“A primeira grande vantagem dos carros elétricos são os motores, porque são muitíssimos mais eficientes”, começa por contar, entrando diretamente na questão mais técnica e detalhando que essa eficiência está relacionada com a capacidade de conversão da energia elétrica em energia mecânica. “A energia que está nas baterias é transformada quase na totalidade em energia mecânica, que é aquilo que faz o carro mover-se. Enquanto nos carros a combustão só parte da energia que está na gasolina, a que se chama energia química, é transformada em energia mecânica, cerca de 35%”.

Ainda no que diz respeito a eficiência, “um motor elétrico não precisa de engrenagens, ou seja, não precisamos de estar a colocar mudanças para ir dos 0 km/h aos 120 km/h e vice-versa. Vamos dizer, para simplificar, que a força de um carro a combustão é inferior quando as rotações são baixas. Ou seja, não existe tanto poder no momento de colocar o carro a andar e é por isso que precisamos de uma caixa de velocidades, para desmultiplicar a força. É por isso também que quando metemos a primeira mudança não conseguimos atingir grandes velocidades, ou que usamos uma primeira ou uma segunda mudança para quando arrancamos ou estamos em subidas, por exemplo. Por outro lado, se estivermos a 120 km/h num carro tradicional e pusermos a primeira o motor basicamente explode, porque a tal relação entre força e velocidade teria esse efeito. Já o carro elétrico e, mais uma vez, de uma forma simplificada, tem sempre a mesma força desde a rotação zero. Então, ele não precisa dessa caixa de velocidades porque não é necessário nenhum tipo de desmultiplicação. Se quisermos ser mais técnicos, ele tem binário disponível logo no momento zero”.

Esta eficiência reflete-se também no tamanho do motor. “Num carro a gasolina o motor tem de ser muito maior do que num carro elétrico. Vamos considerar que a potência é o potencial que o carro tem para fazer força para fazer se mover. Como quase 100% da energia que o carro elétrico consome é transformada em energia mecânica, então a força que o motor precisa de fazer é muito menor porque há maior eficiência. Num carro a combustão, como 60 a 70% da energia do combustível é desperdiçada em calor, se queremos ter a mesma potência e a mesma força, o motor tem de crescer forçosamente. Portanto, os carros com motores elétricos são muito mais pequenos”.

Já no que diz respeito à manutenção da viatura também há diferenças a considerar. “A manutenção de um carro elétrico é normalmente feita entre os 40 e os 50 mil quilómetros. Isto porque não existem explosões a acontecer dentro do motor, o que limita muito o stress mecânico dos componentes, já que não há fricção entre eles. Por outro lado, num motor a combustão temos pistons a movimentarem-se dentro de um cilindro oco e se eles tocam — se não existir um óleo que cria a lubrificação — os motores gripam, ou seja, o calor da fricção dilata o piston e faz com que o motor — se quisermos usar o termo técnico — agarre”. Acresce a isto o facto de, num veículo elétrico, como não há necessidade de combustíveis líquidos ou mudanças de óleo, não existirem custos de manutenção associados ao motor de combustão interna.

Por outro lado, é, ao dia de hoje, mais barato conduzir um veículo elétrico. A rede pública de carregamento portuguesa, a MOBI.E , faz uma estimativa no seu site: "Considerando um condutor que percorre 16 000 km por ano, cerca de 6 litros de gasóleo aos 100 km e assumindo um preço de 1,48€ por litro. Este condutor gasta, em média, 1420 euros por ano em combustível. Os mesmos 16 000 km percorridos com um veículo elétrico, assumindo um consumo de 16 kWh por cada 100 km, iriam consumir cerca de 2560 kWh. Com um preço a variar entre 0,15€ e 0,45€ por kWh (num Posto de Carregamento Rápido - PCR), o condutor obtém uma poupança entre 160 euros (11%) e 1025 euros (72%) por ano".

No caso de Portugal, os condutores que adiram ao ao cartão MOBI.E têm acesso a todos os postos de carregamento da rede pública, cuja postos pode consultar aqui. Atualmente, a rede MOBI.E, ainda em fase piloto, fornece energia gratuita nos carregamentos realizados nos Postos de Carregamento Normal (PCN). Já os preços para os PCR foram publicados recentemente e pode consultá-los aqui.

Adicionalmente, em alguns municípios o estacionamento para veículos elétricos é gratuito. Existem ainda outros benefícios, nomeadamente, a isenção de IUC e de ISV, assim como a dedução do IVA e a isenção de tributação autónoma no caso das empresas, adianta a MOBI.E. O Governo anunciou entretanto que vai manter no próximo ano os incentivos fiscais à compra de veículos de baixas emissões, assim como o incentivo de 2.250 euros, tanto para empresas, como para particulares.

