“Sou um mero bode expiatório”, afirmou a presidente executiva (CEO) da companhia aérea, na apresentação inicial da sua audição na comissão de inquérito à TAP, na qual está acompanhada pelos dois advogados.
“Eu fui demitida pela televisão, por dois ministros com um processo ilegal”, acusou a gestora.
Disse ainda não perceber como é que se pode dizer que o estatuto de gestor público, que abrange a TAP, mas que não foi seguido nas negociações com Alexandra Reis, era um "entendimento básico" e com isso fundamentar o despedimento por justa causa.
A presidente executiva sublinhou que "a IGF não concluiu por nenhuma culpa", reiterando que está no meio de uma "batalha política".
"Considero que este processo, não só não é legal, como a forma como fui dispensada não foi apropriada, [foi] sem respeito por um executivo sénior", vincou.
A presidente executiva da TAP disse que recebeu uma mensagem de Hugo Mendes, em 2 de fevereiro de 2022, a informar que Pedro Nuno Santos autorizava a indemnização a Alexandra Reis e a pedir que fechasse o acordo.
“No dia 2 de fevereiro de 2022 […], recebi uma mensagem de Hugo Mendes [então secretário de Estado] a informar que o ministro [Pedro Nuno Santos] autorizou”, e onde pediu que “fechasse o acordo”, afirmou Christine Ourmières-Widener.
A ainda presidente executiva da companhia aérea sublinhou que “não tomou nenhuma decisão relevante” no processo de saída da ex-administradora Alexandra Reis, com uma indemnização de cerca de 500.000 euros, e que atuou como um intermediário entre o Governo e os advogados.
“Eu não sabia que não havia coordenação entre o Ministério das Infraestruturas e Habitação e o Ministério das Finanças, tão pouco sabia que o Ministério das Infraestruturas não tinha poder para aprovar este acordo, bem como não sabia que havia um risco legal, naquela altura”, acrescentou Ourmières-Widener.
"Os advogados que estavam a trabalhar no processo mantiveram que o mesmo era legal. Eu não sou especialista na matéria", acrescenta. "Do ponto de vista legal, atualmente ainda há divergências sobre a natureza do processo".
Questionada pelo deputado do Chega, Filipe Melo, se sabia se o administrador financeiro, Gonçalo Pires, tinha “conhecimento que Alexandra Reis ia ser despedida e se tinha noção dos valores que estavam a ser negociados”, a presidente executiva da TAP respondeu negativamente, adiantando apenas que teve mais do que uma conversa sobre esta saída com este responsável.
Sobre o processo em concreto, a CEO da TAP respondeu que o administrador financeiro estava a par desta questão com Alexandra Reis porque o informou de que tinham sido concluídas as negociações para a sua saída.
“Depois disso, sobre o valor mesmo não posso confirmar porque não me lembro exatamente. Não posso confirmar que tinha conhecimento do valor”, respondeu.
Questionada sobre se só teve com o administrador financeiro “uma conversa informal”, Christine Ourmières-Widener assegurou que teve “mais do que uma conversa porque houve mensagens eletrónicas trocadas quando o acordo foi concluído”.
A ainda CEO da TAP admitiu que, apesar de não estar envolvida nas nomeações posteriores de Alexandra Reis, quer para a NAV quer para secretária de Estado, ficou surpreendida.
Quanto à questão de se se tratou de uma renúncia por parte da administradora, ou de uma demissão, a ainda presidente executiva da TAP respondeu que "não está a par disso", pois não foi debatido. "Assinou o acordo e, com base nisso, renunciou", explica. "Não é a forma como devia ter sido feito, e há opiniões sobre o assunto. Mas o que fizemos foi de boa fé".
Já sobre sobre a falta de trabalhadores fulcrais na companhia, e sobre um plano de restruturação mal conseguido, Christine Ourmières-Widener respondeu que a "TAP é uma boa empresa, não é uma empresa pequenina. Temos quase 90 destinos, com uma boa rede".
Relativamente a aeronaves em terra, admitiu que "há desafios no que diz respeito à manutenção de técnicos, que são aliciados com três, quatro vezes o salário que recebem na TAP". Mas garante que têm um "plano de retenção muito rigoroso" e que tentaram, nomeadamente, "investir noutros colaboradores, porque é o que faz sentido".
Nota ainda que "houve dificuldades em 2022 que não tiveram nada a ver com o plano", mas com "a indústria da aviação do ponto de vista global". Refere uma questão relacionada com a cadeia de abastecimento e atrasos, que tornaram o ano "muito desafiante", mas conclui que, no que diz respeito ao plano, este "está a mostrar resultados".
