentes nas estruturas de retaguarda [do distrito], desses 250 estariam seguramente internados em contexto hospitalar. Isso foi uma das chaves do sucesso para que no Grande Porto não se atingisse o pico dos hospitais como vemos em outras regiões do país. Contribuímos para descongestionar o Serviço Nacional de Saúde, que tanto necessita”, descreve Marco Martins.
São João, Santo António, Gaia, Pedro Hispano, Tâmega e Sousa, Feira ou do Vale do Ave são alguns dos hospitais que já encaminharam utentes para os centros de retaguarda do distrito do Porto.
A centena de camas do espaço de Ermesinde está distribuída por três pisos: no primeiro estão as enfermarias dos doentes acamados. No segundo, os quartos de quem tem maior mobilidade.
A distribuição é feita por género, tempo de cura ou data de alta, bem como por vínculo familiar, uma vez que este centro já acolheu um casal infetado, bem como irmãos.
Em novembro o Seminário do Bom Pastor também foi a “casa” de 12 trabalhadores nepaleses que partilhavam um apartamento T3 em Rio Tinto, Gondomar.
“Também de lares legais e ilegais e chegamos a receber pessoas que não conseguem cumprir o isolamento: sabem que têm covid-19, mas por algum motivo, como défice cognitivo por exemplo, fazem a sua vida normalmente, vão à rua, passeiam”, conta a diretora técnica.
Há doentes que apresentam “desafios” pelos antecedentes clínicos como demência e Alzheimer.
“O isolamento não ajuda. Nenhum de nós fica bem fechado 15 dias dentro de um espaço. Aqui, por muito que haja convívio, há isolamento e o isolamento e o afastamento da família debilita e assusta”, acrescenta Ariana Ribeiro.
As visitas, incentivadas, são feitas através de uma janela de vidro.
Como nem sempre há familiares que visitam, ou os próprios estão em isolamento, é quem trabalha nestes centros que faz a ponte com o exterior e garante os “miminhos”.
“É um trabalho muito desafiante a nível físico e psicológico. Mas saio daqui satisfeita e a achar que estou a fazer a minha parte. Somos as pessoas mais próximas. Temos de fazer com que não se sintam sozinhos e mantenham a mobilidade”, descreve uma das auxiliares, Mariana Morais.
Recrutada pela Segurança Social, a antiga estudante de Turismo trata da parte da limpeza do espaço e dos equipamentos de proteção individual (EPIs). É graças a ela e aos colegas que não há até aqui registo de infeções ente funcionários.
À Lusa, conta que os fatos de proteção, daqueles brancos parecidos com os de astronauta, que a pandemia tornou imagem habitual na televisão, podem ser lavados até 15 vezes a temperatura quente. Os danificados vão de imediato para o lixo.
“Temos de ter muito cuidado com a quantidade de lixivia ou outros produtos tóxicos para lavagem dos materiais, corredores e quartos. E muito cuidado a vestir o fato para não ocorrerem contaminações. Os meus cuidados fora também redobraram. Usava máscara e desinfetava as mãos, mas se calhar não tinha o cuidado que tenho hoje”, aponta.
Comentários