Quando, a 15 de março, Portugal iniciou o plano de desconfinamento, o território continental apresentava uma taxa de incidência de novos casos de covid-19 por 100 mil habitantes de 84,2 e um índice de transmissibilidade (Rt) do vírus de 0,79, mas a realidade hoje é bem diferente e estes indicadores estão nos 129,6 e no 1,18, respetivamente.

Com Portugal a entrar no quadrante vermelho da Matriz de Risco, e apesar dos avanços no processo de vacinação, é importante recordar que as vacinas, como referiu Marta Temido esta quinta-feira, "são efetivas, são seguras, mas não são um milagre". Estas têm uma elevada eficácia na proteção contra a doença grave, hospitalização e morte, contudo, nenhuma é 100% eficaz.

Assim, não é possível reduzir a forma como se encara o processo de vacinação contra a covid-19 numa dualidade de “protegido” vs “não protegido” — até porque a situação que o país vive atualmente não permite prever uma data para começar a “relaxar” na máscara, no distanciamento social e na higienização das mãos.

Sim, quem está vacinado pode ficar infetado e infetar outros

A taxa de eficácia das vacinas é calculada através dos resultados de grandes ensaios clínicos, quando a vacina é testada em milhares de pessoas. As pessoas seleccionadas são divididas em dois grupos: metade recebe a vacina contra a covid-19 e a outra metade recebe um placebo (uma solução salina simples). Posteriormente, os resultados são monitorizados, com o objetivo de verificar se as pessoas são infetadas com o vírus e se desenvolvem doença nos meses seguintes.

O que determina a eficácia da vacina é a forma como essas pessoas que tiveram covid-19 se distribuem entre os que receberam a vacina e os que receberam o placebo. Assim, desde o início que sabemos que nenhuma vacina tem uma eficácia de 100%. Nos ensaios obtiveram-se valores médios de eficácia superiores a 65%, podendo, em alguns casos, atingir os 95%.

Luís Graça, médico, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) e membro da Comissão Técnica de Vacinação, em declarações ao SAPO24, reitera que “as vacinas são muito eficazes em reduzir o risco de doença e transmissão do vírus. Mas o risco não é eliminado”.

Por isso, quem recebe a vacina não está 100% protegido contra a infeção e, sim, pode ficar infetado e contagiar outros mesmo que tenha levado as duas doses. No entanto, quem está vacinado está mais protegido em relação ao desenvolvimento de doença, pois no caso de infeção pelo novo coronavírus, existem vários cenários possíveis que vão desde uma infeção assintomática à morte. Em resumo, o objetivo da vacina é evitar que se desenvolvam formas mais graves da doença.

Segundo o último relatório de vacinação divulgado pela Direção-Geral da Saúde (DGS), Portugal já tem 46% da população (4.688.551 pessoas) com a primeira dose da vacina contra a covid-19. Destas, 2.947.718 já têm vacinação completa (29%).

No entanto, se olharmos para estes números percebemos que os vacinados circulam diariamente numa população em que cerca de 70% das pessoas ainda não estão protegidas. Face ao risco de transmissão, a vacinação não elimina a necessidade de adotar medidas de proteção não farmacológicas.

Luís Graça explica que “quando não há vírus em circulação, o risco de uma pessoa vacinada ser infetada ou transmitir a infeção é quase zero. Mas quando há um grande número de casos de infeção na comunidade, o risco de uma pessoa vacinada ser infetada e transmitir o vírus aumenta. Por isso, para pessoas vacinadas, os cuidados devem ser redobrados em situações em que a exposição ao vírus na comunidade aumenta”.

Além disso, é importante reforçar que só se pode considerar que a vacina "protege" de forma eficaz 14 dias após a toma da última dose  — em Portugal, a maior parte das vacinas a serem administradas precisa de duas doses. A única excepção é a vacina de dose única da Janssen.

Posto isto, é recomendável que todas as pessoas, mesmo as que tenham a vacinação completa, e uma vez que podem também elas contribuir para a disseminação do vírus, mantenham o uso de máscara, bem como as medidas de etiqueta respiratória, o distanciamento social e a higienização das mãos, até indicações em contrário por parte da DGS.

O expectável é que estas medidas de prevenção vão sendo ajustadas progressivamente, à medida que a população vacinada aumente e em função da evolução da pandemia.

