O que se passava na tela foi-lhe mostrado por uma voz que conduziu quem é cego ao longo do enredo, da mesma forma que, a seguir, uma outra versão deu àqueles que não ouvem a dimensão dos sons no desenrolar da história.
A oportunidade surgiu do primeiro Festival de Cinema Acessível para cegos e surdos, que, durante dois dias, na quinta-feira e hoje, quis fazer chegar a quem precisa as ferramentas existentes para poderem fruir de eventos culturais.
O evento surgiu do trabalho que tem sido feito, nos últimos cinco anos, com os alunos de mestrado de Tradução da Escola Superior de Educação (ESSE) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), como explicou a responsável Cláudia Martins.
“Parece-me um desperdício passar tantos anos a recolher e acumular tantos filmes de boa qualidade e não poder usá-los para chegar os públicos-alvo”, indicou.
A audiodescrição para cegos e a legendagem para surdos fizeram a diferente nas cinco curtas-metragens exibidas no auditório da ESSE e que Francisco Alves, entre o público-alvo, achou “um passo extraordinário na inclusão e na acessibilidade aos bens da cultura”, e parabenizou o politécnico pela iniciativa.
“Sou frequentador de teatro desde os anos 70 e foi a primeira vez que na minha terra de origem tive essa experiência, fiquei muito orgulhoso da cidade onde estou”, afirmou, considerando que se trata de “mais incentivo às pessoas para desfrutarem das oportunidades que a cidade dá”.
Francisco já tinha experimentado estas modalidades recentemente no Teatro Municipal de Bragança, numa peça produzida também pela ESSE.
“Eu, naquele teatro, senti-me sem incomodar ninguém. Ter acesso em pé de igualdade a fruir o espetáculo. Sem estar a incomodar os meus vizinhos, com um aparelho no ouvido, eu pude assistir ao espetáculo, aos momentos mortos em palco, foi um gesto extraordinário”, contou.
Francisco alertou ainda que “as pessoas não podem pensar que só acontece aos outros”.
“As sociedades vão envelhecendo e a acessibilidade tem de ser encarada em todos os campos: na cultura, na acessibilidade física e sobretudo na luta contra o preconceito, o que por vezes impede mais o avanço”, defendeu.
Marcolino Cepeda é uma conhecida personalidade da cultura de Bragança, “viciada em cinema”. Há alguns anos, problemas de saúde tiraram-lhe a visão. Este festival proporcionou-lhe o primeiro filme a que assistiu com audiodescrição e, mesmo sem ver, deu para “entender tudo”.
“É bom que se vá fazendo cinema para quem tem algumas dificuldades”, observa quem acompanhou este homem que foi responsável por um ciclo de cinema que marcou a cidade, com a exibição de 100 filmes, no extinto Cineteatro Camões.
Marcolino Cepeda não só proporcionava cinema aos outros, como não perdia um filme e chegou a deslocar-se a Lisboa e Porto para assistir a projeções.
Mesmo depois de cegar, foi algumas vezes ao cinema, mas já há algum tempo que não ia. As condicionantes fazem-no optar mais pela música.
Garante que, se houvesse mais iniciativas como este festival acessível, seria um adepto presente.
E a responsável pela organização, Cláudia Martins, adiantou que haverá uma próxima edição e que, os envolvidos, estão “a pensar fazer uma espécie de competição, receber filmes de outras instituições académicas, produtores ou realizadores que queiram competir e apresentar os seus filmes com audiodescrição e legendagem”.
Nesta primeira edição, já anteviam que “o público-alvo ia ser muito reduzido”, ainda assim conseguiram algumas dezenas de pessoas de instituições ligadas a estas áreas, nomeadamente da delegação da ACAPO de Vila Real.
A dificuldade maior, como disse, “é sempre chegar às instituições porque elas não entendem necessariamente o que é isto e os custos que implica, as exigências técnicas”.
Estas ferramentas vão ser aplicadas, através da academia, noutros projetos, em Bragança, um para duas exposições da pintora Graça Morais com audiodescrição e outro com o Museu Abade de Baçal.
*Por Helena Fidalgo/Lusa
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