A Brigham Young University, no Utah, Estados Unidos, tem todos os semestres cerca de 500 alunos a fazer a disciplina de português. O Brasil costuma ser o foco, mas este ano a escola desenvolveu um programa de fim de curso em Portugal "para ampliar as perspetivas do mundo lusófono", adianta o professor responsável pela cadeira, Rex Nielson.
Rendidos. Foi assim que os encontrámos já na véspera do regresso às origens, perto da hora do jantar, à entrada da cervejaria Portugália, no Cais do Sodré. "Quem quer ficar em Portugal?" Os sorrisos largos e os braços no ar revelam que todos.
No total são 23 alunos (e dois docentes), conversámos com os primeiros a chegar: têm entre 22 e 24 anos e vêm de diferentes estados: Colorado, Califórnia, Utah e Illinois. Para Rex Nielson, esta é a sétima ou oitava visita a Lisboa - já lhes perdeu a conta - uma delas no 25 de Abril de 1974. Nem uma palavra é dita em inglês, todos falam português fluentemente. Que aprenderam no Brasil - no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Fortaleza.
Antes de mais, quisemos saber porque escolheram aprender português. "Não escolheram", responde o professor. E esta é uma das particularidades destes estudantes: são mórmons ou, mais corretamente, membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. "Todos nós", continua Calla Chamberlain, de 23 anos, "temos formação religiosa. Por isso, fomos designados". E o que é isso de serem designados? "Eu disse: quero servir numa missão da igreja, e eles [os responsáveis] decidiram para onde me enviar".
A missão é temporária, 18 meses para as raparigas, 24 meses para os rapazes, e o objetivo é "representar nosso Salvador Jesus Cristo e trazer almas até Ele", que é como quem diz, evangelizar. "Eles fazem isso ensinando pessoas interessadas, mas também dedicam uma parte do seu tempo a fazer projetos de serviço humanitário e a dar apoio aos membros da igreja na região onde estiverem a servir", explica Rex Nielson.
Os alunos não escolhem onde vão servir como missionários, seja no Brasil, em Portugal, em Cabo Verde, em Angola ou em Moçambique. Mas, depois de investirem tanto tempo a aprender a língua e a conhecer a cultura, geralmente querem desenvolver o seu conhecimento quando terminam a missão. O programa universitário em que participam é uma das maneiras de o fazerem.
"A maioria dos nossos alunos já fez trabalho missionário. Trancam os estudos para o fazer e quando regressam à universidade geralmente querem manter a língua, e então optam por disciplinas como História Europeia, Literatura Portuguesa e por aí fora", diz Rex Nielson.
"Quase todos os alunos já falam um nível avançado de português. A disciplina é lecionada em português, com leituras em português, e os alunos escrevem os seus trabalhos em português. Ao longo do programa vão aprendendo muito sobre a cultura portuguesa: a riqueza da sua história, cultura e literatura, e também aprendem sobre alguns dos desafios que o país enfrenta, inclusive questões relacionadas com uma variedade de temas sociais, como o papel de Portugal na União Europeia, a crise financeira, a herança do colonialismo ou o preconceito racial", detalha o professor.
É verdade que os Estados Unidos têm de aprender muito com Portugal em termos de ambiente
Sim? Então sabem que um dos temas que interessa aos portugueses e aos europeus, as alterações climáticas, é desvalorizado por Donald Trump. "É verdade que os Estados Unidos têm de aprender muito com Portugal em termos de ambiente", atalha o professor. "Uma das coisas que notei quando cheguei aqui é que as pessoas estão mais preocupadas com o ambiente do que nos Estados Unidos, e alguns familiares meus que foram estudar para a Alemanha disseram que lá também se preocupam mais. Penso que temos de ser mais conscientes", continua Chandrelyn Kraczek, 22 anos.