A varíola e o sarampo são exemplos de doenças graves que, atualmente, estão controladas graças aos programas de vacinação. Porém, mesmo nos últimos anos, foram registados surtos de sarampo em vários países, devido a uma baixa cobertura vacinal. O mesmo pode acontecer, agora, em relação ao novo coronavírus.

Se, mesmo vacinado, tiver um contacto de risco com alguém portador de SARS-CoV-2 ou desenvolver sintomas sugestivos de covid-19 deve manter-se em isolamento e seguir os procedimentos habituais, como se não estivesse vacinado, nomeadamente contactando a Linha de Saúde 24.

No caso das pessoas não vacinadas, Luís Graça reforça que “só as suas atitudes podem evitar a transmissão do vírus na comunidade, contribuindo para reduzir o risco da população e para a proteção do modo de vida de muita gente”.

Delta, uma ameaça no controlo da pandemia?

Uma das preocupações atuais é a eficácia das vacinas em relação às variantes de preocupação, ou seja, aquelas que são mais transmissíveis ou que têm impacto na imunidade ou gravidade da doença.

Recentemente, as atenções estão focadas na variante Delta do novo coronavírus SARS-CoV-2, que já circula em 92 países, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, incluindo Portugal. Segundo a líder técnica de resposta à covid-19, Maria Van Kerkhove, esta variante "está a disseminar-se rapidamente" e "tem maior transmissibilidade do que a variante Alpha", inicialmente identificada no Reino Unido.

Pensa-se que a variante Delta (inicialmente identificada na Índia) seja entre 40 a 60% mais transmissível do que a Alpha, que por sua vez já se suspeitava que fosse mais transmissível do que a variante do SARS-CoV-2 sequenciada inicialmente.

Maria Van Kerkhove assegurou também que as vacinas "funcionam contra a variante Delta", porque, tal como sucede com outras variantes do vírus, previnem a covid-19 grave e a morte se o ciclo de vacinação estiver completo.

Também o virologista Pedro Simas considera que, até agora, não houve uma variante do coronavírus SARS-CoV-2 que "quebrasse o efeito protetor" das vacinas contra a covid-19, sublinhando que são todas eficientes a prevenir a doença grave e a morte.

"Não quer dizer que não apareçam casos muito raros, mas nós não nos podemos concentrar no raro e temos que agora olhar para o bem comum, que é desconfinar", disse o especialista, citado pela agência Lusa.

No entanto, a comissária europeia para a Saúde, Stella Kyriakides, disse que estão a surgir provas que apontam que a variante Delta do SARS-CoV-2 "diminui a força do escudo protetor" criado pelas vacinas, o que a levou a apelar à aceleração da vacinação completa da população.

Em Portugal, a DGS já procedeu à alteração do intervalo de semanas entre as doses de AstraZeneca de 12 para oito semanas, por forma a acelerar o processo.

Segundo estimou, esta quarta-feira, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), apelando também à rápida vacinação, a variante Delta do SARS-CoV-2, até ao final de agosto, deverá representar 90% das novas infecções na Europa.

“Com base na estimativa de avanço de transmissão da variante Delta e utilizando previsões de modelização, prevê-se que 70% das novas infeções do SARS-CoV-2 sejam devidas a esta variante [Delta] na União Europeia e Espaço Económico Europeu até ao início de agosto e 90% das infecções até ao final de agosto”, informa o ECDC num relatório agora divulgado.

O relatório sugere ainda que além do maior risco de transmissibilidade, a variante Delta esteja também associada a um maior risco de hospitalizações e de mortes, pelo que a agência europeia reitera que “aqueles que receberam apenas a primeira dose - de um processo de vacinação de duas - estão menos protegidos contra a infeção da variante Delta do que contra outras variantes, independentemente do tipo de vacina”, acrescentando, contudo, que "a vacinação completa proporciona uma proteção quase equivalente contra a variante Delta”.

A Public Health de Inglaterra publicou um estudo recente sobre a eficácia das vacinas em relação à variante Delta, que sugere que a vacina Pfizer-BioNTech é 96% eficaz contra a hospitalização após duas doses e a vacina Oxford-AstraZeneca é 92% eficaz. Esta análise incluiu 14.019 casos da variante Delta, dos quais 166 foram hospitalizados entre 12 de abril e 4 de junho.

