O “Relatório Final” da Comissão de Inquérito da Assembleia Municipal (AM) do Porto, que ainda não foi votado e a que a Lusa teve hoje acesso, aponta vários fundamentos legais para a autarquia “ponderar seriamente declarar a nulidade do deferimento do Pedido de Informação Prévia [PIP] de 13 de fevereiro de 2009 [no segundo mandato de Rui Rio], e consequente procedimento administrativo” da obra em curso, nomeadamente por estar em causa uma construção “15% superior” à que recebeu luz verde da autarquia em 2002.
Mandatando o presidente da AM para remeter o documento ao Ministério Público (MP), a comissão “reconhece” uma “relação” entre os processos da Arrábida e do Parque da Cidade, notando “que a principal motivação política” do PIP de 2009, relativo à escarpa, foi “a de que o seu deferimento era condição negocial para a assinatura dos acordos judiciais e extrajudiciais do Parque”, sem que Rui Rio, atual líder do PSD e ex-presidente da autarquia, tivesse “qualquer intervenção na matéria”.
“No contexto dos trabalhos desenvolvidos, não foram produzidas provas, nem [a comissão] teve, por qualquer outro meio, conhecimento de qualquer decisão ou ato do anterior presidente da câmara [Rui Rio], pelo que concluímos que o mesmo, para efeitos do presente relatório, não teve qualquer intervenção na matéria”, escreve-se no documento produzido pelo relator escolhido por unanimidade pela comissão, Pedro Braga de Carvalho (PS).
Em investigação pelo MP pelo menos desde abril, a obra na escarpa da Arrábida foi licenciada no fim de 2017 e começou no início do ano, com os trabalhos da primeira fase, relativa a um prédio de 10 pisos e 38 fogos.
No relatório, identificam-se três fundamentações legais para a declaração da nulidade do PIP de 2009.
Uma delas diz respeito ao facto de a obra viabilizada em 2009 ter uma dimensão "superior" à prevista no PIP de 2002 aprovado pela Câmara.
A comissão diz “não conseguir compreender como é que o PIP de 2002 pode hoje ser invocado para legitimar” obras com uma “dimensão superior”, acrescentando que "o PIP de 2009 "aumenta injustificadamente a área de construção total em 5.703 metros quadrados" relativamente a 2002.
Para a comissão, "o PIP de 2009 não pode ser sucedâneo de um qualquer deferimento tácito [de um PIP] de janeiro de 2002".
"Julgamos que um PIP não pode, sob pena de violação da lei, legitimar um conjunto de obras cuja dimensão é 15% superuior àquela que nele se admite", afirma-se no relatório.
A comissão cita ainda uma “sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAFP), de outubro de 2010”, que “não transitou em julgado”, mas “mantém inalterada a validade da sua fundamentação jurídica”.
De acordo com o relatório, "a sentença declara não existir qualquer deferimento tácito em 07 de janeiro de 2002 e a nulidade do deferimento do PIP de 13 de fevereiro de 2009".
“Não só a argumentação do Tribunal não foi tida em conta, como a maioria desses pareceres internos e externos parte do pressuposto fático de que houve deferimento tácito a 07 de janeiro de 2002”, observa a comissão.
Juntando a isto a “ausência do parecer obrigatório da APDL – Administração dos Portos do Douro e Leixões”, a comissão conclui “que o deferimento do PIP de 2009 é nulo”.
O documento “reconhece a existência de uma relação entre o procedimento administrativo que conduziu ao licenciamento e execução do projeto” da Arrábida “e a celebração dos acordos judiciais e extrajudiciais de 2008 e 2009 no âmbito do Parque da Cidade”.
Rui Rio anunciou a 17 de julho de 2009 um segundo acordo com o consórcio de empresas com terrenos no Parque da Cidade, segundo o qual a autarquia, que tinha travado construções no espaço verde, tomava posse imediata dos terrenos privados, e estes retiravam todas as ações judiciais contra a Câmara.
Na sequência deste acordo extrajudicial, alcançado em 2008, a Câmara devia ainda tentar vender oito imóveis para pagar às empresas cerca de 43,8 milhões de euros, para evitar uma indemnização de 168 milhões de euros.
O relatório refere uma troca de emails de julho de 2009, em que “é apresentada a tese, pela professora Fernanda Paula Oliveira, de que o deferimento, em 2009, do PIP da Imoloc [empresa que, no início de ambos os processos, era proprietária dos terrenos no Parque da Cidade e na Arrábida] era condição negocial para a assinatura dos acordos do Parque”.
A comissão cita ainda “um ajuste direto” à sociedade de advogados “na qual colabora Pedro Gonçalves”, o jurista que, segundo os emails e vários testemunhos, elaborou um parecer sobre a Arrábida.
Segundo o caderno de encargos, este ajuste direto de 2010 “teve por objeto a análise jurídica dos contratos decorrentes do Parque da Cidade”, mas numa fatura referem-se “honorários pelos serviços prestados até esta data com a elaboração de parecer para a Câmara do Porto – Imoloc”, descreve a comissão.
Nas audições, Ricardo Figueiredo e Gonçalo Gonçalves disseram “desconhecer a relação” entre os dossiês, Paulo Morais “não confirmou qualquer relação” e Lino Ferreira, que deferiu o PIP de 2009, “negou categoricamente” qualquer “relação direta ou indireta” entre processos, “assim como garantiu que nunca discutiu a matéria com Rui Rio, presidente da câmara”.
Situada a jusante da Ponte da Arrábida, classificada em 2013 como Monumento Nacional, a empreitada com alvará de obra emitido em fevereiro foi “assumida” pela ZEP [Zona Especial de Proteção] submetida a discussão pública no fim de julho.
Até então, vigorou uma proteção “automática” de 50 metros, que permitiu o avanço dos trabalhos sem parecer prévio das entidades patrimoniais.
Em novembro, o tribunal recusou a pretensão da empresa Arcada para intimar a câmara com vista à emissão do alvará da segunda fase da obra, que contempla, segundo o processo, 16 pisos e 43 fogos, com uma área bruta de construção de 9.201 metros quadrados a implementar numa área de 633 metros quadrados.
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