Podia ser um telemóvel, mas é um carro

Motores mais pequenos e mais eficientes, mas que dependem de baterias para funcionar. E essas baterias têm ciclos de vida e autonomias limitadas, sendo que a rede de carregamento das mesmas, pelo menos para já, em nada se compara à vasta rede de bombas de gasolina que permitem encher o depósito sempre que necessário e onde os métodos de pagamento estão standardizados. E a pergunta que se impõe: serão as baterias mesmo mais amigas do ambiente? Depois de conhecidos os benefícios, surgem as dúvidas.

“A vida útil de uma bateria depende dos níveis de satisfação que queremos garantir. Pensem no nosso telemóvel: nós sabemos, e percebemos, que ao longo da vida útil de um telemóvel cada vez precisamos de carregar de menos em menos tempo. E há um momento em que dizemos ‘pá, eu quase que vivo para carregar isto’. Nos carros é igual. Ou seja, depende de até que ponto estamos dispostos a suportar uma perda de autonomia do carro. O razoável é que uma bateria de um carro elétrico sobreviva até aos 80% ou 70% da sua autonomia original. A partir daí começa a pensar-se que já não faz sentido manter aquela bateria”, explica Luís.

Assim sendo, a vida útil de um carro elétrico “não se mede por anos, mas por ciclos de carregamento. Se eu andar todos os dias e carregar duas vezes ao dia tenho um tempo de vida da bateria, em anos, muito inferior a quem só ande de carro uma vez por semana e carregue uma vez por semana. Se houver muitos carregamentos o ciclo de vida encurta-se, se houver menos carregamentos estende-se. O normal para uma bateria deste tipo poderá ser, dentro de um uso normal e que ainda garanta uma autonomia razoável, entre 7 e 10 anos”.

E o que acontece quando a bateria termina? “Existem dois modelos de negócio: um em que se compra o carro com a bateria e ela passa a ser responsabilidade do comprador, para o bem e para o mal; e um segundo modelo em que se compra um carro e se faz um renting da bateria, ou seja, a marca continua responsável pela gestão da bateria, nomeadamente pela sua substituição quando ela chegar a parâmetros que hão de estar contratualizados. Esta segunda opção faz com que, a prazo, não fiquemos com um mono em mãos, porque as baterias que há quatro anos eram ótimas, hoje já não são. No entanto, quando o comprador transfere a responsabilidade pela bateria para a marca, paga por essa desresponsabilização”.

Esta conversa tem lugar durante uma vez viagem que arrancou de Lisboa rumo a Katowice, cidade polaca de recebe a 24.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP24). Promovida pela Get2C, esta iniciativa visa abordar temas como sustentabilidade, mobilidade elétrica e estilos de vida. São 3200 km, 7 países em oito dias, que o SAPO24 está a acompanhar, quilómetro a quilómetro, no especial Missão Katowice.

E porque a viagem acontece no âmbito da COP24, questionamos Luís se esta opção por carros elétricos é efetivamente uma alternativa amiga do ambiente, já que as baterias são compostas por elementos poluentes.

“O que eu defendo é que temos de passar rapidamente para soluções de mobilidade que dispensam a utilização de combustíveis fósseis. Eu não advogo que o carro elétrico seja a única solução de futuro, existem outras tecnologias, como por exemplo o hidrogénio, que podem vir a vingar. Mas até agora a mais preparada para substituir o carro convencional é o elétrico. Claro que temos de minimizar o impacto que as novas tecnologias possam ter, mas, neste momento, limitar as emissões de dióxido de carbono (CO2) é uma das questões mais prementes para a sobrevivência humana [o CO2 é um gás com efeito de estufa que contribui para o aquecimento global]. E os carros elétricos podem ajudar de alguma forma a mitigar esse problema, e acredito que farão parte da solução para a mobilidade individual”, responde. No Acordo de Paris, há três anos, as nações firmaram o compromisso limitar o aumento médio da temperatura global a 2ºC e tentar que não ultrapasse o 1,5ºC, valor a partir do qual os efeitos das alterações climáticas já teriam consequências. Para atingir o primeiro objetivo, o mundo tem de ser neutro em carbono (em que as emissões de carbono não ultrapassam a capacidade de as remover da atmosfera) na segunda metade do século. Em Portugal, o compromisso com a neutralidade carbónica tem como horizonte 2050.