De acordo com um estudo anterior, uma análise mostrava que uma dose é 17% menos eficaz na prevenção de doenças sintomáticas da variante Delta, em comparação com Alpha, mas existe apenas uma pequena diferença após a administração de duas doses da vacina.

João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), disse recentemente à SIC Notícias exatamente isso: citando os dados da Public Health de Inglaterra, o investigador salientou que pessoas vacinadas com duas doses de Astrazeneca e Pfizer estariam protegidas contra a variante Delta na ordem dos 92%. No entanto, salientou uma diferença significativa de que neste caso se trata de proteção contra hospitalização e não contra infeção.

Outras análises da PHE sugerem que o programa de vacinação covid-19 evitou até agora 14.000 mortes e cerca de 42.000 hospitalizações em pessoas idosas em Inglaterra, até 30 de maio.

A agência europeia estima também mesmo que “qualquer relaxamento durante os meses de verão do rigor das medidas não-farmacêuticas [restrições] que estavam em vigor na União Europeia e no Espaço Económico Europeu no início de junho podem levar a um aumento rápido e significativo dos casos diários em todos os grupos etários, com um aumento associado dos internamentos e das mortes, atingindo potencialmente os mesmos níveis do outono de 2020, se não forem tomadas medidas adicionais”.

E projeta que “num cenário de redução gradual de 50% das medidas de intervenção não-farmacêuticas até 1 de setembro, espera-se que a incidência da SARS-CoV-2 aumente em todos os grupos etários, com a maior incidência naqueles com menos de 50 anos”.

Perante o atual cenário, que regista uma elevada circulação do novo coronavírus, as medidas de proteção individual devem ser mantidas, principalmente em espaços públicos, grandes ajuntamentos e viagens, independentemente de a pessoa estar ou não vacinada.

Uma alteração no perfil dos doentes internados

João Gouveia, presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva, revelou na quarta-feira ao Público que cerca de um terço dos doentes com covid-19 internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) na região de Lisboa e Vale do Tejo já tinha iniciado o processo de vacinação, mas não o tinha concluído. Segundo o especialista, os internados tinham sido vacinados apenas com uma dose da vacina quando ocorreu a infeção.

Assim, apesar de estarmos a falar de números pequenos - eram cerca de duas dezenas de pessoas nestas condições - estes dados acabam por reforçar a ideia de que uma única dose da vacina não confere um grau de proteção tão elevado e que, por isso, é necessário que as pessoas mantenham todos os cuidados de prevenção, mesmo depois de vacinadas.

“Apesar de ser a melhor arma, a vacinação não é a única arma e só por si não chega. É preciso acelerar o processo de vacinação e avançar com medidas para reduzir francamente a transmissão, sobretudo dentro de Lisboa”, explica o médico, que relembra também que o processo de vacinação levou a uma mudança de perfil dos doentes internados: “Mais de metade dos doentes [internados, nesta região,] tinham menos de 55 anos. São agora francamente mais jovens e havia mesmo doentes com 25 anos e sem comorbilidades em risco de vida na semana passada”.

As pessoas “não podem pensar que [a covid-19] é uma gripezinha que não causa doença grave”, sublinhou o médico, referindo ainda que devem manter as medidas de proteção e evitar grandes aglomerados.

Cinco mortos e 1.231 infetados entre pessoas com vacinação completa em Portugal

Porém, não há casos de infeção apenas em pessoas com uma dose da vacina: a DGS revelou na passada quinta-feira que, em dois milhões de pessoas com esquema vacinal completo há mais de 14 dias em Portugal, 1.231 contraíram a infeção, 43 foram internadas - 26 foram internadas "com diagnóstico principal" de covid-19 e 17 com "diagnóstico secundário". Portugal registou ainda cinco óbitos de pessoas com imunizadas, quatro com 80 ou mais anos.

No total de infetados após vacinação completa, 37% estavam na faixa etária dos 80 e mais anos, e 8% dos 70 aos 79 anos, estando os restantes distribuídos nas outras faixas etárias. No que reporta aos internados com diagnóstico principal de covid-19 após vacinação completa, a DGS adiantou que 77% têm mais de 80 anos. 

Se já estava a equacionar a possibilidade de marcar jantares sem ter de pensar em "bolhas sociais", de viajar sem preocupações ou de abandonar as máscaras, nada disto deverá ser para já.

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