No ano passado, nasceram mais de 85 mil crianças em Portugal, num gesto que se repete todos os dias por todo o país. Contudo, se este pode ser o momento mais feliz da vida de uma família, para muitas pode também ser um momento de preocupação e ansiedade.

O Banco do Bebé ajuda há 30 anos a tornar este momento mais leve a quem sente o peso de uma responsabilidade que nem sempre tem condições de assumir. A presidente da Associação, Cristina Maltês, explica ao SAPO24 que o apoio começa após os serviços sociais das maternidades sinalizarem as famílias que necessitam de apoio, através de uma ficha que esclarece os seus contextos sociais. Por exemplo, é logo "pedido que seja feita a entrega de uma alcofa e enxoval a uma mãe que está num quarto com o bebé", disse.

Mas o apoio não cessa aí: "Essa família vai, mensalmente, à maternidade e é a própria assistente social que faz o acompanhamento da família”, conta. “Nós, no fundo, aí só temos mais um papel de preparação dos bens e da entrega", continua a presidente.

Através de bens, apoio domiciliário, assistência social, comunicação, administração ou logística, os 80 voluntários da Associação Banco do Bebé apoiaram, em 2023, 903 famílias.

Segundo Cristina Maltês, o principal objetivo deste projeto é promover as competências parentais: "(…) dar mais segurança aos pais, promover as suas competências, dar-lhes capacidades de se tornarem autónomos, diminuir o stress familiar, criar um ambiente propício ao desenvolvimento do bebé e ampará-los no crescimento", refere.

Para um bom funcionamento, a equipa tenta estabelecer uma relação de confiança com as famílias.

"Nós fazemos uma primeira visita para conhecer a família, e na segunda visita avaliamos as necessidades. Depois, semanalmente, vamos lá a casa", explica a presidente.

"No caso de um bebé que acabou de ter alta da maternidade até podemos ir duas ou três vezes na primeira semana se sentirmos que a família precisa", acrescenta.

Mantendo o respeito pela família, o que significa que o Banco do Bebé tenta não interferir na dinâmica familiar.

"Às vezes há muito aquela ideia de que vamos fazer as tarefas dos pais, mas não. Vamos capacitar e estar perto dos pais a dar o banho, a fazer a cama do bebé, a preparar a mala para ir ao médico, (…), a aconselhar e dar estratégias para ajudar a tornar tudo mais fácil", explica Cristina, sublinhando que se focam “nos cuidados onde a mãe precisa mais da nossa presença”.

Isto no caso das famílias que têm um acompanhamento mais permanente, com direito ao apoio domiciliário, que é definido caso a caso, conforme as características e necessidades da família.

Encaminhadas pelas maternidades, pelas unidades hospitalares ou até pelos centros sociais e comissões de proteção de crianças e jovens em risco, as famílias que chegam “às mãos” do Banco do Bebé são muito distintas.

Por norma, é durante o puerpério que surgem as maiores dúvidas e, quanto mais desamparadas economicamente, maiores se podem tornar. Uma das mais-valias do Banco do Bebé é este acompanhamento.

A presidente exemplifica com o aconselhamento às mães durante a amamentação: “Surgem imensas dúvidas à mãe, que por algum motivo, não amamenta. Aí, tentamos promover o aleitamento”. Nas situações em que tal não é possível “por doenças ou outras coisas, ensinamos a preparar o biberão e a esterilizar os materiais”.

Mãe e bebé estão seguros e plenamente acompanhados pela associação, havendo uma atenção especial ao desenvolvimento cognitivo da criança: “Muitas vezes o desenvolvimento fica mais para trás porque há outras necessidades, como as mudanças de casa, as dificuldades financeiras, a falta de emprego, e nós tentamos, com materiais que levamos, despertar as mães para a importância de brincar, por exemplo”, conta Cristina.

Ajudar em várias línguas

Devido à grande quantidade de migrantes que tem chegado a Portugal, no ano passado, o Banco do Bebé ajudou famílias de 21 nacionalidades diferentes.

“Nós temos famílias portuguesas, claro, mas temos muitas famílias de países africanos: São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, e temos também de muitos países asiáticos como o Nepal, o Bangladesh, a Índia (a maioria), o Paquistão ou o Afeganistão”, específica Cristina.

“Tudo isto cria um grande desafio, porque a forma de cuidar de um bebé na Europa, e até mesmo em Portugal, não é a mesma de cuidar num país em África ou na Ásia. Há aqui aspetos culturais muito marcantes, que tentamos ao máximo respeitar”, salienta.

Juntamente com o Sistema Nacional de Saúde (SNS), a Associação Banco do Bebé apoia medicamente os bebés, que não têm, muitas das vezes, médico particular ou médico de família.

“Quando está com febre ou acontece alguma coisa ao bebé, estas pessoas estão dependentes do SNS” e, uma vez que não têm médico de família, “nem sempre há a possibilidade de terem uma consulta de saúde infantil”.

“A criança é pesada pela enfermeira, é vacinada, mas as consultas de acompanhamento às vezes conseguem-se e outras não”, refere Cristina, explicando que, por isso, “fazemos questão de ir uma primeira vez com a mãe ao Centro de Saúde, apresentamo-nos à equipa e o nosso contacto fica no livrinho de saúde do bebé”.

Por outro lado, “às vezes, no que diz respeito a famílias estrangeiras, somos ainda facilitadoras da comunicação” ou até mesmo “quando são famílias com gémeos, trigémeos ou quadrigémeos, podemos ajudar a transportar os bebés”, destaca Cristina Maltês.