“A questão das baterias tem evidentemente prós e contras. As baterias antigas eram formadas por chumbo, mas hoje já não se usam baterias de chumbo nestes carros, agora são de lítio. O lítio é um elemento poluente, mas também é um elemento muito mais valorizado, então a reciclagem é mais fácil de acontecer [porque existe um maior incentivo económico para o fazer]. No entanto, antes até de se ponderar a reciclagem, há que considerar a reutilização”, diz. “Mesmo a 70% da sua capacidade, uma bateria como estas, com cerca de 64 kW daria para alimentar uma pequena casa com energia por vários dias”, argumenta.

Por outro lado, diz Luís, é preciso considerar que “a tecnologia vai evoluir e se pensarmos a 30 ou 40 anos teremos outro tipo de baterias, com outra capacidade e mais fáceis de reciclar”. O importante, defende, é que se comece a pensar já em soluções.

A nível ambiental é ainda de referir que a eletricidade necessária para carregar as baterias dos veículos elétricos pode ser proveniente de várias fontes, entre elas fontes com baixas emissões, como o gás natural, ou fontes com emissões zero, como a energia eólica, solar ou hídrica. Pelo contrário, num país em que a principal fonte de produção de energia elétrica é, por exemplo, o carvão, esta vantagem ambiental é reduzida.

Ao nível da produção, um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA) publicado em novembro concluiu que fabricar carros elétricos é mais prejudicial para o ambiente do que produzir carros tradicionais, mas o impacto sobre os ecossistemas é compensado porque emite muito menos gases com efeito de estufa e poluentes atmosféricos em todo o seu ciclo de vida, comparando com os veículos a gasolina ou diesel.

A “matemática” da mobilidade elétrica

À data desta conversa, Luís já tem pelo menos seis aplicações no telemóvel só para conseguir carregar o carro e já apanhou um susto depois de dois carregamentos falhados — um porque o carro não se ligava ao carregador e outro porque a máquina deixou de funcionar a meio de um carregamento — quando já só contava com algumas dezenas de quilómetros de autonomia.

“No inicio desta viagem os carregadores estavam mais espaçados do que os quilómetros que a autonomia do carro garante, então tivemos de fazer um planeamento muito mais fino, ao qual acresce o stress de pensar se conseguimos ou não chegar ao destino”, conta.

Este planeamento, exemplifica, implicou saber de antemão “onde é que iríamos parar, qual a velocidade daquele carregador em particular. Isto é algo que quando temos um carro a combustão não está sequer no nosso pensamento mais longínquo. Nós saímos de casa, colocamos no GPS o sítio para onde queremos ir e se são 300 ou 800 quilómetros, ou até 1000, é indiferente. É indiferente porque sabemos que no caminho vamos encontrar sítio para reabastecer o depósito. Depois, quando estás num carro a gasolina, se ficas sem combustível pegas num jerrican e vais buscar. Nos carros elétricos não é assim. Se ficas sem bateria tens de mandar vir o reboque.”

No percurso Lisboa-Madrid, “a localização dos postos de carregamento foi claramente uma questão. Já em França a rede de carregadores é mais densa”, compara. “É preciso investir” nas redes de carregadores, diz Luís, acrescentando que está confiante que “é um problema que vai ficar resolvido num curto espaço de tempo, porque há muitas empresas a apostar em novos carregadores. Vimos por exemplo bombas de gasolina [em França] com vários carregadores que não estavam a funcionar porque estavam a ser instalados”, conta.

No entanto, não basta garantir que se tem onde carregar, é preciso saber que tipo de carregador é e qual o seu modo de funcionamento e pagamento.

“Eu só separo os tipo de carregadores entre rápidos e lentos — porque depois há aqueles muitíssimo lentos com os quais eu nem conto (entre 3 a 4,5 kW). Nesses, um carro como este pode levar 15 a 20 horas a encher a bateria”. Daí que uma das opções mais viáveis para quem utiliza carros elétricos em ambiente urbano seja carregar à noite a viatura em casa. Estes carregamentos, todavia, são lentos e não são uma opção para uma viagem de longo curso.

Assim, "num segundo nível existem os carregadores semi-rápidos que podem ir até aos 22 kW, mas há aqui um senão: o carregador realmente tem essa potência, mas funciona em corrente alternada. E as baterias não funcionam em corrente alternada, mas em corrente contínua. Então, tem de haver uma maquineta no meio que transforma a corrente alternada que vem da rede em corrente contínua. Mas essa maquineta pode ela própria ter diferentes potências. Eu posso parar num ponto de carregamento com 22 kW, mas o conversor interno do carro está limitado, por exemplo, a pouco mais de 7 kW. Ou seja, eu até poderia estar a receber 50 kW, mas estarei sempre a carregar limitado ao máximo da capacidade do retificador do meu carro, porque é ele que ejeta a energia nas baterias”.

