O governo pretende contratar entre 200 a 300 médicos da América Latina para cobrir cuidados de saúde primários no Alentejo, Algarve e Lisboa Vale do Tejo, anunciou hoje o ministro da saúde. A maioria dos médicos a contratar será cubana.

A Iniciativa Liberal acusa o governo de celebrar contratos de trabalho que promovem a exploração, alegando que os profissionais cubanos são vítimas de violação de direitos humanos. Entre elas, a exploração de mão-de-obra e tráfico de seres humanos, pelo próprio Estado cubano.

“Configura uma clara situação de tráfico de pessoas e violação dos direitos humanos”, disse esta manhã, Joana Cordeiro, deputada da Iniciativa Liberal, partido que pediu a audição parlamentar ao ministro da Saúde e que foi recusada numa primeira fase, mas que a IL insistiu, recorrendo ao seu “direito potestativo” e, assim, obrigar Pizarro a responder a uma comissão parlamentar.

Perante as acusações, Manuel Pizarro defendeu que “em todo o mundo os direitos humanos devem ser escrupulosamente respeitados” e que, no plano institucional, o Estado português ”tem antigas e consolidadas relações com Cuba”.

Sobre as contratações de médicos da América Latina o ministro da Saúde sublinha que acontecem desde 2009. Manuel Pizarro, na altura secretário de Estado, lembrou que estão hoje em Portugal 58 médicos cubanos a trabalhar no serviço público em regime de contrato direto, “o que provavelmente só foi possível porque vieram inicialmente ao abrigo desse primeiro acordo”, justificou, lembrando que um desses médicos é, atualmente, diretor de um centro de saúde.

Perante os deputados presentes na Comissão Parlamentar à Saúde desta manhã, Pizarro disse existirem 1.729 médicos internos e especialistas estrangeiros no serviço público de saúde, pelo que “contratar médicos de várias nacionalidades para o SNS é uma normalidade”. O ministro revelou ainda que os médicos que agora se pretende contratar na América Latina “serão para um período de três anos”.

Os partidos da oposição insistem que estão a ser violados princípios fundamentais dos direitos humanos, uma “escravatura médica”, chamou-lhe Pedro Frazão, deputado do Chega, e criticam especialmente o modelo de contratação desses médicos.

Ao SAPO24, a deputada da Iniciativa Liberal esclareceu que “não estão contra a contratação de médicos cubanos”, o que preocupa são os contratos que o Estado português quer celebrar com Cuba, daí “a insistência” da IL em ouvir o ministro da Saúde hoje, no parlamento.

Na audição, que partiu da Iniciativa Liberal, Joana Cordeiro deu como exemplo as retribuições dos médicos cubanos cujos contratos são feitos através de uma empresa de recrutamento estatal cubana, que ficam com a maior parte do vencimento pago pelo Estado português, dando a pequena aos respectivos médicos.

“Queríamos perceber em que moldes são feitos estes contratos. Os mesmos já foram feitos em Portugal, e é feito pelo mundo inteiro. Existem vários relatos relativos a várias violações de direitos humanos e que configuram situações de tráfico de pessoas”, disse Joana Cordeiro ao SAPO24.

O ministro da Saúde disse na audição parlamentar que “há centenas de empresas deste género a funcionar em Portugal” e que o governo não controla o que elas pagam aos médicos. Mas não explicou se vão alterar o modelo de contratação.

“E foi isto que quisemos perceber da parte do senhor ministro, do Ministério da Saúde e do Governo Português que estas situações não iam acontecer cá. E a verdade é que não tivemos nenhuma resposta”, lamenta a deputada da IL.

“A única resposta que tivemos foi que isto seria uma contratação de uma prestação de serviços como acontece com tantas outras empresas, mas todos nós sabemos que não é igual. E o ministro insistiu ainda que se trata de um contrato com uma empresa de prestação de serviços como outra qualquer. E a partir daí, tudo bem”, ironizou Joana Cordeiro.

“Mas não é igual”, sublinhou. “Temos vários relatórios de organizações de direitos humanos que dizem que não é bem assim”.

Ontem, o líder da IL, Rui Rocha, reuniu-se com uma delegação da Human Rights Foundation que lhe disse existir um conjunto de relatórios que apontam para várias violações à liberdade destes médicos cubanos.

“Temos médicos que não são livres na sua escolha”, afirma Joana Cordeiro. “São obrigados pelo Estado cubano a participar nestas missões, muitas vezes nem sequer sabem qual o país onde vão ser colocados, numa primeira fase. Vão para esse país prestar serviços médicos contra a sua vontade. Deixam as famílias em Cuba que são controladas pelo regime. Muitas vezes, os próprios médicos são controlados nos países de destino”, explica.

A deputada da IL esclarece que o seu partido “nada tem” contra a contratação de médicos estrangeiros. “Temos é contra o modelo de contrato com um Estado totalitário. Não podemos aceitar isto. Vimos com normalidade a contratação de médicos estrangeiros, mas com contratos normais”, sublinha.

Questionada sobre de que forma se pode resolver a falta de médicos, Joana Cordeiro diz que “o que a IL defende é que existem muitos médicos em Portugal que não estão no SNS”.

Para a deputada, é preciso “criar condições de trabalho para conseguir agregar estes médicos no sistema de saúde, e não necessariamente no serviço nacional.

Segundo a deputada, a IL apresentou uma lei de bases de saúde que dá o enquadramento a todo o novo modelo de saúde que “basicamente o que pretende é dar liberdade de escolha e que vai fazer com que as pessoas possam ir ao médico independentemente do setor onde ele estiver a trabalhar”, defende.

“Se começarmos por aqui, não sei se iremos precisar de recorrer a médicos no estrangeiro, numa primeira fase. Depois, obviamente, se for necessário recorreremos a médicos no estrangeiro, mas não neste moldes que tem sido feito, refere a deputada do IL que refuta a ideia de que a Iniciativa Liberal defende a privatização total do sistema de saúde.

“O nosso modelo de saúde enquadra-se em articular todos os setores. Não existe nenhum tipo de privatização. Neste momento, temos um serviço público, ou seja, temos prestadores públicos de cuidados de saúde, prestadores do setor social e do setor privado. O que a Iniciativa Liberal defende é que todos se articulem, porque para a pessoa que precise de cuidados de saúde, é indiferente quem é o dono ou em que setor o médico trabalha. A pessoa tem que poder ir tanto ao setor público, como ao setor privado, como ao setor social mediante a sua escolha”, disse.

“É isto que defendemos”, respondeu a deputada quando questionada se a IL defendia ou não a total privatização do sistema nacional de saúde.

*com Lusa