Para o acompanhamento da família e, em especial, do bebé, não há um tempo definido.

Entre outros fatores, “a alta surge quando sentimos que a família já tem alguma autonomia”, diz a presidente. “O que tentamos é que, quando formalizamos a alta, a maioria dos objetivos que estabelecemos tenham sido atingidos”, referindo, no entanto, que a média de tempo em 2023 foi entre os 15 e os 18 meses.

No ano passado, a Associação Banco do Bebé apoiou 119 famílias em contexto domiciliário. “Para ter uma ideia, entregámos 2.560 cabazes de bens a todas as áreas, com um total de 160 mil artigos a constituir esses cabazes”, indica Cristina.

Já este ano, e até ao mês de agosto, estavam a ajudar 122 famílias, ultrapassando o número de agregados apoiados em 2023: “Já tivemos algumas altas este ano e, agora, no ativo, estão 65 famílias”, complementa.

Embora as famílias sejam sinalizadas, sobretudo, nos hospitais de Lisboa, o apoio estende-se a todo o distrito: “Nós temos famílias dos concelhos de Odivelas, Loures, Vila Franca de Xira, Sintra, Cascais e alguns concelhos da Margem Sul”, informa a presidente.

O trabalho, que é centrado no bebé recém-nascido, expande-se à família, nomeadamente, aos irmãos: “Imagine que no agregado há duas crianças que não estão na creche ou no jardim de infância. Nós tentamos ajudar”, diz.

Outras vezes são os próprios pais, particularmente, ajudados: “Se estiverem ilegais, nós encaminhamos para os serviços certos para regularizarem as suas situações, ou então, se estiverem desempregados, encaminhamos para os centros de emprego ou locais que saibamos que procuram funcionários”, continua.

33 anos a dar colo

A ideia da associação partiu da Dr. Maria José Nogueira Pinto, que, na época, em 1991, era responsável pelo pelouro da Maternidade Alfredo da Costa (MAC).

Ao aperceber-se das dificuldades e carência das mulheres que ali chegavam para dar à luz, a médica constituiu um grupo de voluntariado hospitalar de primeiro apoio, hoje conhecida como “área de apoio de bens”.

Este primeiro apoio é constituído por um enxoval de bebé e uma alcofa que é entregue à mãe ainda na maternidade, com o apoio do Serviço Social da Maternidade da instituição, seguindo-se um apoio mensal, constituído por um cabaz de bens (produtos de higiene, fraldas, cremes, toalhitas, soro, entre outros). Durante alguns anos, foram estas as iniciativas do Banco do Bebé.

Em 2002, a MAC sugeriu a constituição de uma equipa de apoio domiciliário para auxiliar as famílias com bebés, sobretudo, prematuros, na prestação dos cuidados de capacitação parental. Hoje, é a área em que a Associação mais se concentra.

A organização disponibiliza ainda uma área de apoio psicossocial, onde uma assistente social colabora com as famílias, após o Hospital de Santa Maria e o Beatriz Ângelo, notificar os casos com necessidade.

Por sua vez, a MAC abrange uma área de intervenção de apoio ao Banco de Leite Humano. Aqui, a recolha de leite das dadoras é feita de 15 em 15 dias e, mais tarde, doado aos recém-nascidos.

“Para além disto fazemos ainda a entrega de materiais e temos o que nós chamamos de uma sub-área: um protocolo com o Banco Alimentar, que acaba por servir as áreas de apoio psicossocial e apoio domiciliário, apoiando as famílias, mensalmente, com bens alimentares, que são entregues por nós”, acrescenta Cristina Maltês.

Sem qualquer apoio estatal, o Banco do Bebé é financiado pelas áreas de responsabilidade social das empresas. No entanto, com muitas instituições a concorrer, nem sempre é possível reunir as verbas necessárias.

Para contornar a situação, o Banco do Bebé apresenta uma modalidade de “apadrinhamento de famílias”: particulares ou empresas que destinam uma verbal anual - no valor de 1.800 euros - a famílias específicas.

À modalidade, juntam-se as campanhas que o Banco do Bebé apresenta às empresas para angariações de bens, por exemplo, em supermercados ou mesmo em escolas na altura do Natal.

Nas redes sociais (Facebook, Instagram ou Linkedin) são também lançados pedidos para angariação de roupa, entre os 0 e os 6 anos, de rapaz e rapariga, brinquedos, camas de grade, camas de viagem, cadeiras de refeição, esterilizadores, espreguiçadeiras, carrinhos de bebé ou outros.

O “Banco de Bens de Empréstimo” é o departamento da Associação responsável por garantir a reutilização dos materiais e objetos, que são limpos e desinfetados depois de recolhidos.

Para ajudar, é possível tornar-se sócio do Banco do Bebé, fazendo um donativo anual de 60 euros, ou apenas uma doação pontual.

O ADN do Banco do Bebé

Atualmente, o grupo de voluntários é, maioritariamente, feminino, uma vez que a Associação trabalha mais diretamente com as mães dos bebés. Por este motivo, para as voluntárias serem integradas no apoio domiciliário devem ser já mães.

Os homens são bem-vindos e podem ajudar na sub-área do Banco Alimentar e na área da logística, que abrange o transporte dos bens e as campanhas de angariação.

Para Cristina Maltês é um “orgulho” a quantidade de voluntários envolvidos com a Associação: “Nós sem os voluntários não conseguiríamos levar todos estes projetos para a frente (…), os voluntários são o ADN do Banco do Bebé”, conclui.