“Nos ‘coletes amarelos’ não há estrutura nem muita ideologia. Há o descontentamento social, há um grande desconhecimento da Europa e o medo da globalização. Não é suficientemente estruturado ideologicamente para que se possa aguentar muito tempo”, garantiu à agência Lusa Catherine Wihtol de Wenden, diretora emérita do centro de investigação da Sciences Po Paris.
A primeira lista de “coletes amarelos” a apresentar-se às europeias chama-se Ralliement d’initiative citoyenne ou RIC (ou Concentração de Iniciativa Cidadã em português) e, apesar de ter desvendado os seus 10 primeiros candidatos, conta já com algumas desistências.
Esta lista é encabeçada por Ingrid Levavasseur, auxiliar de hospital de 31 anos, divorciada e mãe de dois filhos. A jovem ganhou notoriedade ao participar em vários programas de debate na televisão francesa explicando que com o salário mínimo, não conseguia pagar todas as suas contas e, ao mesmo tempo, não se qualificava para receber as ajudas do Estado.
Poucos dias depois da lista ter sido apresentada, o diretor da campanha, Hayk Shahinyan, “colete amarelo” de 29 anos, e o quarto candidato, Marc Doyer, abandonaram a iniciativa cada um por motivos diferentes.
Hayk Shahinyan disse na sua página na rede social Facebook que tinha “dúvidas” em relação ao projeto e que se tinha precipitado. “Sempre achei que ter dúvidas, numa dose razoável, é um sinal de inteligência, assim como colocar-se questões, pôr-se a si mesmo em questão e corrigir o que deve ser corrigido”, afirmou o “colete amarelo” na sua página pessoal, incluindo ainda o impacto que os ferimentos de Jerome Rodrigues, “colete amarelo” lusodescendente, sofridos no último sábado tiveram na sua decisão.
Questionado pela Lusa se tinha sido convidado para esta lista, Jerome Rodrigues disse que não e que não quer “ter nada a ver com a política”.
“Sou um canalizador e a única coisa que eu quero é que possamos viver com aquilo que ganhamos do nosso trabalho, que haja menos impostos e uma nova forma de democracia em França. Quando isto acabar, eu volto à minha vida e ao meu trabalho. Não quero nada com a política”, insistiu o lusodescendente.
Já Marc Doyer alegou que o assédio sofrido nas redes sociais por outros “coletes amarelos” depois de ser conhecido que esteve ligado ao movimento Republique En Marche, que apoiou Emmanuel Macron à Presidência, o levou a retirar-se da corrida.
A agência Lusa tentou falar com os diversos membros da lista através das redes sociais, sem ter obtido qualquer resposta.
A lista tem tido mesmo dificuldades em ser apoiada pela generalidade dos “coletes amarelos”, com Eric Drouet, outra figura mediática do movimento e fundador da página do Facebook “France en Cólere”, a afirmar que votar “coletes amarelos” nas eleições europeias é votar no Presidente Emmanuel Macron.
“Votar ‘coletes amarelos’ é votar Macron […] O objetivo dos ‘coletes amarelos’ é ter avanços concretos e imediatos agora, mas ser deputado europeu não confere esses poderes”, alertou Drouet.
Uma segunda lista de “coletes amarelos” foi, entretanto, anunciada e chama-se Union Jaune (União Amarela em português). É liderada por Patrick Cribouw, “colete amarelo” vindo de Nice, e quer centrar-se mais em problemas ligados à imigração.
“Sim a uma França que acolhe estrangeiros, mas nós já temos 11 milhões de franceses em precariedade total. Não está na altura de mudar as coisas?”, questionou o “colete amarelo” ao lançar a lista.
As deserções e fraturas não surpreendem Catherine Wihtol de Wenden.
“Parece que o movimento se vai desfazer. E uma das razões é o Grande Debate. Muitas pessoas podem finalmente debater e perceberam que a imagem que têm da democracia em França não é bem assim e que, afinal, não sabiam tanto sobre certas matérias como afinal pensavam que sabiam”, indicou a politóloga.
O Grande Debate surgiu como uma iniciativa do Presidente Emmanuel Macron para apaziguar as exigências da população, gerando vários debates locais onde temáticas como finanças públicas, ambiente e democracia são discutidas com eleitos locais e alguns eleitos nacionais como deputados e ministros.
Até agora, já foram organizados quase 2.000 debates deste género, não só em França, mas também nas comunidades de franceses espalhadas por todo o mundo. As conclusões serão depois sintetizadas, analisadas pelo Governo, podendo influenciar mudanças na legislação e organização do país.
As sondagens mais recentes mostram que uma lista dos “coletes amarelos” pode situar-se no terceiro lugar das preferências eleitorais dos franceses, com cerca de 13% dos votos e penalizando diretamente o Rassemblement National, partido de Marine Le Pen, segundo os números apurados pela ELABE para a televisão BFMTV e o jornal L’Opinion.
Mas para chegar a Bruxelas, as listas dos “coletes amarelos” têm de se conseguir financiar e com uma limitação de 4.600 euros de doações individuais, não será fácil atingir os 700 mil a 800 mil euros que custa uma campanha para as europeias em França.
A lista encabeçada por Ingrid Levavasseur afirma ter já 10% do valor necessário, sem ter anunciado ainda como pretende angariar o resto dos fundos necessários para levar a cabo a campanha.
Comentários