Houve reunião com deputados do PS antes de prestar esclarecimentos em janeiro? Sim, e a ideia partiu de João Galamba
Em resposta ao deputado da Iniciativa Liberal (IL) Bernardo Blanco – e depois de precisar de recorrer à sua agenda – Christine Ourmières-Widener confirmou que teve “uma reunião em 17 de janeiro” com o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS), na véspera da audição de caráter obrigatório no parlamento, para explicar o acordo de saída da ex-administradora Alexandra Reis, com uma indemnização de meio milhão de euros.
O deputado da IL quis saber se naquela reunião houve alguma combinação de perguntas e respostas, nos esclarecimentos a dar à Assembleia da República, ao que a gestora disse não se recordar.
“Penso que a ideia era fazerem perguntas sobre o processo e eu respondi a essas perguntas”, disse a ainda presidente executiva, acrescentando que, segundo a sua agenda, não estavam membros do Governo presentes na referida reunião, mas sim assessores e chefes de gabinete de membros do Governo.
Questionada sobre de quem partiu a iniciativa de realizar a reunião, Christine Ourmières-Widener disse que, se bem se recorda, partiu do gabinete do Ministro das Infraestruturas, que na altura já era João Galamba.
A responsável da companhia aérea esclareceu também que não tinha conhecimento do ‘email’ enviado por Alexandra Reis ao ex-ministro Pedro Nuno Santos, a pôr o seu lugar à disposição, em dezembro de 2021, o que poderia não ter dado lugar a indemnização.
Relativamente aos esclarecimentos pedidos à TAP pelo ex-ministro das Infraestruturas e pelo ministro das Finanças, quando o Correio da Manhã tornou pública a polémica indemnização, a IL avançou que o ex-secretário de Estado Hugo Mendes reuniu-se com a companhia aérea para decidirem como responder.
Segundo Christine Ourmières-Widener, o ex-secretário de Estado conhecia bem o processo, que já tinha sido fechado há quase um ano e foi necessário ‘refrescar’ os factos.
Quanto à apresentação dos resultados da TAP relativos a 2022, em que a companhia aérea apresentou um lucro superior a 65 milhões de euros, Ourmières-Widener confirmou que recebeu instruções do Governo para não fazer a habitual apresentação, juntamente com o administrador financeiro.
“Não esperava tão alta pressão política quando entrei na companhia”
A presidente executiva da TAP admitiu ainda, em resposta ao deputado da IL, Bernardo Blanco, que não "estava à espera de tão alta pressão política" quando entrou na companhia aérea, acrescentando que tal pressão não deixou a companhia "concentrar-se no seu negócio".
“Era fácil trabalhar com tanto ruído à volta da companhia? Tem sido muito difícil e ainda é. […] É triste ver que toda a gente quer criticar e garantir que a companhia” não chega a bom porto, afirmou a responsável, sublinhando que tem sido difícil para si e para os trabalhadores da empresa.
Bernardo Blanco questionou ainda sobre um ‘email’ do ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes, a pedir para adiar um voo de Moçambique, que tinha como passageiro o Presidente da República, que, alegadamente, precisava de ficar mais dois dias em Maputo.
Segundo o ‘email’, citado por Bernardo Blanco, Hugo Mendes sublinhava que era importante manter Marcelo Rebelo de Sousa como aliado da TAP.
O deputado liberal quis saber o que aconteceu no seguimento do ‘email’ e se este tipo de pedidos para beneficiar políticos era recorrente.
Ourmières-Widener disse que fez questão de verificar se se tratava realmente de um pedido da Presidência.
“No fim, não fiquei surpreendida ao perceber que o Presidente da República nunca nos pediria para mudar um voo, que teria impacto no resto dos passageiros”, esclareceu a gestora.
Christine Ourmières-Widener é a terceira personalidade, de uma lista de cerca de 60, a ser ouvida pela comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, constituída por iniciativa do Bloco de Esquerda.
A ainda presidente executiva da TAP contestou o despedimento e acusou o Governo de ter tido “pressa política” para a demitir, segundo a contestação da defesa, citada pela TVI/CNN.
O Governo anunciou, em 6 de março, que a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) tinha concluído que o acordo celebrado para a saída antecipada de Alexandra Reis da TAP era nulo e que ia pedir a restituição dos valores.
Os ministros das Finanças e das Infraestruturas anunciaram também a exoneração com justa causa da presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, e do presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja.
A verificação pela IGF da legalidade da indemnização paga a Alexandra Reis foi determinada em 27 de dezembro do ano passado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo então ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.
Em dezembro, Alexandra Reis tomou posse como secretária de Estado do Tesouro, tendo então estalado a polémica sobre a indemnização que recebeu quando saiu da companhia aérea detida pelo Estado, levando a uma remodelação no Governo, incluindo a saída de Pedro Nuno Santos, que foi substituído por João Galamba.
Alexandra Reis é ouvida na comissão de inquérito na quarta-feira.
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