“Finalmente, existem carregadores que podem realmente servir no futuro a mobilidade elétrica de médio e longo curso, que são os carregadores rápidos. Estes podem ter várias potências, mas são dos 40 kW para cima. Estes carregadores injetam diretamente corrente contínua na bateria, contornando o retificador interno do carro. Assim já não estamos limitados ao retificador do carro para transformar a corrente porque o próprio carregador já dispõe de um retificador que absorve a corrente alternada da rede, transforma-a em rede contínua, retifica-a e ela fica disponível para ser consumida diretamente na bateria, a uma potência muito mais alta”, explica.

Mas as contas não ficam por aqui...

“Agora imaginemos: se eu tivesse um carregador com uma potência de 50 kW levaria, teoricamente, pouco mais de uma hora a encher uma bateria de 64 kW. Mas o que verdadeiramente acontece é que eu levo cerca de três horas a carregar o carro a 100%. Isto tem a ver com questões de segurança quando estamos a funcionar com rede contínua e baterias. Vamos pensar que existe um tubo de água que está a debitar para dentro de um recipiente. Enquanto aquilo está vazio o tubo pode mandar água com muita força. Quando começa a ficar cheio, temos de fechar um pouco a torneira se não vai transbordar. O conceito é o mesmo: até 80% da capacidade da bateria estas carregam na máxima carga e depois reduz para cerca de metade, e quando chegamos a 90% de capacidade reduz para uma velocidade de carregamento muito parecida com a que temos quando estamos limitados à capacidade do retificador interno do carro. É por isso que quase sempre se refere o tempo de carga dos carregadores rápidos em relação aos 80% da carga da bateria”.

Há ainda duas questões a ponderar: tipo de carregador e forma de pagamento.

“Nós, enquanto condutores de carros a combustível, só temos de sair de casa com dinheiro e cartão de credito ou multibanco e sabemos que estes dois métodos de pagamento serão aceites em qualquer estação de serviço do mundo. Num carro elétrico, é tudo ao contrário. Neste momento devo ter umas seis aplicações que tive de descarregar para o telemóvel para poder carregar o carro — umas onde tive de me registar apenas, outras em que tive de as carregar com dinheiro, outras só para que o meu telemóvel consiga indicar ao operador em que ponto de carga é que estou. A uniformização do método de pagamento é importante. Pensemos um pouco na questão do roaming: eu quando estou a atravessar a Europa não quero saber se a rede é a, b, c ou d, porque eu sei que o meu operador doméstico vai encarregar-se de cobrar os pagamentos. Aqui, em alternativa, podia garantir-se pelo menos que era possível pagar diretamente no posto de carregamento, seja em notas e moedas, seja com cartão”.

Essa uniformização, defende, é também importante ao nível do equipamento. “Por exemplo, nos postos em que passámos existem três cabos porque existem três standards de tomada para o carro”, diz. E alerta que quando a conversão para o carro elétrico tiver lugar serão preciso carregar não milhares, mas milhões de veículos, pelo que a ausência de uniformização é um “desperdício de investimento que podia ser direcionado para investigação e desenvolvimento” nesta área.

“Isto é como lá em casa: quando os meus filhos estão de acordo eu não me meto, quando eles não estão de acordo tem de ir lá o pai e dizer ‘afinal as regras são assim’. Acho que neste momento eles ainda estão a crescer e eu tenho de os educar agora. Isto é um pouco como a mobilidade elétrica. Acho que as entidades que podem regular o mercado devem educar rapidamente o setor”, defende.

Apesar da "matemática" a que um carro elétrico obriga, Luís diz que ainda assim recomendaria esta solução, face ao compromisso que representa com a sustentabilidade do planeta e face às vantagens enumeradas. “Um carro elétrico é um investimento muito grande, mas se tivesse de comprar hoje um carro para mim seria elétrico, de preferência com uma autonomia já a rondar os 400/450 quilómetros. E porquê? Porque seria suficiente para viagens de cidade e para deslocações de médio curso. Se realmente quisesse fazer amanhã uma viagem como esta, com mais de 3000 quilómetros, teria sempre como alternativa a possibilidade de alugar um carro tradicional, pelo menos nesta fase de transição". E os números indicam que há cada vez mais pessoas a pensar da mesma forma que Luís, que já as vendas de carros elétricos em Portugal registaram este ano um crescimento significativo.

(Artigo atualizado às 18h11)