Muitos destes estudantes acabam por escolher um futuro que, de alguma forma, está relacionado com Portugal. Amber Denkers, 22 anos, conta que quer ser professora de português, "agora ainda mais do que antes". Quer "aprender a cultura, a história, a literatura... Tudo". Para ensinar outros nos Estados Unidos, onde há mais de 100 universidades que leccionam português. Só no Utah há mais de dez escolas públicas de português, "e estão a contratar cada vez mais professores para o nível básico".
Eric Maynes, 24 anos, estuda Finanças e quer seguir uma carreira internacional, "talvez no Brasil, talvez em Portugal", diz. "Já tenho trabalhado com empresas portuguesas, faço análise de produtos. Não posso discutir os clientes devido ao sigilo profissional, mas posso assegurar que são grandes empresas internacionais, e o desafio é compensador, porque estou a ajudar a desenvolver negócios para um país que eu amo".
Também Joshua Rhead, que pretende fazer Medicina, acredita que isso lhe dará outras oportunidades para servir. "Se tiver um talento, é importante que o desenvolva, e em medicina você nunca sabe com quem poderá cruzar-se. É importante entender as culturas, as crenças, para poder servir melhor o paciente e a humanidade. Temos de ser cidadãos do mundo e ter a habilidade para ajudar em determinados momentos. Acredito muito no Senhor e no facto de o meu futuro ter algo a ver com o português. Tenho de estar pronto", afirma.
Para este grupo de alunos o pior já passou. E passou é a palavra chave, porque os exames finais foram realizados de manhã. Agora, estão mais livres do que nunca, suspiram de alívio. Já houve tempo até para mergulhos na praia, na Caparica e, ainda esta tarde, em Cascais, mas foi preciso estudar e, mesmo em passeio, as manhãs estiveram reservadas para aulas teóricas, no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, no Quelhas, em Lisboa, sob a orientação de professores da Brigham Young University (BYU).
"Não estamos em Portugal com um propósito religioso. O nosso objetivo é académico, aprender a língua, a cultura, a história de Portugal", diz Rex Nielson. E foi o que fizeram. A visita, talhada à medida da BYU, foi organizada pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) no âmbito do Study in Portugal Network (SiPN), que conta com a parceria de quatro universidade portuguesas: Católica, Nova, ISCTE e Universidade de Lisboa.
A FLAD é um facilitador e, de acordo com as necessidades de cada instituição, faz a curadoria dos programas. A BYU veio com um programa específico e trouxe os seus professores, mas os programas regulares oferecidos pela fundação, geralmente mais curtos e com oferta de estágios, são ministrados por professores portugueses, embora os créditos sejam dados pelas universidades de origem.
O objetivo é colocar Portugal no mapa e trazer o maior número possível de alunos norte-americanos, reforçando o conhecimento das universidades portuguesas lá fora. Desde 2015, a FLAD já recebeu quase 1000 estudantes através do Study in Portugal Network.
O grupo da BYU chegou no dia 30 de abril e aproveitou cada minuto: estiveram dois dias nos Açores, "fantástico", foram a Braga, Guimarães, Porto, Coimbra, Tomar, Évora, Monsaraz, Mafra, Sintra e visitaram locais desconhecidos até para muitos portugueses.
"Conímbriga é fascinante", diz Eric maravilhado. "Lá tem umas ruínas romanas muito bem preservadas e fiquei fascinado com o trabalho dos mosaicos, das calçadas, dos caminhos estreitos e labirínticos, perfeitos". Todos concordam. Amber fala de Braga e do "lindíssimo" Santuário do Bom Jesus do Monte. "Foi muito legal poder subir todas as escadas e ver as cenas de Cristo e perceber que havia muito mais para visitar. Têm muitas igrejas lindas, aqui". Outros mencionam o Convento de Cristo, em Tomar.
Além do encanto pelas igrejas, Amber tem outra paixão: o fado. E cita os nomes de Amália Rodrigues, Ana Moura, Marisa. "Ela canta", denunciam os colegas. Canta? Queremos ouvir. "Canto quando estou tomando banho", responde a sorrir com um sotaque americano. E Chandra lembra que foram assistir à "festa de Santo António, muito interessante". Viram as marchas e gostaram "das fantasias, das luzes, da festa e da forma como a comunidade se une para celebrar".
