“É muito gratificante porque a maior parte dos moradores desta comunidade são de baixa renda. Este projeto é de valia porque muitas pessoas não têm possibilidade de pintar a casa, muito menos com tinta inseticida. Isso já ajuda, é um conforto”, contou à Lusa Siliavine Moreira, da Associação Unidos para o Desenvolvimento de Tira-Chapéu, parceira da iniciativa.

No terreno há cerca de uma semana, o projeto “Tintaedes” envolve cerca de 20 elementos da comunidade que, até ao final do mês, vão pintar o interior de 300 casas previamente escolhidas nos bairros de Tira-Chapéu e da Várzea, ambos na capital cabo-verdiana, recorrendo a 4.000 litros de tinta inseticida para auxiliar no combate aos mosquitos e outros insetos transmissores de doenças.

Não há custos para os moradores, apesar de alguma reticência inicial, tendo em conta o termo “inseticida” usado juntamente com a tinta, mas a preocupação foi rapidamente ultrapassada com as explicações e garantias de segurança.

“A comunidade está a receber o projeto de braços abertos, está a colaborar, porque de facto Tira-Chapéu tem muitos problemas com mosquitos (…) a maior parte das casas não tem saneamento, não tem casa de banho, não tem água, eletricidade, e precisa mesmo de muita coisa”, lamentou a dirigente da associação local, que serve de porta de entrada do projeto naquele problemático bairro da capital.

Com financiamento do governo regional do arquipélago espanhol ‘vizinho’, da Canárias, através da Fundação Canária para o Controlo das Enfermidades Tropicais (FUNCCET), e o apoio da empresa cabo-verdiana de tintas Sita, o “Tintaedes” envolve ainda o Instituto Nacional de Saúde Pública cabo-verdiano e no terreno o Grupo de Investigação das Doenças Tropicais da Universidade Jean Piaget (GIDTPiaget) de Cabo Verde.

Hélio Rocha, professor da Universidade Jean Piaget e coordenador do grupo, explicou à Lusa que o projeto arrancou há cerca de um ano, com um projeto-piloto em laboratório e testes de tinta em casas de dois bairros distintos da cidade da Praia, em diferentes superfícies para avaliar a sua eficácia.

A tinta escolhida resulta de uma tecnologia desenvolvida em Espanha e consiste em encapsular inseticidas em nanopartículas, que são depois libertados de forma contínua “durante anos”, eliminando mosquitos e outros insetos.

“Quando o mosquito entra em contacto com essa tinta é libertado esse inseticida que está dentro das nanocápsulas e acaba por afetar o mosquito e eliminar, levando-o à morte”, explicou Hélio Rocha, admitindo que a eficácia do inseticida da tinta, sem risco para a saúde humana, é de pelos menos dois a três anos, mas os dados apontam para um efeito que será “muito superior” no tempo.

Contudo, sublinhou, essa eficácia implica manter as paredes das casas limpas.

Também conhecido pelo elevado nível de criminalidade, o bairro de Tira-Chapéu está agora mobilizado para a pintura do interior de 150 casas, as mais afetadas pela concentração de mosquitos segundo o levantamento que realizado pelos elementos do GIDTPiaget.

“Não escolhemos ao acaso as casas, tem de ser mesmo um aglomerado. Por exemplo uma rua, duas ruas, que estejam bem perto, porque a ideia é mostrarmos que conseguimos eliminar os mosquitos de uma zona. E se conseguirmos demonstrar isso em uma rua, depois poderá ser expandido para o bairro inteiro. E termos por exemplo um bairro sem a presença de mosquitos”, explicou o especialista.

Há dez anos a trabalhar sobre os mosquitos e as doenças que transmitem, Hélio Rocha sublinha que o projeto vai mais além: “Digo o mosquito, mas também podem ser outros insetos. Baratas, formigas, centopeias, moscas, que podem estar relacionados com a vetorização de alguma outra doença. [a tinta] Ajuda realmente a manter o ambiente limpo desses insetos”.

Cabo Verde está há quatro anos sem registar qualquer caso de transmissão local de malária, cujo vetor é precisamente o mosquito, e espera receber em 2022 o certificado de país livre da doença pela Organização Mundial da Saúde, anunciou em abril o Governo cabo-verdiano.

Para Hélio Rocha, este projeto contribui para esse objetivo, mas ao eliminar do ambiente urbano o mosquito “mais agressivo” em Cabo Verde, o ‘aedes aegypti’, com capacidade para vetorizar a transmissão de doenças como zika, dengue ou febre-amarela, vai reforçar a segurança sanitária, apesar de o arquipélago não ter qualquer caso destas doenças reportado atualmente.

“É um país aberto, facilmente pode entrar. Então, quanto melhor controlo tivermos sobre a população de mosquitos, mais preparados estaremos para lidar com eventuais situações de presença dessas doenças”, apontou.

Enquanto os trabalhos de pintura decorrem, com tinta branca como base, mas que pode utilizar corantes conforme preferência dos moradores, os elementos do GIDTPiaget, ponto focal do projeto em Cabo Verde, trabalham já na próxima fase, que consiste em recolher elementos sobre o efeito na concentração de mosquitos nestas casas dos dois bairros da Praia abrangidos pelo projeto.

“Vamos fazer o monitoramento casa a casa, para fazer o comparativo do antes e depois de usar a tinta”, explicou ainda Hélio Rocha.

Num bairro de ruas estreitas, casas inacabadas e com 6.000 pessoas que tentam sobreviver à crise no país, a chegada deste projeto é das poucas alegrias dos últimos tempos.

“É um começo para mais projetos chegarem. Queremos mais ajuda, estamos de braços abertos para receber todo o apoio que é preciso para a nossa comunidade”, admitiu Siliavine Moreira.

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