O que nos leva à grande diferença entre os Estados Unidos e Portugal. Para a explicar, Amber lembra a mulher portuguesa que disse ao professor Rex Nielson: "Ah, isto é assim há cem anos, não tarda nada e já passa". "E eu pensei: cem anos é metade da história dos Estados Unidos, é muito tempo", espanta-se a estudante. Mas também há semelhanças, repara Calla apontando para a ponte sobre o Tejo, atrás deles. A ponte que liga Lisboa à margem sul é tão semelhante com a Golden Gate Bridge, em São Francisco, que quando a viu o filho mais novo de Rex Nielson exclamou: "Pai, estamos na Califórnia".
E entre o Brasil e Portugal, encontraram semelhanças? "Depende do dia", responde Josh. E todos dão uma gargalhada. Eric continua: "No Brasil, a gente fala "sou" católico, mas aqui [em Portugal] a gente "é" católico. Acho essa diferença muito curiosa, e aqui há uma igreja em cada bairro, em cada vila".
O professor aproveita e pergunta se conhecemos o templo mórmon no Parque das Nações, em Lisboa. É que os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias têm os seus templos próprios, embora entrem em todas as igrejas. No primeiro domingo depois da chegada a Lisboa, aliás, este grupo foi assistir a uma missa na Basílica da Estrela.
Deus mórmon e o Deus dos católicos. "De fora são quase os mesmos"
Queremos saber a diferença entre o Deus mórmon e o Deus dos católicos. "De fora são quase os mesmos", afirma Rex Nielson. "Acreditamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, mas uma coisa importante é que acreditamos que são entidades autónomas, enquanto os católicos acreditam que é uma só. Acreditamos na Bíblia e em todos os seus ensinamentos, mas acreditamos no Livro de Mórmon, o outro testamento de Cristo, e isso acrescenta e apoia a informação da Bíblia e ajuda-nos a ter um entendimento maior e mais claro", explica o professor, acrescentando, no entanto, que "não sou um porta-voz oficial da igreja, nem da universidade".
Ainda assim, peço-lhes que falem um pouco da sua cultura e tradições, como a da Sociedade Genealógica do Utah, financiada pela Igreja de Jesus Cristos dos Santos dos Últimos Dias, que mantém num abrigo antinuclear subterrâneo, designado Cofre das Montanhas de Granito, o registo genealógico com mais de 125 milhões de nomes e um arquivo de recursos de linhagem com 80 milhões de nomes.
Chandra arrisca: "A nossa religião acredita na vida eterna e também por isso é interessante saber de onde vimos". O professor complementa: "Da mesma maneira que na Suécia fazem pesquisa e guardam exemplares de sementes, nós guardamos os registos genealógicos, que fazem parte da vida, de saber de onde vimos e como fomos evoluindo. Temos registos de Portugal, da Argentina, da Itália, do Brasil, de todos os lugares do mundo. A Igreja tem acordos e convénios com freguesias e municípios em todo o mundo para fazer o trabalho de arquivologia digital".
De resto, "vivemos um código de saúde, que se chama Código de Sabedoria", que ensina comportamentos, como a importância da família ou o que comer e beber - os mórmons não bebem álcool, por exemplo. "Viver uma vida com moderação", resume Calla.
Moderação em tudo excepto nos pastéis de nata, um do motivos que leva Josh a sorrir e a não querer deixar Portugal. Quantos comeu? "O melhor é esquecer isso", responde. E todos riem. No fundo, estão alegres e gratos por estas sete semanas, mas tristes com a partida. Instala-se um certo nervoso. À exceção de Amber, que vai para o Algarve, onde a espera uma tia e primas, amanhã por aquela hora já todos estariam em suas casas, de volta aos Estados Unidos.
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